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AS SELEÇÕES DO GÊNERO MASCULINO E FEMININO: PRINCIPAIS E DE NOVOS DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA – por Wander Lourenço
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AS SELEÇÕES DO GÊNERO MASCULINO E FEMININO: PRINCIPAIS E DE NOVOS DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA – por Wander Lourenço

Por Wander Lourenço

I

Às vésperas da virada do ano de 2024, o respeitabilíssimo compositor, cantor e pianista Francis Hime, ao ler um registro antigo deste cronista sobre os principais letristas do cancioneiro popular, questionou-me sobre a sentida ausência do jovem artista Thiago Amud, sem sombra de dúvida um dos mais talentosos da jovem safra de compositores brasileiros.

Confesso que a cobrança pública desafiou-me a imaginar qual seria escalação ideal das Seleções da MPB de todos os tempos, sem que se cometesse falha de memória ou mesmo injustiça com um ou outro poeta da música, intérprete ou instrumentista. Após revisão criteriosa sobre a produção contemporânea, expliquei ao mestre Francis Hime que o pós-tropicalista Thiago Amud seria convocado, sim; mas para a Seleção Brasileira de Novos, assim como outras promessas da nova geração de artífices nacionais. Como fui orientado pela Confederação Brasileira de Música Popular (CBMP), presidida pelo musicólogo Ricardo Cravo Albin, a anunciar a convocação através de uma espécie de entrevista coletiva, através de pronunciamento em rede nacional, para divulgação dos combinados masculino e feminino, principal e de novos, nas mídias local e estrangeira, eis os escolhidos por mim nesta pátria de chuteiras e microfones. Informo aos leitores e leitoras desta nação cordial e hospitaleira que, por puro gesto de cavalheirismo, eu iniciarei a convocação pela equipe principal feminina, de modo que as divas da canção possam vir a se apresentar em tempo hábil, para o período de treinamento vocal e instrumental na Granja Comary, em Teresópolis, Região Serrana do Rio de Janeiro.

O editor Daniel Mazola e o colunista Ricardo Cravo Albin reunidos no Instituto Cultural Cravo Albin, bairro da Urca, Rio de Janeiro. (Iluska Lopes/Tribuna da Imprensa Livre)

No gol da Seleção brasílica, a inigualável Ângela Maria, a Sapoti, titular absoluta do Esquadrão, mui decantada por sua firmeza de timbres fonéticos em malabarismos silábicos, que se propõem a enfrentar notas musicais adversárias, com segurança e personalidade.

Para as outras duas suplentes restantes da posição, a comissão técnica decidiu-se pela arqueira reserva Dona Ivone Lara, sobretudo por seu histórico de primeira mulher a ingressar na ala dos compositores de uma escola de samba. Para terceira vaga, optou-se pela sobriedade rítmica de Baby (ex-Consuelo, a niteroiense mais Nova Baiana) do Brasil, que batia um bolão na pelada híbrida ao lado do guitarrista goleador Pepeu Gomes, do carismático vocalista Paulinho Boca de Cantor, do menestrel apocalíptico Galvão e do lunático cordelista do samba-rock meu irmão, Moraes Moreira, no Sítio do Vovô, situado no longínquo arrabalde de Jacarepaguá, hoje, Vargem Grande.

Na lateral-direita, a versátil e moderna Dolores Duran assumiu a posição com rara dignidade autoral; e, apesar do pouco fôlego em sopro de vida, consolidou-se por sua destreza ao compor a obra-prima “Noite do meu bem”. Se tal façanha ainda fosse pouco para comprovação de sua titularidade, a ousada senhorita Adélia da Silva Rocha ainda se apropriou de uma melodia do consagrado maestro Tom Jobim que seria de Vinícius de Moraes, para fazer um gol antológico da composição, intitulado “Por causa de você”, no glamoroso Maracanã da Bossa Nova, o Beco das Garrafas: “Ah, você está vendo só do jeito que eu fiquei / E que tudo ficou […] A nossa casa, querido, já estava acostumada / Aguardando você.” Quiçá seja de bom alvitre acrescentar que a doce Duran superou, por pouca margem de superação, a melancólica Dalva de Oliveira que, com a sua voz pequena em vulto gigante de interpretação, lavava a roupa suja da separação com Herivelto Martins publicamente, perdendo o foco na acirrada disputa pelo lado direito defensivo da Seleção Brasileira feminina de artes e ofícios musicais.

