Redação –
O barulho em torno da visita de Elon Musk ao Brasil tem tudo para acabar sendo só isso mesmo – barulho. Para fazer um programa com o alcance e a ambição do que o bilionário sul-africano veio propagandear em São Paulo, seria necessário uma licitação, o que não é permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal a esta altura do ano eleitoral.
Pela legislação, a partir de maio, os presidentes ficam impossibilitados de contrair dívidas que não possam ser cumpridas no seu mandato. Bolsonaro, portanto, só poderá fazer negócio com Elon Musk se ganhar a reeleição em outubro.
VIA SATÉLITE – Mas há um outro detalhe importante: o programa que Musk veio vender ao governo brasileiro nesta sexta-feira já existe desde 2018, custou mais de R$ 700 milhões de reais e foi implementado por meio de um acordo da Telebras com o maior concorrente de Musk nos Estados Unidos – a Viasat Telecomunicações, do igualmente bilionário Mark Dankberg.
Por esse acerto, a Viasat utiliza 58% da capacidade do satélite SGDC-1 e a Telebras, 42%. Os R$ 700 milhões foram o que o governo pagou para a instalação dos equipamentos e colocá-los em operação.
Chamado inicialmente de Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão (Gesac) e rebatizado por Jair Bolsonaro de Wi-Fi Brasil, ele usa um satélite que custou R$ 3 bilhões ao governo brasileiro para conectar 10 mil escolas das regiões Norte e Nordeste à internet.
PROPOSTA INÚTIL – Segundo o balanço fornecido pelo próprio programa, 91% dessas escolas estão na zona rural. E todas as escolas do Acre, do Amapá, de Amazonas e de Roraima já estão atendidas.
Além disso, o monitoramento da Amazônia que Musk disse ser possível fazer pela sua empresa de satélite, a Starlink, ainda não está disponível.
Segundo o mapa de cobertura que o próprio site exibe na abertura, uma parte relevante da região só passará a ser coberta pelo satélite no ano que vem. E o tipo de imagem que o satélite da Starlink fornece não é específico para acompanhamento e monitoramento científico, porque o propósito do satélite é fazer banda larga e não captar imagens.
DEFICIÊNCIAS – Para fazer isso, os satélites da SpaceX precisariam de sensoriamento remoto, função já exercida pelos equipamentos do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
É por meio desses equipamentos que o instituto emite alertas diários de desmatamento na Amazônia (sistema Deter), para auxiliar equipes do Ibama, e calcula a taxa de desmatamento anual com satélites de maior resolução (sistema Prodes). Em 2020, O GLOBO revelou que o Ministério da Defesa também tentou adquirir satélites privados ao custo de R$ 145 milhões, mas a compra foi cancelada.
Segundo o jornalista especializado em telecomunicações Samuel Possebom, que dirige o site Teletime, há ainda outros dois programas que cumprem funções semelhantes às que Elon Musk diz que a Starlink poderia exercer no Brasil.
MUSK SE ENGANOU – Um dos programas é o Norte conectado, que prevê investimentos de cerca de R$ 2 bilhões de reais para instalar uma rede de 12 mil quilômetros de fibra óptica na região, incluindo escolas.
Outro projeto que também visa ampliar o acesso à internet em escolas, incluindo a Amazônia, está sendo coordenado pelo conselheiro da Anatel Vicente Aquino, com R$ 3 bilhões arrecadados no leilão de 5G para conectar escolas, com qualquer tecnologia.
Dada a quantidade de dinheiro já empregada em iniciativas que já existem ou ainda nem foram implementadas, talvez o melhor para os cofres públicos seja mesmo que visita de Elon Musk não passe de uma bela oportunidade para fotos e discursos, nada mais. Pelo menos, é mais barato.
Fonte: O Globo
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