Redação –
De Aécio Neves a Ciro Gomes e Michel Temer, a Odebrecht fez um périplo por políticos de diferentes correntes enquanto tentava emplacar junto ao governo federal a tese da necessidade de barrar a Lava Jato, em seu primeiro ano de operação. Emails e depoimentos da Odebrecht anexados a uma das mais recentes operações relatam a apreensão de Marcelo Odebrecht e seus auxiliares com o andamento da força-tarefa em 2014 e 2015 e a articulação com nomes influentes em Brasília.
Os bastidores revelados são de antes da prisão da cúpula da empresa, em junho de 2015, e do acordo de colaboração que revelou o pagamento de propina em 12 países, firmado no final de 2016. “Caixa de Pandora”, “Apocalipse” e “morte anunciada” são algumas das expressões usadas por Marcelo na época em que considerava inevitável a chegada da investigação à sua empresa e seus efeitos sobre a política.
CERCO – O maior objetivo dessas conversas, apontam os emails, era mostrar à então presidente Dilma Rousseff (PT) que seu governo estava fadado a cair se não houvesse reação contra a investigação. Os principais aliados da petista então são cercados por Marcelo em recorrentes reuniões e contatos. Diante do que considerava uma inoperância do governo, o herdeiro do conglomerado empresarial chama a petista em várias ocasiões de “autista”. “Não haverá impeachment, teremos em breve ela saindo algemada do Planalto!”, escreveu Marcelo, em 2015.
Outros contatos, mostram emails, também não vingaram. O ex-ministro Ciro Gomes, procurado por um emissário da empresa no fim de 2014, enviou recado no qual disse que “não entrará no assunto”, segundo um executivo. “Outro altista [sic]”, reagiu Marcelo.
A série de emails sobre os temores da Odebrecht começa antes de uma das mais ruidosas fases da Lava Jato, em novembro de 2014. A sétima fase, naquele mês, prendeu chefes de grandes empreiteiras, operadores financeiros e um ex-diretor da Petrobras.
MEMORIAL – Naquele momento, a Odebrecht não foi alvo. Dias antes, Marcelo disse em mensagem que havia deixado um memorial com “GA”, que, para a polícia, é Giles Azevedo, um dos principais assessores de Dilma, criticando a resposta oficial às investigações.
Entre as reclamações listadas, estão a “falta de atuação do STF com relação às alegações de usurpação de competência e foro” e “falta de controle sobre o tema”, por serem “15 autoridades” com poder de decisão sobre o caso.
A Odebrecht viu uma chance de enquadrar a Lava Jato quando houve a divulgação, em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, de conversas de delegados da operação em grupo fechado com críticas e ironias ao PT.
“NA MÃO” – O ex-diretor jurídico da empresa Maurício Ferro disse que o então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, “teve na mão dele a chance de abortar a operação”, com a possibilidade de determinar o afastamento dos policiais. E lamentou que a repercussão do episódio foi apenas uma “investigação administrativa”.
Durante a crise, as conversas sobre o assunto na Odebrecht foram impactadas pela morte do advogado Márcio Thomaz Bastos, em 2014. Ex-ministro de Lula, era tido como um interlocutor com o governo e eventual coordenador de uma estratégia de reação das empresas afetadas.
Sem respostas concretas, Marcelo decide solicitar audiência com a própria Dilma. “Não pediria este encontro caso não houvesse real necessidade quanto a atualizá-la e buscar uma orientação. Já procurei estar com todas as pessoas possíveis antes de recorrer a ela, mas ficaram algumas pendências.”
QUADRO CRÍTICO– Não conseguiu a reunião. Os humores do entorno da petista eram monitorados. O então chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, dizem as mensagens, “entendeu a gravidade”, enquanto o ex-tesoureiro da campanha de Dilma Edinho Silva se mostrava “muito preocupado”.
Marcelo, porém, dizia ter medo de que Dilma achasse que a empreiteira estava “falando com gente demais” sobre o assunto. Hipóteses se disseminavam. Alexandrino de Alencar, executivo da empreiteira, especulava nas mensagens que Dilma estaria dando autonomia à operação para desgastar Lula e ter mais liberdade em seu segundo mandato. “Ela acredita que chega nele e não nela”, escreveu. Elo da Odebrecht com Lula, Alexandrino é orientado a estreitar contatos com auxiliares mais próximos do ex-presidente.