Na zaga central, a raçuda Clementina de Jesus, a Xerife de Valença, garantiu a sua vaga com talento nato e gutural, provindo do futebol-arte da várzea de roça, após ter sido descoberta, ainda que tardiamente, pelo olheiro Hermínio Bello de Carvalho, numa taberna da Glória. A partir daí, a beque interiorana estourou nacionalmente, assegurando por direito a titularidade. A sua substituta será a defensora maranhense Alcione, a Marrom, que até poderia ter ficado de fora da convocatória, por causa discriminação de gênero (bregopagode), não fosse a sua bonita história ostentada pelos palcos/gramados do espetáculo. Na quarta zaga, a maestrina Chiquinha Gonzaga que, por seu pioneirismo indiscutível, por mérito de sua grandiosidade melódica, assumiu a braçadeira de capitã da equipe, em função da experiência adquirida nos salões, terreiros e batucadas do Rio antigo. A sua extraordinária capacidade de liderança em muito contribuiu para que a exímia pianista fosse responsável pela mais longeva marchinha de Carnaval guardada de memória (“Ó abre alas, que eu quero passar, / Eu sou da Lira, não posso negar…”) se firmasse como titular absoluta da posição. Com original repertório, a capita Gonzaga não dera espaço a sua sucessora musical, Cássia Eller, zagueira audaciosa que, vez ou outra, com extrema coragem, botava os peitos de fora com vigor exacerbado, forçando a sua expulsão por ato de indisciplina. Para composição da defesa, a magnífica Elza Soares, que as más e ferinas línguas diziam que a Mulher do Fim do Mundo só ganhou a vaga de titular por ser a única lateral-esquerda do planeta a levar vantagem na marcação sobre o chapliniano Mané Garrincha. Nesta toada, a perseverante e eterna Elza sustentou como suplente a assaz habilidosa Rosinha de Valença, ala-instrumentista de refinada classe e categoria que, com invejável disciplina tática, assegurou com tranquilidade a suplência da Sarah Vaughan do Império Serrano.

Siro Darlan e Alcione. (Arquivo pessoal)

No meio-campo do time feminino, a cabeça de área será ocupada pelo dinamismo e inteligência de Nara Leão que, em leitura de jogo, reporta-nos ao Mestre Didi, o botafoguense, que ditava cadência e ritmo, com invejável vanguardismo. Diga-se de passagem, a Camisa 5 saiu da área de conforto das areias elitistas de Copacabana e adjacências, para jogar pelada descalça nas rodas de samba do alto dos morros cariocas, aprimorando o seu canto de liberdade, com mestres do porte de Geraldo Pereira, Zé Ketti, Jair do Cavaco e Nelson Sargento. A irreverente volante Rita Lee, debochada e mordaz, cortante e incisiva contra o inimigo do outro lado da trincheira lírica do sonho, fora convocada para a reserva de Nara Leão que, embora não se relacionasse extracampo com a dona da meia-cancha, a temperamental Elis Regina, a Pimentinha, a partir da interferência de Lee entrosaram-se, harmoniosamente, tocando a peleja-canção de pé em pé, com a maestria de quem sabe o que faz nos 90 minutos do espetáculo músico-futebolístico. Desta feita, o Furacão Elis espantou para longe a leal concorrência de Maria Bethânia, craque de bola e canto, com idêntica visão de jogo que se traduz como sinônimo de lucidez intelectual. Descoberta pela antenada Nara Leão, que a assistiu atuar nos terreiros de São Salvador da Bahia de Todos os Santos e Orixás, a exuberância de Bethânia desabrochou no Show Opinião do Teatro de Arena.

Armandinho Macedo desceu do palco para cumprimentar Nelson Sargento durante show no Teatro Rival. (Daniel Mazola/Tribuna da Imprensa Livre)

Para a ponta de lança, a lendária camisa 10 da Seleção Canarinho caiu como uma luva nos ombros da divinal Elizeth Cardoso que, com técnica vocal apuradíssima elevada à perfeição de Euterpe e Calíope, impôs-se, por unanimidade anti-rodriguena, para figurar como a mais ilustre personificação ao nível de um Pelé de saias. Pela ordem da passada de bastão, a sua substituta natural e imediata da Divina há de ser a soteropolitana Gal Costa, epítome de miscigenação e brasilidade em tom de magnitude dos timbres vocais, inalcançáveis e inatingíveis, humanamente. Bola pra frente que atrás vem gente e a ponta-direita do ataque nacional será ocupada pela exótica e espetaculosa Carmen Miranda, primogênita do selecionável pátrio a estrondear o show businnes hollywoodiano, desbravando territórios e fronteiras com o estandarte de ouro desta nação bronzeada a mostrar o seu valor ao Tio Sam e ao Walt Disney que, por debaixo do voo esplêndido do Zé Carioca, símbolo da política da boa vizinhança, houvera de se prestar atenção à Bahia, terra da felicidade de Assis Valente.

Nesta ambiência de universalidade, para atuar como reserva da Pequena Notável, avocou-se a extraordinária Nana Caymmi que, destra de nascituro, houvera de ter rendimento satisfatório atuando pelo franco direito do campo. Para centroavante, solicitou-se a presença de área (e palco) da aclamada Clara Nunes, a Guerreira, cujo canto orfeônico inspirado nas três raças há de ecoar nas tradições brancas, negras e indígenas do país. A sabiá Mineira de Caetanópolis (e da Portela), “dona dos versos de um trovador”, levou a melhor no olho-clínico na contenda com a sensacional tribalista Marisa Monte que, inconformada com a ‘barração injustificável’, recorreu ao Supremo Tribunal Esportivo da Música Popular Brasileira (STE-MPB).

