Por Pedro Augusto Pinho –

O clima político e intelectual da China começa a mudar a partir de 1919 com o surgimento de revistas e sociedades literárias, sendo a mais antiga a Xin Qing Nian (Nova Juventude), criada por Chen Du Xiu (1880-1942), em Xangai.

O presidente da China, Xi Jinping. (Valter Campanato/Agência Brasil)

PÓS-GUERRA, GRANDE MARCHA E CONSENSO DE WASHINGTON

O primeiro artigo desta revista, “Apelo à Juventude”, é a declaração de guerra às tradições, cotejadas com o dinamismo e o espírito de iniciativa do ocidente. Mas este modismo intelectual, não só teve efêmera duração como não deixou marcas profundas. Foi, verdadeiramente, a moda.

A grande descoberta dos intelectuais seria o materialismo dialético, que mostrava a condição colonizada e opressora do ocidente na China e casava com o pensamento realista de Confúcio. Já se disse que o marxismo não entraria com a mesma facilidade na teísta Índia, plena de deuses, como a encontrada na China, sem qualquer deus.

La Mothe Le Vayer (1588-1672) em seu livro “De La Vertu Des Païens” (1642, “Sobre a virtude dos pagãos”) afirma que Confúcio alçou de tal modo as ciências dos costumes cima de todas as outras que, depois dele, não se formam mais bacharéis nem doutores sem examinar sua moral.  Também François-Marie Arouet (Voltaire, 1694-1778), no “Essai sur les mœurs et l’esprit des Nations” (1756, “Ensaio sobre os costumes e o espírito das Nações”), a respeito de Confúcio, escreve que nunca instituiu qualquer culto, qualquer rito; nunca se disse inspirado, nem profeta. Ele recomenda o bem, todas as virtudes.

“O caminho é construtor do homem, ou seja, guiar-se pela virtude e manter a linha com os ritos, além de ser capaz de sentir vergonha e reformar-se a si mesmo” (Os Analectos, II,3).

“O caráter fundamental da religião pode ser assim definido: é um produto da fantasia, da inspiração, contrariamente à concepção do mundo moderno, que é um produto da ciência. Essa ideia pode igualmente ser expressa do seguinte modo: a religião baseia-se na crença, enquanto a ciência se baseia no conhecimento. Contudo não é exato dizer-se que a religião é produto só da fantasia e não se baseia em qualquer experiência anterior. Duas são as fontes da religião. A primeira é o estado de dependência em que se encontra o homem em face à natureza e seu desejo de dominar, no campo da imaginação, por meio de sacrifícios, orações, cerimônias etc, as forças naturais que, na realidade, não pode dominar. A segunda fonte, não menos importante, são as relações dos indivíduos em face da sociedade, isto é, do conjunto das relações sociais. A base das relações sociais tem como origem o modo de produção, ou seja, as relações que os homens estabelecem mutuamente ao produzirem coisas úteis para a subsistência ou, ainda, a forma social de produzirem a vida material” (F. Engels, J. Harari, L. Segal e A. Talheimer, Introdução ao Estudo do Marxismo, tradução de Abguar Bastos e José Zacarias de Carvalho para Editorial Calvino, RJ, 1945).

Quatro anos após a capitulação japonesa, os comunistas chineses tomam o poder no maior país asiático. O caminhar épico da Grande Marcha de Mao Tse Tung, que tem início em 27 de outubro de 1934, para libertar a China do invasor japonês é bastante conhecido.

Porém algumas observações da filósofa e escritora francesa Simone de Beauvoir (1908-1986) são bastante esclarecedoras e mostram o que foi uma guerra a um só tempo militar e educacional, travada nesta marcha, aonde iam sendo impressos jornais diários e deixados nas áreas libertadas pelos revolucionários chineses, também criando novas condições de vida.

“Eu estava, naquele dia, com esmalte vermelho nas unhas; todas as crianças agarravam-me as mãos e mostravam-nas com curiosidade a suas auxiliares de disciplina (vigilantes); mais de uma tentou erguer minha saia para ver se eu tinha qualquer outra monstruosidade. As professoras detinham-nas sorrindo; com seu talhe gracioso, suas tranças, suas fisionomias inocentes, essas moças tinham o ar de grandes e ajuizadas crianças e, de modo visível as crianças da creche não sentiam entre elas e as orientadoras a diferença de gerações. Jamais dão uma ordem imperativa. Disseram-me que os castigos corporais não apenas são proibidos, mas que a própria noção do castigo não existe; repreendem o culpado, explicando-lhe seu erro; em casos realmente difíceis, consulta-se um médico. O resultado é que as crianças crescem sem conhecer o medo nem a opressão”.

“É preciso que a mulher seja inteiramente libertada do peso do passado para poder adotar uma atitude positiva em que se felicite não por escapar ao amor, mas por ser livre de amar segundo sua vontade. O regime está longe de proscrever o amor como manifestação do individualismo; este é, ao contrário, encorajado pois se procura libertar as pessoas dos grupos dos quais eram, tradicionalmente, prisioneiras; ao mesmo tempo, o amor é tido como sentimento progressista. Ter um amor é repudiar o antigo conformismo, é dar prova de autonomia; quem quer que seja capaz disto é considerado avançado” (Simone de Beauvoir, A Longa Marcha, tradução de Alcântara Silveira do original de 1957 para IBRASA, SP, 1963).

Havia o esforço dos comunistas sob a orientação de Mao para desenvolver a indústria e a agricultura nas áreas que iam libertando e facilitar a circulação das mercadorias. Para isso buscaram “Melhores tropas e administração mais simples”, slogan do capitalista Li Ding Ming, incentivando empresas privadas para que a economia não ficasse somente nas mãos de empresas estatais (conforme Wladimir Pomar, A Revolução Chinesa, UNESP, 2003).

