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Brasil de Lula e a Democracia Substantiva – por Lincoln Penna
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Brasil de Lula e a Democracia Substantiva – por Lincoln Penna

Por Lincoln Penna

O maior desafio ao capitalismo seria a extensão da democracia além de seus atuais limites extremamente reduzidos.
(Ellen M. Wood).

Valho-me do conceito de democracia substantiva da historiadora norte-americana acima citada para refletir sobre o primeiro ano do terceiro governo Lula. E o faço por dois motivos ou motivações. O primeiro porque tem havido uma profusão de críticas à maneira do presidente conduzir um governo de coalisão, que se tornou necessário para o enfrentamento da ameaça continuísta do então presidente Bolsonaro no comando das rédeas governamentais. Essa ampla frente tornou possível a sua eleição e tem permitido uma governança nos limites do possível, o que é muito pouco para os que desejam mudanças mais robustas.

A segunda motivação para tratar dessa questão a incomodar uma boa parte do eleitorado que votou em Lula é a que se refere a prevalência da democracia, que uma vez assegurada diante dos intentos golpistas ainda carece daquela substância a que se refere Ellen Wood. Sobretudo quando ela define melhor o seu sentido, o que ela denomina de democracia substantiva como sendo aquela em que o governo é exercido diretamente pelo povo ou pelo poder popular. Essa assertiva requer meios práticos para a sua consecução, tal como a organização das classes subalternas visando exercer um papel preponderante nas decisões dos poderes da República.

Em ambas as motivações a concretude dessas demandas implicam em um processo de democratização da sociedade livrando-a da lógica perversa da ideologia do capital, sem a qual a participação do povo não acontece. E essa democratização envolve o fortalecimento de vários mecanismos capazes de elevar a consciência das massas submetidas aos discursos de naturalização das desigualdades e diferenças das mais variadas formas.

Esses mecanismos passam pelo vetor da educação pública, inclusiva e permanentemente qualificada e voltada também para a formação de cidadania; pela mídia até aqui sob o absoluto controle dos poderosos grupos econômicos e financeiros; e pela reinserção do protagonismo das entidades sindicais e representativas das diversas categorias sociais.

Desse modo, há uma gigantesca tarefa, que não exclui os formadores de opinião, para construir as bases elementares de um suporte que garanta as iniciativas propositivas do poder executivo, sem o qual a crítica ao atual governo Lula em seu novo primeiro ano de governança, centrado ainda na reconstrução do espólio deixado pelo governo Bolsonaro, pouco contribui.

Críticas devem ser sempre exercidas desde que bem fundamentadas e em consonância com as circunstâncias enfrentadas por um governo que logrou barrar uma aventura fascista, que por sinal não esmoreceu em seu intento. Todavia, é preciso que se mantenha o acautelamento indispensável para dar a base de apoio ao trabalho político de isolamento dessas ameaças que não foram extirpadas. Para isso, os que exigem mudanças ministeriais para dar mais vigor à agenda programática e para isso desejam a remoção de quadros de correntes não necessariamente filiadas aos objetivos programáticos originais e de se ampliar os espaços de uma democracia social para valer, acabam por fragilizar a batalha em defesa da democracia que temos, mesmo ainda extremamente reduzida.

Logo, a questão democrática não se reduz a adjetivações, pois o que importa é a sua substância.

Tratá-la como se cada classe hospedasse uma democracia e a fizesse imperar sobre as demais é uma das expressões do sectarismo político, que dá margem ao uso instrumental e não à sua essência. Ou a democracia é para todos e em seu seio ela deve ser praticada de modo a não excluir ninguém, ou ela acaba sendo apenas um argumento de autoridade. É na democracia que se constrói o poder respaldado pelo povo. O recurso à violência deve ser a exceção, não a regra.

Aos que lançam mão do conceito de luta de classes para se oporem a essa democracia substantiva por julgá-la insuficiente para operar as transformações é oportuno que se diga que esses embates ocorrem não apenas pela oposição entre os detentores dos meios de produção e os vendedores da força de trabalho, ou seja na esfera do mundo do trabalho, mas também e fundamentalmente no tereno das ideias a resultarem em opções rumo a demandas dos interesses sociais.

Ancorar a democracia na ideologia ou no campo das utopias é empobrecê-la demasiadamente. A civilização construiu historicamente a democracia, ela ainda apresenta em seus diversos modelos de regência política uma série de limitações. É preciso libertá-la para que sua vigência venha a ser permanente, uma vez que não basta ser universal temporariamente, mas que seja o farol com vistas às novas conquistas do ser humano em todas as esferas. É na democracia expandida que se tornam transparentes os investimentos públicos nas pesquisas de ponta das sociedades nacionais em busca de alcançarem os seus objetivos estratégicos.

Para os próximos três anos do atual mandato do presidente Lula urge que as forças sociais de origem popular se mantenham firmes na sustentação de sua presidência. E que ao fim e ao cabo de seu governo seja possível se pensar em avanços mais significativos, já que esse mandato que se encontra em curso tem a missão histórica de promover a transição de uma democracia limitada à uma democracia mais expandida, mirando no futuro próximo os avanços mais agudos na direção da democracia substantiva, aquela que também atende pelo nome de democracia social.

Essa transição passa por um movimento ainda maior, que consiste na crescente rejeição e futura remoção do modo de produção capitalista, responsável pelas desigualdades sociais e em suas sucessivas crises a espalhar a miséria e a permanente exclusão social em meio à acumulação desenfreada de rentistas mundo afora.

Por último, crítico que sou da conciliação como prática que tem sido usual na política brasileira e parte de nossa cultura política, devo esclarecer que existem duas aplicações desse conceito. O de concessões com vistas a angariar apoios em troca de vantagens, prática geralmente utilizada por grande número de nossa “classe” política; e, aquela conciliação que tem por objetivo agregar quadros políticos ou forças sociais a partir da construção de um consenso mínimo, que garantam avanços ainda que pequenos. Chamem-na essa última também de composição, o que vale é que essas iniciativas fazem parte da ação política.

O importante, no entanto, é que a par desses acordos táticos se mantenha uma mobilização popular que sustente as tratativas ocasionais que se façam pelo alto, enquanto elas forem necessárias. Afinal, é esse poder popular que tem a tarefa histórica de alcançar a democracia substantiva e irradiá-la é vital para a formação de um novo mundo, que harmonize o bem-estar da humanidade e a preservação dos bens naturais que têm sido afetados pela ganância capitalista.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON);  Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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