João Bosco e jornalistas Daniel Mazola e Iluska Lopes. (Arquivo/Tribuna da Imprensa Livre)

Para a ponta-esquerda fora chamada a gaúcha Adriana Calcanhoto, antropóloga da canção, que tomou conta do pedaço e as rédeas líricas da posição, destronando as rivais da época do Rádio, Emilinha Borba e Marlene. O comando da Seleção Feminina Principal da Música Popular Brasileira será composto pela seguinte comissão técnica: Treinadora: Aracy de Almeida, irascível e folclórica; Preparação física: Maísa, seleta e orgânica; Analista de desempenho: Hebe Camargo, emblemática e comunicativa; Fisiologia: Angela Ro Ro, voracidade e compulsão; e Scouth: Inezita Barroso, doutora em gênero sertanejo-raiz. Para chefe da delegação, convidou-se a paraense Fafá de Belém, por seu compromisso cívico em antológica interpretação do Hino Nacional.

Enfim, como o Sindicato dos Músicos reivindicou a convocação de 26 e não apenas 23 compositoras e intérpretes, a Confederação Brasileira autorizou que se chamasse, ainda, a afinadíssima Zizi Possi, e a engajada Joyce (Moreno), a Chico Buarque de tranças, conforme enfatizou a crítica especializada que, por sinal, botou a boca no trombone do Zé da Velha, para cornetar a não convocação das irmãs Batista; de Silvinha Telles; de Celly Campelo; e da brasileiríssima Ademilde Fonseca, entre outras tantas divas e matronas do cancioneiro popular do Brasil.

Na década de 30 o dramaturgo norte-americano Marc Connelly e a atriz Sonja Henje veem uma apresentação da cantora Carmen Miranda no Cassino da Urca e ela é convidada para ir trabalhar em Hollywood. Ela fez um show de despedida no Cassino e viajou para os Estados Unidos em 17 de maio de 1939. Foto: Carmen e o Bando da Lua. (Divulgação)

II

No selecionado masculino brasileiro, o incontestável Mister Heitor Villa-Lobos se decidiu pela seguinte convocação, a começar pelo arqueiro Milton Nascimento, o Bituca, considerado o maior acontecimento dentre quatros linhas no plano terrestre que, segundo Elis Regina, caso Deus cantasse se utilizaria de sua voz barroca e serafínica solta pelas estradas em linda Travessia, forjada pelas esquinas, bares e becos de Vila Rica, São João Del-Rey e Diamantina. Para composição da meta, convocou-se, ainda, o esplendoroso violonista Nelson Cavaquinho, autodidata indecifrável e preceptor musical de ninguém menos do que Antônio Carlos Jobim. A vaga de terceiro goleiro ficou com o bruxo Hermeto Pascoal, inventivo instrumentista que, literalmente, tira água-sonoridade de pedra com instrumentos de sopro, cordas e percussão.

Elis Regina e o marido Ronaldo Bôscoli – 1975. “Rio que mora no mar, sorrio pro meu Rio que tem no seu mar, lindas flores que nascem morenas em jardins de sal”. (Crédito: Beside Colors)

Na lateral-direita, o polivalente e completo Gilberto Gil, detentor de refinada concepção estética, ganhou a posição do voluntarioso Luiz Gonzaga, o Lua, que, com sanfona, zabumba e triângulo, superou o azougue Jackson do Pandeiro, quando se propôs com autoridade a retratar, juntamente com o seu contemporâneo acima supracitado, o caráter identitário da Região Nordeste, ditando os ritmos do forró, do xaxado, do xote e do baião país afora. Na zaga central, o auspicioso e austero Ary Barroso confiscou o lugar de titular pelo conjunto da obra, com destaque para o gol de placa de “Aquarela do Brasil”. A sua exuberância musical impulsionou o esforçado Lamartine Babo, proeminente contemporâneo e seu parceiro no clássico “Rancho Fundo” e autor dos hinos dos clubes fluminenses, ao banco de reservas do selecionado brasílico. Na quarta zaga, o legendário Pixinguinha, capitão do time, que erguera a taça da humildade, celebrizando-se como a mais importante figura do cenário musical do país depois de Villa-Lobos, destilou por rádios, teatros e terreiros a sua arte fundamental. Por puro critério de subjetividade, o insigne erudito Ernesto Nazaré perdeu o espaço no banco de suplentes para o engenhoso Jacob do Bandolim, responsável pela assinatura de obras-primas, como “Assanhado”, “Receita de Samba”, e “Doce de Coco”.

Na lateral-esquerda, o dono da posição não poderia deixar de ser o cadencioso Dorival Caymmi que, apesar da fama de não apreciar exercício físico, descompassando demasiada e preguiçosamente o samba-canção, poderia fazer uso da camisa 6 de um Nilton Santos, sem dever nada à Enciclopédia do Futebol. O suplente de Caymmi será o talentoso Orestes Barbosa, autor ao lado do seresteiro Sílvio Caldas, do segundo Hino Nacional intitulado “Chão de estrelas” (“Tu pisavas nos astros, distraída / Sem saber que a ventura desta vida / É a cabrocha, o luar e o violão”). Assim sendo, o clássico Orestes se apropriou da cadeira cativa do aristocrático Mário Lago que, ao ser deslembrado por Heitor Villa-Lobos, sussurrou lamentosamente o conhecido verso “nada além de uma ilusão”, ao solidário piano de Custódio Mesquita, conquanto tenha feito o treinador olvidar-se do arquiteto da sonoridade, o paraense Billy Blanco, legislador do Estatuto da Gafieira.