Logo após o término da II Grande Guerra, os Estados Unidos da América (EUA) trataram de criar um organismo internacional para controlar o Ocidente desenvolvido. Foi a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), em 04/04/1949. Com a Revolução Chinesa, os nacionalismos e socialismos que começam a ocorrer pela Ásia, que ocupavam até a II Grande Guerra papel secundário nas preocupações estadunidenses, os EUA constituem a Organização do Tratado do Sudeste Asiático (SEATO, na sigla em inglês), em 08/09/1954. Era formada por oito países: Reino Unido, França, Austrália, Nova Zelândia, Paquistão, Filipinas, Tailândia, além dos EUA, e mais três países observadores: Vietnã, Laos e Camboja. Estavam portanto dois europeus colonizadores, para apoiar os EUA, principalmente no combate ao comunismo asiático. Já em 1955, os objetivos militares da SEATO consumiram, em moeda da época, dois bilhões e meio de dólares estadunidenses, que se comparam com os 53 milhões da ajuda econômica.

Os dirigentes da República Popular da China (RPC) fizeram a distinção entre o “período de reconstrução” (1949-1952) e o “primeiro quinquênio” (1953-1957). “O primeiro é caracterizado pela coexistência de cinco setores: empreendimentos do Estado, capitalismo do Estado, capitalismo nacional (privado), pequenos produtores (camponeses e artesãos) e cooperativas sob a direção do governo. Em 1950, o quarto setor completou-se com a reforma agrária, que transformou os campos chineses em imensa coletividade de pequenos camponeses. O primeiro Plano Quinquenal acentuou o papel da indústria, principalmente a indústria pesada. A coletivização da economia se acelera em 1955-1956; a maioria das pequenas atividades camponesas e artesanais constitui-se em cooperativas e os empreendimentos capitalistas nacionais passam para o Estado, com a garantia de uma reserva de lucros depositada durante sete anos. Enfim, os resultados no domínio da produção são consideráveis”. “A produção de cereais passa de 108 milhões de toneladas em 1949, para 187 milhões, em 1957. O algodão de 444 mil toneladas, em 1949, para um milhão e setecentas mil toneladas em 1957. A produção de aço, nestes mesmos anos vai de 500 mil toneladas para cinco milhões e quatrocentas; a de carvão de 31 milhões para 117 milhões de toneladas e a produção de energia elétrica de 4,3 bilhões de kWh, para 18 bilhões de kWh, em 1957” (Jean Chesneaux, A Ásia Oriental nos Séculos XIX e XX, tradução do original de 1966 por Antonio Rangel Bandeira para a Livraria Pioneira Editora, SP, 1976).

Na área internacional, aquele país que era espoliado, humilhado por potências e mesmo empresas estrangeiras, ganha dignidade como se observa na Conferência de Bandung, de 18 e 24 de abril de 1955, naquela cidade indonésia, pelo papel de liderança do primeiro primeiro-ministro Chu En Lai (1898-1976), entre os 29 países participantes, do Terceiro Mundo, junto a Nehru e ao anfitrião Sukarno.

Nos anos 1960, a situação mundial começa a mudar. O período de prosperidade conhecido após o fim da II Grande Guerra, que privilegiava a produção e o consumo, promovendo a ampliação das classes médias pela maior distribuição de riqueza, é combatido pelo capital financeiro, que adquire veículos de comunicação de massa, se infiltra em organismos internacionais, com o discurso do anticomunismo. O progresso alcançado por países socialistas não pode ser ofuscado senão pela maciça campanha midiática.

Era também necessário criar empecilhos ao desenvolvimento industrial. Em 1968, reúnem-se em Roma cerca de 20 personalidades para avaliar questões de ordem política, econômica e social e suas relações com o meio ambiente. Estava criado o Clube de Roma que pede, em 1972, ao Instituto de Tecnologia de Massachusetts, estadunidense, para elaborar um relatório intitulado “Os Limites do Crescimento”.

Estava dada a largada para as crises do petróleo, o aumento dos custos industriais, das taxas de juros que, em menos de 15 anos, transformam a economia do planeta e provocam diversos problemas de ordem social e política.

Na RPC estas ações das finanças causam, como é óbvio, problemas na produção, no desenvolvimento da sociedade e incentivam a adoção do conceito de Revolução Permanente, para construção do socialismo. Surge a Revolução Cultural, ainda hoje não completamente entendida e diagnosticada.

Se, por um lado, a longa permanência de dirigentes leva a algum tipo de acomodação, ao que acresce o assédio dos interesses em detonar o socialismo na nação de maior população do planeta, por outro os radicalismos e a doença infantil do esquerdismo que alertava Lenin, também atuam em sentido oposto ao desejado.

O fato é que esta Revolução promoveu uma alteração na gestão do Partido Comunista Chinês e na administração da RPC, no momento em que as finanças obtinham as desregulações (década de 1980) para suas operações e passavam, com a apropriação das mais atualizadas tecnologias da informação, a pressionar todos os países para a globalização financeira e para o neoliberalismo concentrador de renda.

O sistema financeiro internacional elabora, em novembro de 1989, dez regras básicas, o Consenso de Washington, formuladas por economistas de instituições financeiras situadas na capital dos EUA, como o FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, fundamentadas num texto do International Institute for Economy, e que se tornou a política oficial do Fundo Monetário Internacional, em 1990, quando passou a ser “receitado” para promover o “ajustamento macroeconômico” dos países em desenvolvimento que passavam por dificuldades.

