Por Sebastião Nery –
O carrão preto, com motorista de libré, parava na porta da embaixada do Brasil em Roma, na mítica Piazza Navona. Descia um senhor baixo, 80 anos, terno escuro, colete cinza, camisa branca e gravata preta, bigodes à francesa e brilhantina no cabelo, um dos homens mais poderosos da Itália. Conde do Papa, ia buscar-me quando eu era adido cultural, para almoçar.
Íamos aos mais discretos e refinados restaurantes de Roma, com os melhores vinhos da Itália. Às vezes, o almoço foi no palacete dele, na Via Archimede, no alto do Gianícolo, ou, em um domingo de sol, na sua casa na serra, em Grottaferrata. Simpático, Umberto Ortolani era uma figura ambígua, misteriosa. Mal falava, só perguntava. A cada duas frases, uma pergunta.
QUERIA O BRASIL – Dele sabia que era conde da Santa Sé, “Gentiluomo di Sua Santitá”, banqueiro do Vaticano. Eu o tinha conhecido em uma exposição no Masp, em São Paulo, apresentado pelo jornalista José Nêumanne, do “Estado de S. Paulo”
O que ele queria de mim? Queria o Brasil. Queria que eu convencesse o embaixador Carlos Alberto Leite Barbosa a convencer o Itamaraty a lhe entregar um novo passaporte, pois tinha cidadania brasileira dada pela ditadura militar, e os dois que tinha, o italiano e o brasileiro, o governo italiano tomara ao descer em Roma, depois de vários anos asilado no Brasil.
Impossível. Quem tomou o passaporte foi o governo italiano. O Brasil nada tinha a fazer. Logo de começo lhe comuniquei a opinião do embaixador e do Itamaraty. Mas ele acreditava que, insistindo, talvez conseguisse, sobretudo depois daqueles irresistíveis Brunellos di Montalcino. Queria fugir de novo.
EM CIMA DA BULGARI – Levou-me a seu histórico escritório na Via Candotti, 9, sobre a bela loja Bulgari: “Desta sala saíram sete primeiros-ministros, Andreotti, Craxi, todos”.
O conde Ortolani é uma historia exemplar do satânico poder dos banqueiros, mesmo quando, como ele, um banqueiro do Papa, vice-presidente do Banco Ambrosiano, do Vaticano. Um livro imperdível, “Poteri Forti” (“Fortes Poderes, o Escândalo do Banco Ambrosiano”, Editora Futuro Passato), do jornalista Ferruccio Pinotti, abriu as entranhas do poder de corrupção do sistema financeiro, de braços dados com governos, partidos, empresários, máfia, maçonaria, cardeais, grupos religiosos, Opus Dei, etc.
1 – Em junho de 1982, foi encontrado estrangulado em Londres, embaixo da Blackfriars Bridge, a “Ponte dos Irmãos Negros”, o banqueiro italiano Roberto Calvi, presidente do Banco Ambrosiano, que acabava de quebrar e tinha como vice-presidente o cardeal Marcinkus e diretores o conde Ortolani e o chefe da P2 italiana (maçonaria), Licio Gelli.
2 – Gelli foi logo apontado como “mandante”. Nos dias seguintes, na Itália e na Inglaterra, apareceram assassinados vários outros ligados a Calvi (não é só na Santo André do PT paulista que testemunhas de crimes morrem em serie). E no meio da confusão, Ortolani, um dos cavaleiros do Apocalipse.
3 – Ortolani começou trabalhando com Bill Mazocco, agente da CIA na Itália depois da guerra, que “controlava a política e os sindicatos italianos”. Logo Ortolani criou uma Agencia de Imprensa, tornou-se um “traço de união” entre o Vaticano e a Maçonaria e diretor do poderoso “Corriere de la Sera”.
4 – Entrou para o Ambrosiano, um pequeno banco de padres que, tendo atrás o IOR (Instituto para as Obras da Religião), o banco oficial do Vaticano, dirigido pelo cardeal americano Marcinkus, logo fica poderoso e se instala em toda a América Latina: México, Nicarágua, Panamá, Venezuela, Brasil, Chile, Argentina, Uruguai, de braços dados com as ditaduras civis e militares: Perón e o chefe de seu Esquadrão da Morte Lopes Rega e generais sulamericanos.
5 – Tornou-se intimo dos mais poderosos cardeais. Quando João XXIII morreu, ele reuniu em sua casa de campo, lá na bela Grotaferrata onde almocei, um punhado de cardeais com o cardeal Montini, que dali saiu candidato e virou Papa Paulo VI, que depois o fez conde da Santa Sé.
6 – Ortolani também criou no Uruguai seu banco: o Bafisud (Banco Financeiro Sul Americano) e se instalou em São Paulo, onde se ligou aos governos militares, ficou intimo dos Mesquita do “Estadão”, continuou atuando junto à CIA e ganhou cidadania brasileira, com passaporte e tudo.
7 – Estourado o Ambrosiano, assassinado o presidente Calvi, preso o Gelli da P2 e o cardeal Marcinkus fugido nos Estados Unidos, a Itália pediu ao Brasil a extradição de Ortolani, mas, em 25 de setembro de 84, o Supremo Tribunal negou. Tempos depois, voltou à Itália para defender-se.
8 – A “Operação Mãos Limpas” apertou o cerco, ele decidiu sair mas era tarde. Não tinha os passaportes. Em abril de 1992, Ortolani foi condenado a 19 anos, Gelli a 18 e outros 20 envolvidos pegaram de 5 a 15 anos. Em 1998, o Tribunal diminuiu as penas. Em 17 de janeiro de 2002, aos 90 anos, morreu em Roma meu amigo conde.
MAZOLA
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