Ary Barroso e Tião Macalé. (Reprodução/Google)

O meio-campo do seleto grupo será composto pelo center-alf Noel Rosa, cria da Zona Norte carioca, que despontou nos campos de pelada do Largo do Estácio e do Morro da Mangueira, onde fez tabelas memoráveis com os parceiros Vadico e Ismael Silva entre outros. O Poeta da Vila, com insofismável visão de jogo, lapidou o samba urbano, modernizando-o; porém, logo cedeu a posição ao artesão do vocábulo, Angenor de Oliveira, o Cartola, que assumiu a meia-cancha da equipe, após a precoce “aposentadoria” do autor de “Feitio de Oração” e “Último desejo”. Diz que o versátil e irrequieto Wilson Batista andou requisitando a vaga de suplente de Noel Rosa, a plenos pulmões, em boa companhia de Almirante, Aurora Miranda, Chico Alves, Mário Reis e Nelson Gonçalves, numa mesa de canto do Café Nice daquela saudosa Época de Ouro.

A meia-direita da Seleção masculina será representada pelo aedo baiano Caetano Veloso que, em diálogo com a mitologia Greco-romana com a espiritualidade dos orixás da velha São Salvador, revolucionou a forma de se atuar com a bola-expressão, por intermédio de passes curtos que jorram de sua trivela mágica e neoaristotélica ou de seu calcanhar pós-socrático, pensando o jogo filosoficamente, com a primazia mediúnica dos ascetas da Roma Negra. A meiuca-direita do combinado terá como reserva o sertanista Elomar Figueira de Mello, excelentíssimo trovador medieval dos sertões euclideanos que, à Guimarães Rosa, se reporta ao público pagante em jangada de neologismos e arcaísmos forjados em laboratório alquímico de sua Pasárgada particular e universal. A meia-esquerda fora designada ao tricolor Chico Buarque de Hollanda, o mais completo camisa 10 da saga dos compositores brasileiros. Pelé dos olhos verdes, que deslumbrou a plateia com jogadas de alto padrão político-metafórico, que incendiariam os estádios-palanques partidários da democracia pré-corinthiana. O seu regra-três há de ser o suntuoso Orlando Silva que, por entre abismos e labirintos, consagrou-se como o mais formidável herdeiro da perfeição da técnica vocal, aprimorada nas noites brancas em serenata, ao redor da fogueira e sob o luar e estrelas deste Cruzeiro do Sul.

Na ponta-direita fora escalado o cerbral João Gilberto, o Garrincha das notas tortas. Gênio. Mesmo tendo marcado pouquíssimos gols de composição, inventou, ao dedilhar o seu violão mágico, o gênero musical mais reconhecido internacionalmente, a Bossa Nova, com a ilustre contribuição de Geraldo Pereira e Jhonny Alf, que lhe ensaiaram o drible desconcertante na pré-jogada de mestre em antológico gol de placa: “Vai, minha tristeza / E dia a ela / Que sem ela não pode ser…”. O promissor Paulinho da Viola, a mais completa tradução de João Gilberto, que mesmo sendo craque indiscutível da pelota musicada, conformou-se com a suplência, por reconhecer a importância do mestre dos mestres, sem contestação pelo simples fato de que João é João; e, portanto, conjugação de todos os fatores que deságuam na acepção do substantivo impalpável ao qual denominamos Mito.

O comando do ataque brasileiro será liderado pelo goleador Vinícius de Moraes, o Visconde de Ipanema. Apesar das críticas por seu comportamento boêmio extracampo, à Heleno de Freitas, o Poetinha, com faro de gol e mulher, ignorou as intrigas da (o)posição, tornando-se o inverso de Macunaíma, pois nascera integralista e tornou-se o branco mais negro do Brasil. Por direitos autorais adquiridos, o sucessor de Vinícius na linha de frente da composição será ‘gênio incompreendido’ Paulo César Pinheiro, recordista de gols-letras timbrados por sua assinatura ímpar e original. Na ponta-esquerda da ofensiva Bossa Nova, conforme cunhou Armando Nogueira (Ou teria sido Nelson Rodrigues?), destaca-se talentosíssimo Tom Jobim, homem vistoso de chapéu-panamá e charuto cubano, considerado o mais fiel escudeiro e discípulo do treinador Villa-Lobos, que chegou a dizer em coletiva de imprensa que a sua equipe era Antônio Carlos Jobim e mais 10!… O Rivelino do piano terá como sucessor o hábil e esquivo Edu Lobo, que oculta a bola musical entre os dedos, com a habilidade de um Uri Geller e à moda Tostão, quando se debruça sobre o piano em gesto de composição.

Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, provavelmente, no Bar Veloso – atual Garota de Ipanema -, onde Vinicius constumava beber com os amigos e compor suas músicas. (Divulgação)

Como ocorrido com a Seleção feminina, a Confederação Brasileira de Compositores e Intérpretes (CBCI) fora autorizada a convocar mais 03 jogadores da canção; e, dessarte, foram chamados o alquimista Jorge Ben (Jor), que se encaixa como luva no samba esquema novo do mandatário Villa-Lobos; o exímio e superlativo violonista Garoto, que reinventou o instrumento e deixou como herdeiro direto o mago petropolitano Raphael Rabello; e, por fim, o estiloso Aldir Blanc, tijucano envelhecido em barril de orvalho da noite, que desfilou pelas passarelas dos corações, com o seu o formão artesanal, mui ávido por talhar a matéria-prima da Letra, maiúscula por excelência do lavor magnânimo de sua Poesia de subúrbio interplanetária. Houve quem exigisse a presença de Sérgio Ricardo, o craque bom de bola mais subestimado da História da MPB, mas que fora preterido pela comissão técnica masculina, composta, ainda, pelo auxiliar João de Barro do Bando de Tangarás, o velho e bom Braguinha, paizão carinhoso; pelo preparador físico Maluco Beleza Raul Seixas; pelo analista de desempenho Sérgio Cabral (Pai); pelo fisiologista Tim Maia, inventor do triatlo; e pelo scouth Sérgio Porto, que também atende pela singela alcunha de Stanislaw Ponte Preta, tendo-se como chefe de delegação o sambista por excelência, Martinho da Vila, embaixador da Lusofonia.

Martinho José Ferreira, mais conhecido por Martinho da Vila, é cantor, compositor e escritor brasileiro. (Wikipédia)

III

Na hercúlea tarefa de convocar as Seleções de Novos, no gênero masculino, feminino e plural, eis que chegamos à listagem final, após algumas modificações por forças das circunstâncias, como Pablo Vittar (Intolerância de gênero), na criteriosa análise de mercado sobre as últimas gerações de talentos da MPB, de maneira que não se olvidasse de nenhum jovem artista de grande valor musical. Deste modo, a meta da equipe será protegida pela sensibilidade atávica de Mônica Salmaso, proprietária da meta por usucapião do seu canto lírico de rouxinol paulistano. Reencarnação de Mercedes Sosa em território nacional, a arqueira Salmaso não concedeu licença para que se ameaçasse o posto de goleira número 01 do país. Em sua reserva ficou a intimista Fátima Guedes, que garantiu a vaga do selecionado feminino através de sua regularidade comprovada em composição. O terceiro lugar do gol será ocupado pela competência da paraibana Cátia de França que, com refinada categoria, garantiu lugar por estilhaços que se equilibram no coito das araras, entre Augusto dos Anjos, Capiba e Catulo da Paixão Cearense.

Na lateral-direita, a portelense Teresa Cristina conquistou o seu espaço com absoluta firmeza de posicionamento, forjado pela estética da Velha Guarda do Samba, impondo-se com personalidade como intérprete de fina estirpe do gênero musical mais relevante desta nação pródiga e alvissareira. Em sua suplência, convocou-se a maior revelação da MPB dos últimos tempos, a audaz Lysia Condé, que surgiu nas recônditas arenas do Rio Grande do Norte; e chamou a atenção da decana Chiquinha Gonzaga, ao interpretá-la pelos salões e sótãos dos cabarés da Lapa de outrora.

Chiquinha Gonzaga, pianista e compositora – 01/01/1932. (Foto: Dedoc)

Para a zaga-central, a indicada Zélia Duncan não se intimidou com o chamamento em rede nacional, ao jogar para escanteio, sem firulas acrobáticas, a desconfiança geral e irrestrita das redes sociais, expulsando da área os atacantes oponentes que se engraçavam com fake news pelo seu lado do campo-palco. A beque reserva será a dinâmica e quase eremita Déa Trancoso, real promessa do Vale do Jequitinhonha que estreou com o pé direito no campeonato mineiro; e já está pedindo passagem para o estrelato em terras estrangeiras da Premier League.

Zélia Duncan e o editor Daniel Mazola. (Iluska Lopes/Tribuna da Imprensa Livre)

Na quarta-zaga, a indicada Martinália, multi-instrumentista de pouquíssimas palavras e face de poucos amigos, reconhecida por sua seriedade que não dá brecha ao inimigo no campo de batalha. A titular da camisa 04 aceitou o desafio de liderar a defesa do combinado feminino. A suplente do lado esquerdo da zaga será a funkeira Ludmilla, que concilia o vigor físico da juventude com belas tiradas de efeito e classe, o que a tornou apta ao território movediço da competitividade do mercado da grande área, ainda que parte da imprensa (marrom) clamasse pela truculenta Tati Quebra-Barraco que, porém, sequer, fora citada pela treinadora Simone e sua auxiliar-técnica Elba Ramalho. Para atuação na lateral-esquerda, a competente Socorro Lira, que recuperou a posição perdida para a impetuosa Maria Gadú na temporada passada, reabilitando-se ao demonstrar o alto nível de seu inegável talento, firmou-se como um dos diamantes brutos da MPB, em processo de lapidação com instrumento poético da interpretação.