A estas medidas, desencadeiam-se seis crises, apenas nos anos 1990, (1990 – Da bolha imobiliária japonesa; 1992 – Sistema Monetário Europeu; 1994 – “El Horror de Diciembre”, no México; 1997 – “Crise dos Gigantes Asiáticos”; 1998 – Finanças da Rússia; e 1999 – Crise com a reeleição de Fernando Henrique Cardoso) que enriquecem o sistema financeiro, fazem proliferar paraísos fiscais, e que entra no século XXI pronto para corromper e financiar golpes, revoluções coloridas e primaveras que transformarão o mundo.

“O Partido Comunista Chinês transformou a China em uma potência mundial usando um sistema capitalista direcionado, procurando o bem estar do Povo Chinês, que melhorou de vida e não está submetido a escravidão como propagam os liberais”

O SÉCULO XXI

O século XXI nos traz mais uma das ironias da história. O país que surgiu vencedor nas duas Grandes Guerras do século XX, defendendo o industrialismo, é agora dominado pelo sistema financeiro, que ele havia derrotado, e, zombeteiramente, atua como verdadeiro feitor das finanças internacionais. Mesmo o nacionalismo, que lhe possibilitou crescimento econômico e social nos séculos XIX e XX, sucumbe aos interesses da globalização financeira. Como o arguto leitor já percebeu, estamos tratando dos Estados Unidos da América (EUA).

“Tudo o que era sólido se desmancha no ar, tudo o que era sagrado é profanado, e as pessoas são finalmente forçadas a encarar com serenidade sua posição social e suas relações recíprocas”, escreveram, em 1848, Karl Marx e Friedrich Engels, no Manifesto do Partido Comunista.

Não param aí as contradições que afloram neste século sob o domínio das finanças que, não só são apátridas, como se estabelecem em territórios sem leis, que não sejam para proteção dos capitais, denominados paraísos fiscais, em grande número nas ilhas da Comunidade Britânica, mas até em quatro Estados dos EUA: Dakota do Sul, Delaware, Nevada e Wyoming.

E tem mais, apesar de laicos, estes capitais têm uma religião, do conjunto das cristãs, a neopentecostal da teologia da prosperidade, que no Brasil é até condição de nomeação: ser “tremendamente evangélico”, talvez por ter sido a Constituição Federal de 1988 promulgada “sob a proteção de Deus”.

Este conjunto de contradições que o Império Financeiro impõe ao mundo desde 1991, com o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), acarreta confusão mesmo a dois membros do Centre d’Études en Macroéconomie et Finance Internationale (CEMAFI), o professor na Université Nice Sophia-Antipolis (França) e o economista Antoine Brunet, que, no livro de 2012, “O Objetivo Hegemônico da China O Imperialismo Econômico” (tradução para Actual, Coimbra, 2012, por Luís Felipe Sarmento): entendem a República Popular da China (RPC) ser a continuidade do modelo mercantil financeiro que estes autores veem na Inglaterra e nos EUA.

Que a Inglaterra cresceu e dominou boa parte do mundo sob a economia mercantil financeira globalizante, não há dúvidas e os fatos incontestáveis. Mas os EUA, muito ao contrário, fizeram até uma guerra civil – Guerra de Secessão – de 12 de abril de 1861 a 9 de abril de 1865, para promover a industrialização em bases nacionalistas. Em tudo contrário ao que a aristocracia inglesa impôs desde o século XIV a seus povo e domínios.

A RPC nos apresenta um modelo verdadeiramente único que seus dirigentes denominam o comunismo chinês, ou seja, um misto de condições socioeconômicas ajustadas à cultura da nação. Embora possa parecer contraditório, como muitas das políticas deste século, é um comunismo nacionalista, industrial e também mercantil financeiro.

Não é, assim entendo, o caso de enumerar dados estatísticos: a China consumir 46% do aço comercializado no mundo contra 6% dos EUA, ou 41% do alumínio contra 11% dos EUA, ou, ainda, 39% do cobre contra 9%, em 2010; mas de aprofundarmos o conhecimento do pensamento que é dominante no povo chinês, e que atua e prestigia seus dirigentes, neste caminho (aqui tomado em duplo sentido, com o confuciano tao).

O Consenso de Washington (1989) surgiu quando as finanças internacionais já se sentiam suficientemente poderosas para desencadear a dupla guerra cultural e econômica. Não se limitando a esfacelar a URSS, mas a colocar, antes mesmo da proclamação de seu Decálogo, Deng Xiao Ping (1904-1997) no poder e ser escolhido, por duas vezes, em 1978 e 1985, pela revista Time, como “Pessoa do Ano”, e também para criar as Zonas Econômicas Especiais, onde empresas estrangeiras podem se instalar, e para onde fez longa viagem após se aposentar, devido ao mal de Parkinson.

Deng Xiao Ping foi o primeiro líder chinês a visitar os EUA. Entre os dias 28 de janeiro e 5 de fevereiro de 1979, a convite do então presidente estadunidense, Jimmy Carter, o vice primeiro ministro visitou várias cidades: Washington, Atlanta, Houston e Seattle.

Os ataques culturais das finanças começam pela designação que induz a pensar situações diferentes da existente. Vejam, por exemplo, as Primaveras Árabes, cuja expressão dá ideia de renovação, de nova floração, mas que, na realidade, são o inverno, a morte de governo ou governante nacionalista, muitas vezes eficiente e popular, e obtendo várias concessões às finanças internacionais.

