Por José Carlos de Assis

 As plataformas de redes sociais – facebook, instagram, mensagens, whatsapps – não têm nenhuma culpa pelo apagão de segunda feira que atingiu mais de 2 bilhões de usuários no mundo, por mais de seis horas.

O verdadeiro culpado foi a sobrecarga nos sistemas virtuais de comunicação provocada pela intensa negociação de criptomoedas num dia de uso intenso das redes em função das crises financeiras oriundas da Ásia, com a proibição chinesa de uso de moedas virtuais em seu território.

O fato coincidiu com a percepção no Ocidente de que a China pode limitar sua decisão de salvar apenas a parte real chinesa de sua mega-empresa Evergrande, deixando a parte especulativa sangrar junto com o resto do sistema financeiro ocidental. Nesse caso, não será possível a reconciliação entre a órbita financeira do sistema capitalista mundial e a órbita real sem uma drástica pulverização de ativos financeiros, numa escala jamais vista e experimentada em qualquer tempo.

É preciso acentuar que não foi exclusivamente por razões morais que a China proibiu a negociação de criptomoedas em seu território. O país, como grande parte do mundo, vive uma grave crise energética, devida ao alto consumo de sua economia em rápido crescimento. Os megacomputadores indispensáveis para as negociações com moedas virtuais são verdadeiros vampiros energéticos. Cada sistema responde pelo consumo de uma cidade inteira. Daí a sobrecarga.

O stress foi intenso na segunda feira. Já vinha se acumulando desde que, no Brasil, a prisão pela Polícia Federal de um vigarista que operava marginalmente ao sistema bitcoin, conhecido como Faraó, veio acompanhada pelo anúncio pela Justiça do bloqueio de R$ 38 bilhões registrados em seu poder. Isso desencadeou uma cadeia de defaults que  teria proporções gigantescas, sobretudo na medida em que esse fato coincidia com notícias financeiras negativas de outras partes do mundo.

Nos Estados Unidos, a percepção do mercado financeiro oscilava em torno de expectativas contraditórias sobre as medidas que o FED, o banco central do país, deveria adotar em relação  à taxa de juros. Com um projeto em andamento no Congresso injetando trilhões de dólares na economia, ao governo Biden interessa sobretudo baixar a taxa de juros e expandir a moeda. Os que temem o efeito inflacionário disso pensam o oposto. Entre eles, uma maioria expressiva aguarda os eventos da Ásia.

Não havia ambiente pior para o apagão de comunicações de segunda feira. Pode ser o sinal definitivo para todo o sistema financeiro europeu, para onde fluíram as operações com moedas virtuais, vir a literalmente ruir a partir do fim desta semana. Junto ele arrastará os paraísos fiscais, abalados pela exposição de operações suspeitas de personalidades de várias partes do planeta feita pelo Consórcio de Jornalistas Investigativos e publicada amplamente no mundo.

Se não bastasse, na reunião com líderes religiosos de todo o planeta, o Papa Francisco fez apelo dramático para ação rápida contra as ações humanas que levam aos desastres climáticos. Antes, já em 2011, o Vaticano pediu uma reforma urgente do sistema financeiro e a criação de uma autoridade pública mundial que tenha poder e competência universal e se atenha “aos princípios de auxílio e solidariedade”. Assim, tudo indica que estamos à beira de uma mudança histórica de paradigmas nessa área.

O apagão terá consequências. As audiências no Senado norte-americano que estão fragilizando as bases morais do Facebook e seus associados são apenas a ponta do iceberg. O sistema não tem apenas falhas morais. Está exposto também a falhas técnicas de proporções gigantescas, tendo em vista a extensão na qual os monopólios da comunicação cibernética estão dominando o mundo.

Como disse a depoente na comissão, há tempo de voltar a um sistema mais simples.

JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política; Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964; Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro; Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.


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