No meio-campo, a cabeça de área Virgínia Rodrigues, conquanto seja mais conhecida internacionalmente do que em sua própria terra, esta espécie de Martha do canto ganhou oportunidade por sua plenitude como intérprete, sendo repatriada para organizar a saída de bola da Seleção feminina, a partir da ligação entre a meia-cancha e o ataque do selecionado pátrio. Neste contexto, a sua suplente Alice Passos, tratada como “joia rara” desta última geração, a ponto de ultrapassar a badalada Roberta Sá em predileção da Miss Simone, muito em breve há de estar habilitada a substituir, à altura, não apenas a deidade negra do Bando de Teatro Olodum, Virgínia Rodrigues, como também a titular da equipe principal, Nara Leão, por identificação de sua categoria vocal com a Musa da Bossa Nova. Na meia-direita, a treinadora baiana optou por bancar a manutenção da veterana e capitã Tetê Espíndola, força da natureza que abrolha no encantatório do gorjeio humano, em disfarce de Tuiuiú fêmea e cantadeira do Pantanal matogrossense, embora a sua suplente será até então pouco divulgada Leopoldina Azevedo, a Imperatriz das Minas Gerais, esteja pedindo passagem, com a faca e o pão de queijo às mãos para, futuramente, brilhar no meio-campo da Seleção de Novos, em razão de sua delicadíssima aptidão artística, a nível de uma Nana Caymmi.

Nara Leão e Zé Ketti. (Divulgação)

A surpresa da ponta de lança deu-se com a convocatória de outra revelação das categorias de base, o fenomenal Julia Vargas, que recebeu como herança o privilégio de trajar a camisa 10 da Divina Elizeth, por ter sido eleita a pérola mais brilhante e preciosa extraída desta terra abençoada, em se tratando de mulheres intérpretes da canção popular. A inenarrável Julia Vargas impressionou os analistas de elenco que acompanhavam atentamente a sua performance, em virtude de uma precoce maturidade, esboçada através timbres de raríssima sonoridade grave e personalíssima que, em certas ocasiões, roça e esbarra nos malabarismos roufenhos da hippie icônica Janis Joplin. A revelação cabofriense fora chamada para comandar as ações do meio-campo da Seleção de Novas, com mesmo entusiasmo de quando aparece uma Ângela Maria ou Gal Costa. A substituta da meia-esquerda será a incrível Vanessa da Mata que, com extraordinária perspicácia e efetividade, desconcerta esquemas de defensa de mercado, atacando os espaços da grande área com destreza digna de quem sabe tudo de bola e canto.

A ponta-direita será ocupada pela impactante Bárbara Barcellos que, mineiramente, driblou o digníssimo Milton Nascimento e todo Clube da Esquina; leia-se: Lô e Márcio Borges, Ronaldo Bastos e Murilo Antunes, com fascinante jogo de corpo/voz, que chama a si a responsabilidade da partida, de modo que valha a pena se ter pago o ingresso do espetáculo. Não obstante, a revelação belorizontina sofre com a incômoda sombra da ministra Margareth Meneses, que há quem afirme que fora lembrada por lobby político de Flora e Gilberto Gil, embora houvesse quem tenha saído em defesa de seu legado de cultura no Carnaval baiano, como álibi da convocação. Doa a quem doer, mas a vaga cativa no comando de ataque desta Seleção fora dada a uma espécie de Carmen Miranda pós-moderna, a incansável Annita, Embaixadora do Funk, que entrou com bola e tudo nas redes adversárias, abundando-se diante de tudo e de todes, ao adentra de peito aberto na disputa pela camisa 9. Não obstante, o duelo cabeça por cabeça com a Rainha do Axé, Daniella Mercury, fora vencido pela Ninfa de Honório Gurgel, prevalecendo o santo forte da funkeira do subúrbio carioca, contra a grita generalizada dos rastafáris oriundos dos afro-blocos da Bahia; mas que, no fim das contas, se conformaram com a preferência nacional e estrangeira pelo Furacão Anitta, a Artilheira das Multidões.

A dona da camisa 11 será a sensível Luiza Lacerda, violonista de refinado labor e voz contida harmoniosamente, como se cada nota musical se avultasse ao sustenido mavioso de uma nereida homérica, às margens do rio Bengalas. Não obstante, o Colibri da Serra tenta segurar a posição, diante da sombra de sua regra-três, a intrépida paulista Tulipa Ruiz que, entusiasmada com o sucesso recém-adquirido em Sampa, não admite, em hipótese alguma, esquentar o banco de reservas da Seleção de Aspirantes local, para a brilhante conterrânea de Benito de Paula que alça voos Montanha abaixo. As três vagas restantes foram ocupadas pela maior sambista da atualidade, a ribeirão-pretana Verônica Ferriani; pela cristalina Mariana Nunes, vocalista do grupo Cobra Coral, com grande potencial para estourar nas paradas de sucesso; e, por fim, pela sensação do momento, a cantora paulista Alícia Bianchini, que estreou profissionalmente aos 68 anos; todavia, corre contra o tempo como uma juvenil em início de carreira artística, para arrebentar a boca do balão do show business pátrio.

Finalizando, a comissão técnica também será composta pela preparadora física Cristina Buarque; pela fisiologista Maria Rita; pela analista de desempenho Ana Terra; e pela scouth Beth Carvalho, a madrinha.

P.s.: Alguns jornalistas inconformados reivindicaram a convocação das veteraníssimas Alaíde Costa, Leny Andrade e Áurea Martins; outros, pelo chamamento da pop-star Marina Lima e da insinuante Kid Abelha Paula Toller; havendo até mesmo quem clamasse pela roqueira Pitty ou pela insinuante Céu que, por única e exclusiva decisão do comando técnico do Selecionado de Novos feminino, infelizmente não foram mencionadas nesta convocação.