Entre 2010 e 2011, ocorreram “primaveras” em 20 países, do norte da África e do Oriente Médio, algumas desencadeando guerras civis, mas sempre com algum tipo de intervenção estrangeira, que ainda permanecem hoje. Resumiremos alguns casos mais dramáticos, que não são exceções mas regras desta ação financeira.

No ano 2010, tivemos, na Tunísia, a primeira primavera que derrubou Zie El Abidine Ben Ali, e também na Argélia, que após a suspensão de estado de emergência foi encerada.

Em 2011, com o aprendizado de 2010, ocorreram 18, nem todas bem sucedidas para as finanças. Destacaremos quatro, mas relacionamos as da Jordânia, Omã, Iêmen, Sudão, Bahrain, Kuwait e Marrocos.

Líbia, sob o governo de Muammar Al Gadaffi (1942-2011), uniu tribos e populações isoladas no deserto num Estado Nacional que apresentou o mais elevado Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de todo continente africano. Como no uso do petróleo líbio, cuja exportação promovia o desenvolvimento nacional, Al Gadaffi pretendia se libertar do dólar estadunidense, em queda e muito manipulado em bolsas de valores, por cesta de moedas. Sua derrubada e morte, em fevereiro e outubro de 2011, seguiram sua manifestação de promover aquela mudança na receita líbia. Hoje já não existe a Grande Jamahiriya Árabe Popular Socialista da Líbia, mas uma série de tribos dispersas, e a produção de petróleo é controlada por empresas estrangeiras.

Iraque, onde se estabeleceu a guerra civil que ainda ocorre, também houve invasão estrangeira e o enforcamento do líder Saddam Hussein (1937-2006), que promoveu uma fusão do nacionalismo com o socialismo árabe. Também o petróleo, riqueza natural do País, passou ao controle de empresas estrangeiras. É oportuno esclarecer que estas empresas petroleiras privadas são dirigidas por “gestores de ativos”, designação que as finanças apátridas se deram no século XXI, e que antes designávamos abreviadamente por “banca”.

Egito, que além de petróleo tem uma situação geopolítica importante, com o Canal de Suez, teve uma sequência de golpes, após a derrubada de Hosni Mubarak (1928-2020) e hoje vive sob tutela militar apoiada pelos gestores de ativos.

Síria, também com petróleo, tem sua população vítima de invasões estadunidenses e de milícias de várias origens, financiadas pelos gestores de ativos, que não conseguem derrubar o presidente, sempre eleito e reeleito pelo voto popular, Bashar Hafez al-Assad, que tem em seu currículo o fato quase inacreditável de manter em funcionamento as escolas públicas, malgrado o intenso bombardeio que os EUA e outros países e grupos milicianos despejam na Síria.

Também foram construídas pelas finanças as Revoluções Coloridas. A cor de todas deveria ser o fúnebre roxo, e também pela vergonha da submissão aos interesses estrangeiros pelos nacionais participantes. O Brasil teve a sua, em 2013, com George Soros (Open Society) financiando a campanha contra o Partido dos Trabalhadores (PT), e a Bolívia, em 2019, para derrubada de Evo Morales.

Mas a maioria das revoluções coloridas se dirigiu à Rússia, buscando atingi-la pelas antigas Repúblicas Socialistas da URSS: Geórgia (rosa, em 2003), Ucrânia (laranja, em 2004), Quirguistão (cor de rosa, em 2005) e onde as finanças foram derrotadas: Bielorrússia (branca, iniciada em 2015 e ainda insistindo em 2020) e Moldávia (do Twitter – “pio de passarinhos”, pelo uso desta rede social e servidor microblogging, em 2009).

Os países árabes, pelo petróleo, são sempre vítimas; a derrotada pelos aiatolás “revolução verde”, de 2009, contra o Irã, e as vitoriosas contra o Iraque (púrpura) e Kuwait (azul), estas duas em 2005. Também as asiáticas e derrotadas do Myanmar e Hong Kong.

O Instituto Humanitas Unisinos publicou, traduzida, a reportagem de Dorian Malovic, do La Croix, datada de 11/07/2019, onde lemos:

“Uma semana depois da grande marcha pacífica do dia 1º de julho e da violência no Conselho Legislativo de Hong Kong (LegCo), começaram as investigações policiais e quase 20 “jovens”, como eles são chamados agora, já foram presos”.

“Depois desse mês de loucura, devo admitir que estou um pouco deprimida, esgotada. O que vai acontecer agora?”, pergunta a assistente social de 30 anos em uma ONG local”.

“Ao se encontrar com companheiros de protesto perto do edifício do LegCo, um dia antes da manifestação do dia 1º de julho, que marcou o 20º aniversário do retorno de Hong Kong à China depois do domínio britânico em 1997, ela se voluntariou para distribuir garrafas de água e pequenas toalhas para lutar contra o calor úmido”.

“Entre esses jovens, que tinham em média de 16 a 22 anos, eu era quase a mais velha. Seu sistema organizacional e logístico não se parecia em nada com o Umbrella Movement de 2014 e não tinha nada a ver com ele”.

“Com seu telefone na mão, ela começou a baixar vários aplicativos de mensagens e ingressou em fóruns públicos, “em águas internacionais”, abertos a todos”.

“Foi estonteante, porque vários grupos se organizaram em torno da logística [água, máscaras, óculos, capacetes, minivans, carros], da comunicação [vídeos, designers, criativos, desenhistas], dos primeiros socorros [médicos, enfermeiros, remédios] e do apoio legal [advogados voluntários]”, continuou. Grupos de observação transmitiram vídeos informativos para localizar as presenças policiais em todo o território em um determinado momento, local, metrô, estação, dois, três, quatro policiais… Eles têm de 30.000 a 50.000 membros, sem falar dos grupos comunitários da vizinhança que fornecem informações”, diz ela”.

