Por Ricardo Cravo Albin –
“A sabedoria é um adorno na prosperidade, e um refúgio na adversidade.” Aristóteles (384 a.C).
Sempre me impressionou a falta de cautela e sabedoria em relação a este trágico primeiro semestre de 2020 – o ano fatídico que alguns filósofos entendem como o início do século XXI.
Sigam comigo um raciocínio simples. Mas que pode propor várias deduções, especialmente para a tragicidade imposta ao Brasil. Ao início, a pandemia foi devastadora na Europa, e especialmente agônica em intensidade na Itália e Espanha. Enquanto o Velho Continente ardia nas labaredas do vírus ainda desconhecido, as Américas estavam aparentemente resguardadas. E, o pior, iludidas pelos presidentes dos seus dois maiores países, Brasil (“acalmem-se, isso não passa de uma gripezinha”) e Estados Unidos (“ tenho aqui o melhor antídoto para esta bobagem, a cloroquina, que já tomo até por precaução”).
Em menos de cinco meses a contaminação pelo vírus abrange muitos milhões de pessoas e quase duzentos mil óbitos em ambos os países. Vítimas, por certo, da prepotência, falta de cautela e sabedoria de ambos os presidentes das duas grandes nações. Deu no que deu.
Enquanto isso nossos dois países gigantes, metidos até a cabeça em olímpica desordem, até ameaçaram sair da OMS.
A crise de gestão por aqui, como sabemos, agravou-se com a nomeação de três Ministros da Saúde em um mês, o último dos quais a tal ponto criticado que alimentou incômoda polêmica com o Ministro Gilmar Mendes, ao acusar o Ministro da Saúde e o Presidente de genocídio – um exagero provocador de crise institucional. Mas as coincidências entre os dois presidentes não pararam pelo desdém às infecções, colocando os países na liderança mundial de vítimas. Ah, bom, ainda resta realçar a teimosia e o péssimo exemplo público de ambos ao se recusarem a usar máscaras e manter distancia presencial. Sem surpresa, o nosso Chefe de Estado contraiu a moléstia, ou seja, outra aflição para nação traumatizada e em confinamento. De mais a mais, possivelmente o fato de Bolsonaro se recusar por meses a usar máscara provocou há dias um grave acidente na cidadania. Um Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, quando multado em Santos pela ausência de máscara por um guarda civil, empunhou carteirada, ofendeu o guarda e ainda rasgou acintosamente a multa. Como não atribuir essa falta de cidadania ao mau exemplo que veio de cima por meses a fio?
Agora, enquanto parece que a pandemia começa a ser debelada em alguns estados, já que os leitos se esvaziam nos hospitais, outras inquietações sacodem as consciências.
Como já clamei neste espaço, o desconfinamento – a cargo de prefeitos e governadores nos Estados Unidos e no Brasil, o que, aliás, serve de desculpa para a inação dos dois presidentes – está sendo administrado por prefeitos despreparados, toscos e expostos a uma fatalidade: as eleições do final do ano. Por votos, como sabemos, os maus políticos são capazes de cortar os pulsos. Portanto, pensam eles, como não liberar os cidadãos para os prazeres de abrir tudo o que está confinado?
A pressão passa ao grau de irresistível. Até mesmo pela segunda tragédia que cai sobre a cabeça atordoada do país, a destruição da economia, o desemprego para os mais necessitados, 60% da população.
A última notícia que me acabrunha é a conclusão científica anunciada na Coréia do Sul de que crianças acima de 10 anos podem, sim, contrair o vírus e transmiti-los em cadeia. Resultado imediato: a Associação de Professores da Flórida (o estado mais atingido na América) fez Assembleia para processar, eu disse processar criminalmente, o Governador do Estado, o Prefeito de Miami e a Autoridade Educacional, que anunciaram dias antes abertura das escolas públicas ao começo de agosto. Como, perguntam indignados, expor à infecção toda uma rede de ensino – 4 milhões de estudantes e milhares de funcionários – com dez mil novas vítimas por dia? Argumentam as autoridades educacionais da Flórida que essa exposição ao vírus é inconstitucional e criminosa.
Enquanto nós navegamos às cegas pela falta de testes em massa, o Prefeito do Rio anuncia o inimaginável, a abertura das escolas em agosto.
Boa hora para invocar Deus, na frase em que o filósofo Bertrand Russel sentenciou: “Deus, me proteja do inimigo que me ataca, e mais ainda do inimigo que me abraça.”
O cientista Eduardo Massada, professor de Matemática Aplicada da Fundação Getúlio Vargas afirmou ao Globo que se houver retorno precipitado às aulas, as mortes das crianças no país poderão saltar de trezentas para dezessete mil até o fim de dezembro. Em estimativa modesta, conclui o cientista.
Uma coisa me parece certa: os votos nas eleições próximas (se essas existirem mesmo) não pingarão nos nomes dos que desprezaram cautela máxima ante a peste. E serão cobrados pelos óbitos que infelicitaram 80 mil famílias.
Que viver, verá!
RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin, Colunista e Membro do Conselho Editorial do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
MAZOLA
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