Dóris Monteiro e Leny Andrade. (Divulgação)

IV

Na Seleção de Novos de ordem masculina, o técnico Zeca Pagodinho, auxiliado pelo seu fiel escudeiro Arlindo Cruz e arguto Beto Sem Braço, anunciou a lista de compositores e intérpretes, tendo como goleiro titular o virtuose Yamandu Costa que, com mãos divinas e habilidosas, domina como poucos a arte de dedilhar as cordas da pelota-canção. Os substitutos para o banco de reservas do maior violonista do mundo são: o mago dos vocais Ed Motta que, embora tenha andado pisando na bola, teve o seu nome confirmado no arranjo final da convocação, devido ao reconhecimento pelo que fizera anteriormente nos campos do soul afro-brasilis. Contudo, o terceiro goleiro Péricles já está de sobreaviso para substituí-lo na primeira “mancada” dentro ou fora do palco nos bailes da vida. Na lateral-direita, o rapper Emicida, mesmo tendo afirmado que o seu rendimento seria melhor pelo franco esquerdo da várzea, fora acionado para dar solução ao problema crônico de ala na Seleção Brasileira.

Em caso de dificuldade de adaptação, o ambidestro Alfredo Del Penho já fora também avisado que pode entrar em ação, a qualquer momento, desde que haja necessidade de se corrigir a improvisação do esquema tático proposto pela estratégia do Mister Zeca, que já andou com pé atrás com a Geração Lapa, mas que hoje reconhece o valor e a importância do movimento musical, protagonizado por Nilze carvalho, Eduardo Gallotti, Pedro Miranda, Ana Costa, Pedro Paulo Malta e afins.

Arlindo Cruz e o editor Daniel Mazola. (Iluska Lopes/Tribuna da Imprensa Livre)

A zaga-central será defendida pelo racional e irascível Mano Brown, cujo discernimento sobre a leitura do jogo político que grita aos olhos da plateia, alucinado com o papo reto da mensagem nua e crua, tipo soco no estômago da burguesia-níquel empanzinada com a digestão bem feita de São Paulo, terra da Garoa desvairada de Mário de Andrade, em detrimento da ceia natalina da saudosa maloca de Adoniran Barbosa, o Menestrel do Bexiga, sacado da convocação inexplicavelmente.

Partidário da máxima de que zagueiro que se preza não ganha Prêmio Belfort Duarte, o cria periférico do Capão Redondo tornou-se uma pedra no sapato italiano daqueles que “algarismam os amanhãs”, habituando-se a fungar cangote e morder orelha de quem se atrever a adentrar a grande área dos Direitos Humanos e da Justiça Social. O reserva imediato do Xerife Brown será o ardiloso e ensaboado Mc Marcelo D2, que corre a todo vapor em busca da batida perfeita pelas beiradas das várzeas-biqueiras, como quem com fome de bola a disputa como se fosse um prato de comida, precavendo-se do exame antidoping que, ao estilo Gabigol, se recusa a prestar diante dos funcionários da Confederação Brasileira de Música Popular (CBMP).

Na quarta-zaga, o filosófico classudo Criollo ganhou a vaga de titular, por sua serenidade com a bola-parábola nos pés, diante da bola dividida nos instantes difíceis da partida, o que faz com que atuasse de cabeça erguida durante os 90 minutos do jogo da sobreviência. O seu suplente imediato, o imperativo MV Bill, bardo-atleta da CDD, que defende com voracidade a entrada da grande área; e, caso seja necessário, transforma-se no falcão negro apto a dar chutões para o mato em jogo de campeonato. Para a lateral-esquerda fora convocado o voraz Hamilton de Holanda, que fez do Bandolim o que Jacob ensinou com todas as notas da cartilha, sem toque para trás ou firulas que embacem o mano a mano entre o Homem e seu instrumento de trabalho. Para a suplência do lado defensivo canhoto, solicitou o camaleônico Renato Braz, que incorpora os sete elementos do som musical, como se apalpasse o (in)traduzível de cada sílaba em canção, metamorfoseado-se.

No meio-campo, o volante neoconcreto Arnaldo Antunes materializou o sonho do torcedor de poder contar com a cabeça de área pensante ao estilo Falcão (O jogador, por obséquio!), na organização de cada movimento cerebral e milimétrico, em direção ao gol antagonista, com inimaginável precisão matemático-poética.

Craque da hermenêutica e da imagética dentre as quatro linhas da condição humana que, em sua suplência, depara-se com o pós-tropicalista Thiago Amud, tão cobrado por Francis Hime; e que, com notável plasticidade literária, deu oxigênio (e nitrogênio) ao plantel de meio-campistas mais recentes da letra de música, desvencilhando-se do feijão com arroz da produção poética da MPB contemporânea.
O poeta do samba Luiz Carlos da Vila, o mais inspirado discípulo do testamenteiro Mestre Candeia, de fato e direito fez por merecer a responsabilidade de carregar sobre os quatro costados o número 8 da Seleção de Novos, haja vista que, ao pé da letra, pode ser comparado aos mais inspirados mestres do gênero, tais como Carlos Cachaça, Heitor dos Prazeres, Monsueto, Monarco, Manacéia, Almir Guineto e etecéteras, em razão da retórica da lucidez aplicada em belíssimas quimeras, que se aplica a cada lance do jogo-espetáculo. Na suplência do ataque pelo lado esquerdo, o exagerado e inspiradíssimo Cazuza corre atrás da inspiração (e da posição), como o cachorro louco do rabo, em busca da prosódia lírica de um Rimbaud ou Baudelaire da Zona Sul carioca. Não obstante, o proeminente Caju teve a sua brilhante carreira poética, covardemente, abreviada pelo Mal do Século XX, embarcando o seu pelo espírito libertário (ou libertino) de um Verlaine e/ou do Castro Alves do Baixo Leblon, no trem pras estrelas, depois dos navios negreiros outras correntezas.