“A singularidade dessas manifestações está nessa nova forma de protesto, quase única no mundo – que as pessoas com mais de 30 anos, e os pais mais ainda, não conseguem entender. Está tudo no telefone. É algo orgânico.”

“A campanha é virtual, mas a energia e a criatividade da vida real fluem através das veias dessa mulher de Hong Kong, que admite ter medo de “perder suas liberdades”. “Eles não querem ser politicamente manipulados, eles não têm uma ideologia política, eles apenas lutam pelo que acreditam que é certo. Isso é muito simples e ao mesmo tempo confuso, porque eles estão dispostos a sacrificar tudo, até suas vidas, para alcançar seu objetivo”.

Fica bastante evidente a notícia manipuladora, que trata inclusive da Primavera Asiática, de setembro de 2014, “Revolução dos Guarda-chuvas”.

Dois aspectos precisam ser destacados na atual condução da RPC. Primeiro, e o mais relevante, é a gestão participativa, como se houvesse uma liderança coletiva. O tempo dos líderes, que tudo sabiam e podiam, já passou. A falta de participação popular numa sociedade onde a concentração de lucros é objetivo, jamais entenderá e apoiará esta administração. Em segundo lugar, que a participação não pode ser ampla e geral, mas daquelas pessoas que estão familiarizadas com os problemas e podem, com competência, ajudar na decisão. Isto explica as descentralizações e eventuais diferenças nas ações pelas províncias.

Além disso, os intelectuais, como no alvorecer das grandes questões discutidas na formação do pensamento chinês, ganharam maior autonomia e responsabilidade pela própria sobrevivência. Desaparece o intelectual orgânico do partido. Como assinalou o professor na Universidade Federal Fluminense e na Universidade Cândido Mendes, Shu Sheng, em A História da China Popular no Século XX (FGV, RJ, 2012): “ao final do século, o papel singular dos intelectuais na sociedade chinesa estava passando por uma profunda mudança”, ajudando à sociedade mais pluralista.

O Partido Comunista Chinês foi a primeira organização baseada no socialismo científico de Marx e Engels na China

O MUNDO LUSÓFONO

Se estivéssemos tratando de um país europeu, a característica do falar, do idioma além das fronteiras, significaria certamente a colonização, a invasão de outras terras, a dominação de outros povos/etnias pelo império europeu. Mas isto não aconteceu jamais com a China, com os han. Ao contrário, a China se protegeu, buscou se isolar, sua referência mais característica é a “Grande Muralha”. O país não tinha o ímpeto colonial – pois não lhe faltaram condições tecnológicas e população para dominar o mundo, especialmente no século XV.

A China se viu e se vê um mundo suficiente, como deixa claro o professor da Universidade de Paris VII, Jacques Gernet, e está no próprio título de seu trabalho histórico: “O Mundo Chinês” (“Le Monde Chinois”, Librairie Armand Collin, Paris, 1972).

Quando a China foi além das fronteiras milenares, o governo era o mongol, conquistador da China.

Portanto o mundo lusófono significa o mundo conquistado por Portugal, inclusive em território chinês. E a relação da China com este mundo além das fronteiras é a de trocas, trocas de mercadorias, de saberes, de cultura.

Em agosto de 1974, o Presidente Ernesto Geisel reata as relações diplomáticas com a República Popular da China (RPC) quando ainda ocorria, já com crescente oposição, a “Revolução Cultural” (1966-1976) promovida por Mao Tse Tung.

Wang Yong Xiang, embaixador da RPC no Brasil, entre junho de 1999 e março de 2002, no artigo de 2009 sobre “Relações entre a China e os Países de Língua Portuguesa no Contexto da Globalização Econômica”, apontou quatro estratégias recíprocas que consolidavam as relações desta comunidade com a China: primeiro o ponto de vista histórico, onde estava Macau, embora não explicitamente citado, devolvida à China no alvorecer do século XXI, cerca de três anos após o Reino Unido ceder Hong Kong; segundo, o contexto econômico e político multipolar; terceiro, a mesma compreensão da importância dos organismos internacionais, com relevo para a Organização das Nações Unidas (ONU); e, por fim, a cooperação estratégica para países emergentes, como o Brasil, envolvendo, no mundo da lusofonia, uma população da ordem de 240 milhões de pessoas.

Recordemos quem constitui este mundo do falar português, a Comunidade dos Povos de Língua Portuguesa (CPLP), criada em 17/07/1996: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

Tratar do mundo, qualquer parte dele, no século XXI é discorrer também sobre as consequências da globalização, imposta pelos capitais financeiros a partir de 1991. No caso específico da RPC e da CPLP é relatar os diferentes enfrentamentos que Estados Nacionais deram a esta situação financeira e suas consequências para as nações e os povos.

Jorge Sampaio, presidente de Portugal entre 1996 e 2006, entende que “a globalização tem criado profundas desigualdades de oportunidades entre regiões e continentes, a pressão migratória continua a aumentar, alimentada designadamente pelos baixos custos dos transportes e as facilidades da comunicação universal” (Jorge Sampaio, Reflexões em Torno da Questão: Que Modelo Social para o Desenvolvimento, in Wei Dan (coordenadora), Os Países de Língua Portuguesa e a China num Mundo Globalizado, Almedina, Coimbra, 2009). Prossegue o Presidente Jorge Sampaio: “a Europa já não faz sonhar, já não é inspiradora de sonhos de segurança, de bem-estar e prosperidade, nem sequer por vezes de paz, a qual começa a surgir mais como uma interrogação do que uma certeza inabalável”.