Outro canal para sensibilizar a cúpula palaciana seria Michel Temer (MDB), à época recém reeleito vice-presidente na chapa de Dilma e que também é mencionado nas trocas de emails. “Vc precisa preocupar seu amigo MT, para ele preocupar a amiga”, diz Marcelo a Cláudio Melo Filho, que foi lobista da empreiteira no Congresso.
“VIA CHINÊS” -O próprio empreiteiro diz ter se reunido com Temer, mas não detalha nesse material o resultado das conversas. Em uma das mensagens, em dezembro de 2014, diz ter comentado com o então vice sobre pagamentos “via chinês”, sem especificar do que se tratava. Também no fim de 2014, Maurício Ferro menciona ideia de recorrer a “Lew no plantão” — tentativa de conseguir a liberação dos presos de outras empreiteiras com o então presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, durante o recesso do Judiciário. Isso também não ocorreu.
A situação se agravou para as empreiteiras com restrições ao financiamento de construtoras por bancos públicos. Notícias sobre novos acordos de colaboração de presos geravam expectativas sobre mais etapas da Lava Jato. “A PR [presidente], ex e todo o PT à esta altura já deveriam estar pedindo asilo em Cuba”, resumiu Marcelo.
DOSSIÊ – Alertas também foram enviados pela Odebrecht ao bloco oposicionista, à época liderado por Aécio Neves, tucano que acabara de perder a eleição presidencial. As mensagens mostram que um outro dossiê foi entregue pela empresa ao tucano, em 2015, com críticas à reação de Dilma ao escândalo na Petrobras.
Segundo esse relatório, o governo tentava reforçar a narrativa de que as empresas, por meio de um cartel, eram responsáveis pelos desvios, o que isentaria do esquema o núcleo político e seus beneficiários.
CAIXA 2 – Em depoimento já como delator, Marcelo diz ter feito um apelo de maneira ainda mais clara ao então presidente do PSDB. “Várias vezes falei para Aécio do risco da Lava Jato. Aécio sabia que a gente tinha dado muita contribuição de caixa dois para ele. Falei: ‘As mesmas contas que se pagou a João Santana [marqueteiro do PT], se pagou também o caixa dois de sua campanha’. Entendeu?”
Para Marcelo, existia um sentimento comum entre os políticos de que o risco Lava Jato não lhes dizia respeito e que iriam se safar. “Todo mundo achava que esse assunto era de outro, entendeu? Na verdade, era um assunto que era comum a todo mundo.”
Em fevereiro de 2015, o empreiteiro esboçou em uma mensagem a subordinados uma esperança de reação: soltar executivos de outras companhias, o que evitaria mais delações, e levar as investigações e processos “aos poucos para longe de Curitiba”. Para isso, disse, o ministro Cardozo precisaria ouvir a empresa quanto a “ações necessárias”.
NÃO FUNCIONOU – O ex-presidente da maior empreiteira do país foi detido em junho de 2015, junto com outros quatro executivos, por ordem do então juiz Sergio Moro. Após meses de uma estratégia de confronto, a Odebrecht aceitou abrir negociações para um acordo coletivo de colaboração em 2016, forçada por confissões de uma secretária de seu departamento de propinas. Dilma foi afastada do poder em maio daquele ano.
Em dezembro de 2016, o grupo firmou compromisso de colaboração. Marcelo só deixou a cadeia após um ano. Na última semana, obteve autorização para visitar os escritórios da empresa pela primeira vez desde a prisão. Até agora não foram apresentadas acusações formais contra políticos sobre a suposta atuação a favor da Odebrecht para barrar a Lava Jato.
Até o momento não foram apresentadas acusações formais contra políticos sobre a suposta atuação a favor da Odebrecht para barrar a Lava Jato. O relatório da PF não atribui, neste momento, condutas de obstrução de Justiça a esses políticos. (fonte: Folha, por Felipe Bächtold)
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