Redação –
Difícil realizar quais os cálculos políticos que Jair Bolsonaro fez discursar na manifestação a favor do golpe militar. E vem atacando sem parar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o Congresso. A atitude parece completamente sem sentido. Fato é que o presidente ainda desfruta da disposição de parlamentares para aprovar medidas de combate ao coronavírus.
Mas Bolsonaro desgastou ainda mais a pouca relação que tem com o Legislativo com as afirmações. Com isso, perdeu, por exemplo, qualquer chance de aprovação da Medida Provisória 905/2019, batizada de MP do contrato verde e amarelo, entregue, no Senado, à relatoria do líder do PT, senador Rogério Carvalho (SE). O partido é contrário ao texto, que vai caducar nest segunda-feira (20).
NÃO PODE SE ISOLAR – Além disso, quer queira, quer não, Bolsonaro ainda terá que se relacionar muito com o parlamento após a crise do coronavírus. E a falta de visão de futuro torna a iniciativa do chefe do Executivo federal ainda mais difícil de se ler.
Ele terá que lidar com parlamentares em um cenário ruim, sob as agruras de um país dobrado pelo sofrimento causado pela morte de milhares de pessoas. Entes queridos, pais, mães, avós, filhos, maridos, ceifados por uma pneumonia avassaladora, ou por problemas de saúde que não puderam ser tratados em decorrência da falência do sistema de saúde, provocada, novamente, pela pandemia. Terá que lidar com deputados e senadores, ainda em um cenário econômico de empobrecimento do país. Empobrecimento que virá, no melhor e no pior dos cenários, provocado, pelas repercussões do combate e dos efeitos da “gripezinha”.
FUGINDO DA PANDEMIA – Parte da estratégia, do presidente, claro, já emergiu, e pode ser calculada. Conforme o Correio publicou na última segunda-feira (13), o presidente tenta se descolar da crise mundial provocada pela pandemia de coronavírus se escondendo atrás das medidas impopulares que governadores e prefeitos são obrigados a tomar.
Eles serão os primeiros a sofrerem retaliação dos eleitores se reproduzirem cenários trágicos como os que ocorreram na Lombardia, na Itália, e em Barcelona, na Espanha. No primeiro caso, um cortejo militar foi obrigado a buscar as centenas de mortos que colapsaram o sistema funerário local. No segundo, diante do número irrefreável de mortes, o prefeito local foi obrigado a pedir perdão por ir contra o isolamento social e fazer a mesma campanha que chegou a ser disparada pelo governo Bolsonaro nas redes sociais, com o lema adaptado de “O Brasil não pode parar”.
O capitão reformado se esconde atrás dos chefes de executivos locais pois esses mesmos prefeitos e governadores ainda sentirão solavancos políticos caso as medidas de isolamento e paralisação comercial tragam algum resultado e o número de mortes seja menor que o esperado nas regiões. Ao menos parte da população deve confundir o bom resultado das medidas de isolamento, que podem levar à um número de vítimas menos expressivo, com a falsa percepção de que, em um cenário menos grave do que o apregoado, não haveria necessidade de manter as pessoas em casa e a paralisação do comércio. Isto é, usarão a eficiência do isolamento para justificar a ineficiência da mesma iniciativa.
INCOERÊNCIA FLAGRANTE – Ao demitir Mandetta, Bolsonaro agiu, mais uma vez, contra a própria palavra. Sempre afirmou que seus ministros teriam liberdade de agir tecnicamente, bem como fazia o então chefe da pasta de Saúde, o principal órgão articulador no combate ao coronavírus. Além disso, não tinha justificativas para demiti-lo, exceto o fato de Mandetta ganhar popularidade por estar seguindo as determinações de cientistas, da Organização Mundial de Saúde (OMS) e, também, o mesmo que fizeram outros chefes de Estado, inclusive, alinhados politicamente a Bolsonaro, como o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o primeiro-ministro da Inglaterra, Boris Johnson, e um os líderes da extrema-direita mundial, o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán.
Em outras palavras, sem argumentos convincente e saindo às ruas, provocando aglomerações e contrariando as determinações do próprio ministro, da OMS e de cientistas, Bolsonaro demitiu Mandetta por pura vaidade, enquanto usa o próprio negacionismo para tentar sustentar o escudo que criou às custas das decisões de governadores e prefeitos diante de uma pandemia que, na atual conjuntura, mata entre 100 e 200 pessoas por dia no Brasil.
PRINCIPAL FRAQUEZA – O próprio presidente comprova a estratégia ao afirmar que não quer ser culpado pela queda na economia. Ora, é justamente a economia a principal fraqueza, o calcanhar de aquiles de sua estratégia. Pois mesmo que consiga defletir parte da insatisfação popular, ele sabe que a eficiência da economia, que já não ia bem antes da pandemia, será crucial na corrida eleitoral de 2022.
É nesse ponto que voltamos à pergunta inicial, que se desdobra, ainda, em outras questões. O que o presidente da República pretende ao disparar contra um parlamento unido para votar medidas contra a pandemia? Que resultados almeja ao manter o tom bélico diante de um cenário de crise mundial, com mais de 150.990 mortos nos quatro continentes, atacando as instituições do próprio país, brigando com governadores e com os olhos nas eleições?
Por acaso não acompanha o crescimento exponencial no número de mortes que atinge, indistintamente, opositores e seus próprios eleitores? Que patriotismo Bolsonaro exige de outros parlamentares ao se comportar desta maneira ante um cenário que mudará o desenho do mundo, das relações familiares e da economia? Não percebe que os impactos econômicos serão muito piores sem a contenção do alastramento do vírus no Brasil? No cargo mais poderoso do país, foi incapaz de encontrar alguém quem lhe fale a verdade?
Fonte: Correio Braziliense, por Luiz Calcagno
MAZOLA
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