“L’Europe est une contribution à un monde meilleur”, frase de Jean Monnet (1888-1979) que com luxemburguês Robert Schuman (1886-1963) foram os artífices da União Europeia, que se institucionaliza em 2007, com o Tratado de Lisboa. Os Estados Unidos da América (EUA) se formaram na saga imperialista europeia e, desde o século XX, construíram, com a Europa ocidental, o “Contexto OTAN”, atualmente domínio do capital financeiro.

O que trouxe o neoliberalismo além da farsa, do engodo e de uma competitividade fraudada? Nenhuma solidariedade entre as pessoas e entre os povos, menos integração, maior exclusão, a guerra, que Jorge Sampaio coloca como inevitável. E a ignorância que leva ao preconceito.

Porém, como ressaltaram o Ministro Aldo Rebelo e o professor de economia e comércio internacional na Universidade Estadual Paulista (UNESP), Luís Antonio Paulino, nenhum problema mundial, seja o aquecimento global, o desemprego mundial, as ditaduras africanas, a alta do preço do petróleo, ocorre sem que “surja logo alguém com a resposta pronta: é culpa da China”. Um evidente preconceito abrigado na visão OTAN do neoliberalismo (Aldo Rebelo e Luís Antonio Paulino, Como o Brasil vê a China, in Wei Dan (coordenadora), Os Países de Língua Portuguesa e a China num Mundo Globalizado, Almedina, Coimbra, 2009).

A perspectiva globalista neoliberal resume o mundo a estatísticas econômicas, sem a análise ampla, abrangente das características dos povos, ou seja, é resumida à perspectiva do resultado financeiro, independentemente de como foi obtido, se pelo resultado operacional ou se vendendo ativos da companhia. Isto é, o que importa é levar vantagem imediata, ainda que ilusória; típico da farsa neoliberal.

O mundo chinês ocupa área bem próxima do mundo lusófono, são 9.600 mil km² comparados aos 10.700 mil km², dos quais o Brasil representa cerca de 80%. Porém toda população que tem no português seu idioma oficial, em 2007, de acordo com a estatística do Banco Mundial (World Development Indicators database, July, 2007), somava 240 milhões de habitantes e a RPC 1.311 milhões.

Ou seja, não se pode afirmar que, diante de tal disparidade, esta soma de países seja um mercado tão desejado, haja vista sua dispersão por nove diferentes Estados, em três continentes, de contingente populacional inferior a 20% do chinês, e com o Produto Interno Bruto (PIB) 12% da RPC: US$ 1.768 bilhões e US$ 14.723 bilhões. Apenas inferior aos EUA (US$ 21,430 bilhões) e pouco menor do que aquele da União Europeia (US$ 15.193 bilhões) (tradingeconomics.com, 2020).

Em 1513, Jorge Álvares chegou à Ilha Nei Ling Ding, no estuário do rio da Pérola, sudeste da província chinesa de Guang Dong (Cantão), onde ergueu um padrão, e onde foi enterrado em 1521. Em 1515, Rafael Perestrelo chegou ao Rio da Pérola. Estes terão sido os primeiros contatos dos portugueses com a China.

Foi nestas terras da China que se estabeleceram os jesuítas, entre os quais se salientou São Francisco Xavier, e alguns outros missionários, dois dos quais assassinados em 1521, no Rio da Pérola.

Por 1553, Leonel de Sousa obtém autorização para que os portugueses se possam estabelecer em Cantão e em Macau. Macau foi depois entregue aos portugueses como recompensa do auxílio por eles prestado aos chineses contra a pirataria marítima no período de 1557 a 1564.

No Brasil, a chegada dos chineses, trazendo o cultivo do chá, é devida ao Conde de Linhares, Rodrigo de Souza Coutinho (1755-1812) que encontrou no Ouvidor Geral em Macau, Miguel de Arriaga Brum da Silveira (1776-1824), entusiasta apoiador.

Um ano após a chegada da corte portuguesa no Brasil, fugindo da invasão napoleônica, Brum da Silveira dirige ao Príncipe Regente, futuro Dom João VI, carta, em 6 de março de 1809, onde sugere a contratação de chineses e o cultivo de chá no Brasil: “sendo conhecido o quanto os chinas são ativos e industriosos” (Carlos Francisco Moura, Chineses e Chá no Brasil no início do século XIX, Instituto Internacional de Macau e Real Gabinete Português de Leitura, Porto Alto (Portugal), 2012).

Em março de 1811, o Ouvidor Geral comunica que pôs a bordo do navio Ulisses, quatro caixotes “das mesmas plantas que por agora pude encontrar, fazendo embarcar dois chinas que as devem cuidar durante a viagem e aí chegados devem cultivá-las”, também informa que ajustara o salário mensal de “quatro mil e oitocentos reais” para os chineses. Dois anos após, uma segunda leva, na mesma embarcação, é dirigida ao Rio de Janeiro, desta vez com 25 chineses.

E, depois do Rio de Janeiro, passam a enviar caixotes de chá e chineses para cultivá-los em Salvador, Bahia, e chineses para trabalhar na construção naval e, em 1819, já era necessário contratar intérpretes para a comunicação e controle do desempenho dos chineses no Brasil. Trazem estes também seus hábitos de fumar e vestimentas e formas de construção de habitações e prédios para comunidade.

Em 1824 já se registram chineses trabalhando na agricultura em São Paulo, conforme relata Frei Leandro do Sacramento (1778-1829), frade carmelita e botânico, nascido em Recife (Pernambuco).

