Por Siro Darlan –
No dia 4 de fevereiro a TV GGN abriu seu canal para a realização de uma live que inicialmente ia ser apoiada pela Associação Juízes para a Democracia. Posteriormente alguns juízes proibiram que a conversa fosse pública e sim a portas fechadas como foi a conversa com a comunidade da Maré realizada há mais de seis meses. Naquela ocasião vários compromissos foram assumidos e nenhum praticado. Em uma República assuntos relevantes como esse são tratados publicamente como na antiga Atenas, na Ágora.
Obtivemos logo o apoio da Associação Brasileira de Imprensa e da ANACRIM – Associação de Advogados Criminais que produziram o encontro com as lideranças do Jacarezinho conduzido pelo Desembargador João Batista Damasceno e a jornalista Vera Durão. Pelo Jacarezinho participaram o Professor Lourenço Cesar, o jornalista Rumba Gabriel, o comerciante Mário Diniz e o Dr. Felipe Carvalho representando o Programa de Proteção ás vítimas de Violência. (https://youtu.be/Ue5iaeXJqLQ).
O Encontro foi muito proveitoso e gerou o compromisso de uma reunião para oitiva da Comunidade do Jacarezinho, que ocorreu no dia 10 de fevereiro, na companhia do jornalista e Editor do Tribuna de Imprensa Livre Daniel Mazola. Reunidos mais de 40 pessoas representando o Jacarezinho, como médicos, agentes de saúde, professores, pastores religiosos, representantes me mandatos parlamentares, e policiais militares, todos foram ouvidos numa catarse psicológica coletiva. O clima é de terror e guerra. Os relatos emocionantes e incríveis para uma sociedade civilizada.
Foram relatados casos de abordagens policiais com violência, os moto-taxis são parados constantemente, as casas são invadidas e saqueadas como troféus de guerra. A justificativa é que moradores de favela não podem ter televisão, celular, aparelhos de som, que tudo é produto do tráfico de drogas.
Esse justificativa é de uma hipocrisia inominável, pois, por incrível que pareça não há uma única escola pública na comunidade de 35 mil habitantes, mas há várias escolas particulares, pagas pelos pais dos estudantes e esse fato não causa estranheza nos policiais. Inclusive há um belo e bem qualificado Colégio Salesiano com uma bela e suntuosa Igreja, assim como uma luxuosa Igreja Universal. Uma creche particular muito bem montada e decorada.
Em todas as ruas, que lembram países do pós guerra, há marcas de bala nas paredes, mas há muita luz nas artes de rua. As paredes estão decoradas com artes populares dos próprios moradores que procuram trazer a luz das artes à trevas do terrorismo de estado. Visitem o local do holocausto dos 28 cidadãos assassinados pela polícia do Senhor Castro em 2021. Os moradores me narraram o terror de ver a rua com um rio de sangue e as famílias chorando seus mortos. Foram 28 e não foram mais porque os líderes comunitários se dirigiram ao local “armados” de câmaras dos celulares para registrar os terroristas.
O que mais me impressionou no Jacarezinho foi o pulsar de seu comércio, assemelha-se aos mercados turcos cheios de tendas e lojas a vender de tudo. O Jacarezinho é autossuficiente em tudo que a comunidade precisa, com supermercados, lojas de roupas finas e baratas. Realizava-se uma feira de roupas na quadra da Escola de Samba onde podia se comprar bermudas a 20 reais.
O Jacarezinho pulsa economicamente.
Nossa visita foi rica e humana porque conhecemos tete a tete o povo do Quilombo urbano que tem o maior número de negros do Rio de Janeiro, conversamos e ouvimos o povo sofrido, oprimido e aterrorizado. Ouvimos crianças que nos pediram pelo amor de Deus para retirar a polícia dali, porque eles não as respeitam, não podem brincar nas ruas. Uma menina de doze anos relatou que um policial lhe dera um beijo na boca e apalpara seus mamilos.
Naquela mesma manhã da visita, uma mulher homossexual havia tido sua casa invadida pelos policiais que lhe apalparam o corpo e um deles lhe deu um beijo na boca dizendo que ela iria ficar viva porque ele a protegera e que ela jamais esqueceria aquele beijo. A cidadão dirigiu-se à 43ª DP que se negou a registrar a ocorrência, enviando-a para a 45ª onde a ocorrência estava sendo feita, mas, pasmem, naquele momento a delegacia estava cercada por carros do BOPE, segundo os moradores os mais violentos e desrespeitadores policiais da invasão.
Contudo foi muito interessante a participação da Coronel Priscila em nossa reunião. Uma mulher educada, evangélica, de excelente formação humana, negra e muito experiente. É membro do Estado Maior da PM. É a Comandante todas as UPPs, enquanto o Capitão Fernandes, também presente, é o Comandante da UPP do Jacarezinho. Fez uso da palavra de forma meiga e com autoridade. Ofereceu aos moradores a presença da Corregedoria da Policia Militar, transportada para o Jacarezinho para ouviras reclamações dos moradores. É uma tentativa que me parece não atender ás aflições dos moradores aterrorizados. Quem irá protege-los quando procurar a própria polícia para se queixar dos abusos de seu companheiros de farda, que envergonham a instituição e são indignos de vestir a mesma farda?
Enfim desse encontro ficou deliberado que os “mandatos” das deputadas ali representadas providenciariam a realização de uma Audiência Pública em local fechado, um colégio, uma Igreja, para proteger os denunciantes, gravariam esses relatos, encaminhariam com pedidos de providências ao Ministério Público e aguardaríamos as providências legais.
Leia também: Jacarezinho fala sobre conduta policial e ocupação na região – por Daniel Mazola
Além disso ficou acertado um convite ao Ministério Público para participar dessa Audiência pública e tomar as devidas providências. A presença do Presidente da Associação de Moradores Leonardo Pimentel e do representante da FAFERJ Felipe dos Anjos deu ampla legitimidade ao nosso encontro que espero se repita com outras entidades como a ABI que irá no próximo dia 17 de fevereiro.
Vamos dar proteção ao povo do Quilombo Jacarezinho.
SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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MAZOLA
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