Na meia-esquerda, o estilo macunaímico do erudito-repentista Chico César convenceu o estrategista Zeca Pagodinho a lhe conceder a camisa 10 e a braçadeira de capitão, por seu indiscutível discernimento lúdico e inesgotável criatividade na ambiência lírica do tablado.

Nelson Cavaquinho, Cartola e Carlos Cachaça. (Divulgação)

Neste diapasão, o Barão de Catolé do Rocha, trovador me senhor feudal da estética secular e profana em eterno Estado de Poesia, se perpetuou na condição de suprir o espaço metafísico do espólio de Chico Buarque de Hollanda, com louvor e plausos. O substituto natural do reinante Chico César há de ser o articulado Zeca Baleiro, formiga carregadeira que transporta o piano literalmente; porém, afina, toca e compõe o instrumento como missão de vida, municiando o ataque comandado pelo endiabrado Seu Jorge, o camisa 7 raiz, que se não faz chover pelos gramados do mundo com o seu futebol moleque de rua, forja do rústico, o encanto; e do seu canto, Poesia, que corre para galera com a fluidez do relâmpago, que nos assombra e alumia eternamente. Salve, Jorge!… Na difícil função de substituir à altura o goleador Seu Jorge, recorreu-se ao trovador solitário Renato Russo, que agarrou com unhas e dentes a oportunidade; e não decepcionou o comandante que, reconhecidamente, não era muito fã do estilo punk de encruzilhada do Menestrel do Planalto Central.

No comando do ataque, o irrefreável Lenine, que estourou tarde, para brilhar intensamente desde que emplacou o refrão de seu primeiro sucesso, ao fim do século passado “Hoje eu quero sair só…”; e jamais ficou desacompanhado de público e crítica. Desde então, o Mamulengo Eletrônico do Capibaribe garantiu espaço entre os onze catedráticos, desautorizando o prodigioso Diogo Nogueira, que destila ao lado de sua musa a patente vocação legada de seu progenitor, o bamba e valente João Nogueira, fundador do Clube do Samba. O ponteiro esquerdo Moyseis Marques figura como a mais genuína encarnação da velha malandragem do samba carioca, tornando-se digno de tomar de assalto a camisa 11, visto que, com ginga e sedução em seu jogo envolvente, prenuncia o que há de mais significativo no mundo da arte da resistência. Para completar a equipe brasileira da nova geração, convocou-se o fleumático João Bosco que, embora seja contestado por já ter explodido a idade, conquistou a total confiança do treinador Zeca Pagodinho, que bateu pé por sua convocação. Por opção do comitê técnico da CBMP, os outros três relacionados são: o iluminado laborioso Fernando Brant; o circense acrobático Moraes Moreira; e o tsunami titânico Nando Reis.

Moraes Moreira e o editor Daniel Mazola. (Iluska Lopes/Tribuna da Imprensa Livre)

Por fim, eis as últimas informações referentes ao restante do corpo técnico: preparador físico Sérgio Sampaio; fisiologista Alceu Valença; analista de desempenho José Ramos Tinhorão e scouth Francis Hime. Entretanto, já me precavendo das críticas advindas do público em geral, despeço-me dos caríssimos(as) leitores(as) com o pedido de que, em caso de reclamação, façam a sua própria lista de convocados; e, de peito aberto, sem bazófias ou retranquismos, se habilitem à escalação de sua equipe favorita de compositores e intérpretes deste país varonil de tantos ritmos e cores, versos, sopros e tambores, consagrado como terra do Futebol e da Música, inspirada por um Deus brasileiro que, decerto, não se amesquinhou em sete sóis da Criação em nos privar de vocação musical e criatividade cantarolada unissonamente, sob a benção do Mestre Silas de Oliveira do Império Serrano, conforme se constata em sua “Aquarela brasileira”:

“Vejam essa maravilha de cenário
É um episódio relicário
Que o artista, num sonho genial
Escolheu para este carnaval
E o asfalto como passarela
Será a tela
Do Brasil em forma de aquarela…”

WANDER LOURENÇO é professor, cineasta, poeta, letrista e escritor. PhD em Literatura Comparada pela Universidade Clássica de Lisboa; pela PUC-GO; e pela UFMG. Doutor, mestre e especialista em Literatura Brasileira pela Universidade Federal Fluminense. Produtor e diretor do documentários “Carlos Nejar, o Dom Quixote dos Pampas (2015); “Nélida Piñon, a Dama de Pétalas” (2017); e o “Cravo e a lapela: biografia de Ricardo Cravo Albin” (2021). Livros recentes: Escrevinhaturas – Poesia / Editora Elefante-SP (2022); e A República do Cruzeiro do Sul – Romance histórico / Editora Almedina (2023).

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