Hoje a RPC tem significativa presença, participando de investimentos na área de energia, de comunicações e no comércio. Segundo dados do Ministério das Relações Exteriores, divulgados em 2019, entre 2003 e 2019 os chineses colocaram por aqui US$ 72 bilhões, representando 37,3% do total investido por estrangeiros.

Em 2017, a China Merchants Group pagou R$ 2,8 bilhões pelo Terminal de Contêineres do Porto de Paranaguá, o segundo maior do Brasil. E a estatal China Communications Construction Company (CCCC) está investindo R$ 2 bilhões para construir um porto no Maranhão, formando assim duas rotas de escoamento da produção agrícola brasileira, ao sul e ao norte do país. No ramo agrícola, além dos portos, os chineses são sócios majoritários com 53,4% da Belagrícola, produtora de máquinas e equipamentos paranaense com faturamento de R$2,8 bilhões.

Os países lusófonos da África tem igualmente recebido investimentos chineses e há tendência de crescimento, não só pela retração portuguesa, como pela enorme dívida contraída pelos EUA, que os obriga a cuidar de seu próprio país, como fizeram o último e o atual governos. Acresce que o estilo belicoso do governo Biden não deixa recursos para acentuar, nem talvez manter, sua presença na África de língua portuguesa, onde apenas Angola se destaca pelo petróleo, diamante e áreas agriculturáveis.

Logo existe real configuração de um estreitamento cada vez maior entre a RPC e a comunidade lusófona, até pelas decepções e incapacidade do financismo neoliberalista contribuir para melhoria da situação dos povos. Apenas a insignificante minoria dos ricos pode usufruir com a ausência do desenvolvimento industrial que puxa a tecnologia e a ciência, e, em consequência, a educação.

Presidente da China, Xi Jinping, e o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, em Pequim. (Imagem: Pool)

SÍNTESE E PERSPECTIVAS

Quando um “assessor de investimentos” assedia eventual aplicador, quase sempre repete que os ganhos ou prejuízos passados não significam sua repetição no futuro. Estaria procurando se eximir de algum insucesso? Talvez, mas, certamente, ele sabe que a roleta em que se transformou a bolsa de valores, as influências do grande capital sobre o mercado financeiro, não dão qualquer garantia sobre o que poderá acontecer.

Também as reações da sociedade, por mais eficaz que seja a doutrinação, a pedagogia adotada e os veículos de comunicação utilizados, fogem das previsões dos analistas e estudiosos das ciências sociais.

A China tem na Grande Muralha um retrato simbólico da perspectiva do povo, cercar-se para se defender das agressões, das invasões, separar-se dos outros. Ela teve sua construção iniciada no século V a.C., por Qin Shi Huang, e prosseguiu por gerações até o século XVI, quando atingiu 8.850 quilômetros, do muro principal e ramificações. Não foi, portanto, obra de um Imperador ou dinastia, mas uma vontade do povo chinês, por 2000 anos.

Sob os governos han, não houve expansão territorial ou invasões a outras terras. A China só saiu das suas muralhas durante a dominação mongol. Isto significa que não existe um imperialismo chinês, como é abundante nos europeus, no estadunidense, no “contexto OTAN”? Não se pode garantir, mas num povo que se considera autossuficiente, com identidade marcante, a probabilidade de sair colonizando outras nações e etnias é pequena.

No entanto a sociedade deste século XXI é bem diferente daquela de um século atrás, o que dirá da que inspirou Confúcio. Como se dará a colonização na era cibernética, na sociedade termonuclear, na conquista espacial?

A última dinastia foi mandchu, Qing, que significa “impura”, considerada pelos chineses ilegítima, o que explica a decadência e o apelo feito pelos dirigentes de então aos europeus, aos ingleses em especial, que aceleraram a destruição do Estado Nacional. Vem deste desmembramento a entrega aos britânicos de Hong Kong, em 1842, entre outros vários portos e baias.

A China chegou ao início do século XX destroçada e ao século XXI uma potência. Em apenas meio século houve esta enorme transformação. Mas a diretriz que levou a este estágio é a que denominam a via chinesa para o socialismo, que é incompatível com a pobreza.

Nas comemorações do centenário do Partido Comunista Chinês (PCCH), o presidente Xi Jinping, destacou a eliminação da pobreza extrema como conquista partidária. A China tornou-se “uma sociedade moderadamente próspera em todos os níveis”, proclamou Xi Jinping.

“Isto significa que alcançamos uma solução histórica para o problema da pobreza extrema na China e que avançamos, agora, com passo decidido, em direção ao objetivo do segundo centenário: fazer da China um grande país socialista e moderno em todos os níveis”, afiançou.

O avanço técnico e econômico chinês e o belicismo financeiro estadunidense estariam a sugerir nova bipolaridade, para o século XXI, como a dos Estados Unidos da América (EUA) e da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) no século XX? Não acreditamos. Havia nos EUA e na URSS o desejo expansionista. Ambos sabotaram a possibilidade de novos parceiros na cena internacional, tentada na Conferência de Bandung (1955).

Hoje estão mais consolidados outros Estados Nacionais e ideologias. As finanças não tem pátria, elas se utilizam dos Estados Nacionais para seus interesses. O islamismo não tem a pujança do Império Otomano, mais é difícil entrever uma ideologia estrangeira ou outro Estado Nacional dominando o Irã, que tem recursos para sua relativa autonomia. Igualmente a Federação Russa, a populosa Índia e, havendo movimento popular nacionalista, o Brasil pode se colocar entre estes países e ideologias, pois tem, a par de recursos naturais abundantes e suficientes para autonomia, o pensamento político autóctone do nacional trabalhismo. O mercantilismo já não será uma estratégia eficaz para a hegemonia, nem mesmo para os produtos chineses.

A crise que passamos hoje é fruto do poder financeiro. Que se apropria e financia e corrompe todos os movimentos populares para controlar os governos nacionais e dar golpes de estado, usando a experiência e recursos dos EUA, do Reino Unido e de Israel, preferencialmente.

Vimos recentemente a revolução colorida no Brasil, usando recursos, explicitamente assumidos, do megaespeculador George Soros, ações do Departamento de Justiça dos EUA, e do Estado de Israel para deposição da Presidente Dilma Rousseff.

As tecnologias da informação e da comunicação permitem aos órgãos de inteligência criar realidades falsas, fake tudo: notícias, processos judiciais, moléstias, crimes etc de modo a conduzir a população para aplaudir seu carrasco e condenar o que morre por sua causa.

Nas Américas, o princípio da hegemonia estadunidense, enunciado em 1823 como Doutrina Monroe, já não subsiste com as autonomias de Cuba, da Venezuela, da Bolívia e das lutas emancipatórias que se observam na América Central e do Sul. A China, como membro dos organismos internacionais e acordos regionais e bilaterais, vai penetrando em diversos países sempre com respeito pelas políticas e culturas locais. Mesmo os fiéis servos dos gestores de ativos não conseguem provar que esteja em curso um plano imperialista chinês, como facilmente se faz para os EUA.

Diego Guelar, embaixador da Argentina na República Popular da China (RPC), entre 2015 e 2019, afirmou:

“um chinês dos anos setenta viveu, no que é substancial, o que vivem nesse momento (2013) um argentino ou um brasileiro. Ambos tiveram que se adequar ao mundo que superou a Guerra Fria e que viram tanques enfrentando estudantes nas praças de Beijing, Santiago do Chile, Buenos Aires ou São Paulo. Nada foi nem terá sido inteiramente bom nem mau, e todos tiveram que aprender com os mesmos erros. Onde estavam nossos chefes de Estado no período entre 1966 e 1976, que corresponde à Revolução Cultural chinesa? Para onde foram? Por que caminho transitaram?” (Diego Guelar, La Invasión Silenciosa El Desembarco Chino em América del Sur, Debate, Buenos Aires, 2013, em tradução livre).

Xi Jin Ping nasceu em 1953. Em novembro de 2012 assumiu a Secretaria Geral do PCCH, a 12 de março de 2013 a Presidência da RPC. No período da Revolução Cultural (1966-1976) passava da adolescência para juventude. Seu pai, Xi Hong Um lutou como chefe guerrilheiro comunista contra o Suo Min Tang, o que lhe valeu um período na prisão. Xi Jin Ping ingressa no PCCH com 21 anos e, em 1975, começa a estudar Engenharia Química na Universidade Tsing Hua, em Pequim, considerada das duas melhores e mais seletiva universidades do país.  Em entrevista ao jornal Valor Econômico (19/03/2013) declarou: “a reforma, a abertura e a luta contra corrupção são os símbolos marcantes do dinamismo da China contemporânea e a via obrigatória pela qual se desenvolve o socialismo com características chinesas. A China já reiterou seguidamente seu compromisso solene pelo caminho do desenvolvimento pacífico e jamais buscar nem hegemonia nem expansionismo”.

Thomas Piketty, diretor de pesquisas na École des Hautes Études en Sciences Sociales, da Universidade de Paris, em texto reproduzido no Portal da AEPET (19/07/2021) assinala que “os países ocidentais ainda não conseguiram definir sua atitude em relação ao regime de Pequim. Sejamos diretos: a resposta passa pelo fim da arrogância ocidental e pela promoção de um novo horizonte emancipatório e igualitário em escala mundial – uma nova forma de socialismo democrático e participativo, ecológico e pós-colonial. Se insistirem em sua postura moralista habitual e em um modelo hipercapitalista datado, os países ocidentais correrão o risco de encontrar grandes dificuldades no enfrentamento do desafio chinês” (O desafio chinês, tradução de Daniel Pavan, para A Terra é redonda).

O “Contexto OTAN” naufraga no neoliberalismo financista. Capitais marginais, com origem no tráfico de drogas, contrabando de pessoas, armas e órgãos humanos, nas corrupções (corruptores e corrompidos), assumem cada vez maior poder nas empresas gestoras de ativos. O que significa a degradação institucional, moral, a submissão às milícias, a dissolução dos Estados Nacionais transformados em escritórios financeiros, quando não em organizações criminosas. A China, como a Federação Russa, o Irã, Cuba, países bolivarianos e socialistas, neste contexto, constituem a saída das crises e da miséria. O problema que enfrentamos hoje não é econômico, se alguma vez o foi. É político, da capacidade de compreender as diferenças e respeitá-las, de saber buscar no próprio país, na riqueza das diversidades culturais, os vários caminhos (tao): vida e conhecimento.

Mao Zedong e Deng Xiaoping. (Getty Images)

A História da China é um rico aprendizado de uma potência no medievo europeu, à colônia degradada do século XIX até as guerras do século XX, e que ressurge como nova potência tecnológica e nacionalista, no século XXI.

“Encontro-me só, no frio outono,

Enquanto olho as águas do rio Siang,

Que correm do norte.

No intenso azul do largo rio

Cem barcos lutam contra a corrente.

Abaixo do céu gélido,

As criaturas, todas, rivalizam

No desfrute da liberdade.

Nesta imensidade, profundamente absorto,

Pergunto à grande terra e

Ao infinito céu, pergunto:

Quem controla a natureza?”

(Mao Tse Tung, A Montanha Comprida)

PEDRO AUGUSTO PINHO é presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (AEPET), avô e administrador aposentado.

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