Por Kakay –
“Fechei-me num quarto,
inventei outro Deus,
outro céu, outra terra
e outros homens.”
–Clarice Lispector.
É correto ressaltar que o mundo, na verdade, sempre teve suas bizarrices. Também é fato que elas, antigamente, pareciam mais leves e quase ingênuas. E passavam, em regra, quase despercebidas. Hoje, com a mídia 24 horas, o que acontece em uma pequena ilha perdida no oceano pode virar notícia.
Lembro-me de quando morava no interior de Minas Gerais, sem televisão, sem internet e sem WhatsApp, as coisas bizarras eram, geralmente, inofensivas. Na minha Patos de Minas, fazia muito frio e uma das excentricidades era frequentar velórios para passar o tempo, ter companheiros para uma pinga com biscoito cascudo e se esconder do frio. Os velórios eram realizados nas próprias residências e o caixão ocupava, solene, a sala principal.
Certa noite, um tio notívago e insone saiu à procura de um funeral como companhia. Viu um movimento na madrugada e entrou numa casa pequena. Percebeu, na hora, que era uma fria: pouca gente, sem bebida, sem comida e um silêncio sepulcral. Com a entrada dele, de família conhecida na cidade, houve um certo alvoroço e manifestações de alegria. Tornou-se impossível sair sem, pelo menos, algum tempo de solidariedade cristã.
Passados 30 minutos, ele resolveu mudar o clima. Falou alto que iria a um bar na esquina comprar uma pinga e um biscoito. Todos se manifestaram e começaram a dar algum dinheiro para a compra. A viúva, que ele não conhecia, emocionou-se com o gesto e sacou da bolsa uma nota. Ele respondeu, de forma cavalheira:
“A senhora não precisa dar dinheiro, já entrou com o defunto”.
Depois de escrever, na semana passada, o artigo “Mundo Bizarro, mas fica a dica” neste Poder360, lembrando de casos teratológicos, pensei que tinha esgotado o estoque de estranhezas. Falei sobre o ridículo da família real inglesa ao mobilizar a imprensa mundial por causa de uma estranha foto que teria sido modificada pela princesa Kate Middleton e que teria “abalado a imprensa mundial e inglesa”, segundo o sisudo Estadão.
Quedei-me perplexo com o idiota branco que agrediu uma criança negra de 4 anos porque ela havia abraçado seu filho no corredor da escola. E mostrei meu susto com o tal BBB, programa o qual pessoas se dispõem a ficarem enjaulados numa casa sem receber nenhuma notícia do mundo cá fora. Remeto-me ao hai-kai Infinito, de João Guimarães Rosa:
“Ó múmia longa, ante os teus séculos, eu durmo ainda…”
Mas, agora, deparo-me com uma notícia inacreditável. Uma senhora, dessas com uma boca enorme, resolveu tirar duas costelas para diminuir a cintura.
É isso mesmo. Andressa Urach tinha 72 centímetros de cintura e era infeliz. Com a cirurgia, ela espera diminuir de 6 a 18 centímetros. Para ajudar a empreitada, fez uma lipoaspiração para afinar ainda mais. Aproveitou e colocou 1.000 litros de silicone em cada mama para dar a impressão de que a cintura é ainda mais fina, proporcionalmente. Porém, o mais bizarro: ela postou no Instagram os ossos que foram extirpados da costela.
No artigo anterior, escrevi sobre a minha experiência como advogado criminal e analisei a angústia que deveria estar acompanhando Bolsonaro e seu bando neste momento pré-condenação e prisão. De lá pra cá, a situação do ex-presidente parece que piorou sensivelmente. Foi indiciado no inquérito de fraude no cartão de vacina, o que parece ser o 1º de uma série de indiciamentos.
Mas o pior é que, como que em um gesto de desespero, ele resolveu fazer sua defesa, no caso gravíssimo da investigação da tentativa de golpe de Estado, com manifestações políticas, fugindo da defesa técnica. Tal estratégia pode levar, sem dúvida, à caracterização de uma forma de obstrução de justiça que justifica uma indesejada custódia preventiva.
Tenho defendido, até por coerência constitucional, que a prisão do ex-presidente só deve ocorrer depois do trânsito em julgado de eventual condenação. Mas esse enfrentamento público, político, deliberado e provocativo à Suprema Corte pode ensejar a necessidade de uma prisão.
Por isso, prego a urgência na elaboração, pela competente Polícia Federal, do relatório referente ao grupo mais próximo do ex-presidente na responsabilização pela tentativa de subverter a ordem constitucional. A investigação, obviamente, continuaria, mas esse bando já poderia ser submetido à Procuradoria Geral da República. Com a apresentação da denúncia criminal, o processo fica sob o estrito controle da Corte Suprema e eles teriam que ser mais do que incautos para desafiarem o Supremo Tribunal.
Embora no campo das bizarrices, reconheço, que os bolsonaristas sejam imbatíveis. Merecem estudo algumas pérolas que foram apresentadas por eles: a defesa da Terra plana, a insistência em bater continência a pneus, a crença de que quem toma vacina pode virar jacaré, a tentativa coletiva de entrarem em contato com extraterrestres por meio de celulares na cabeça, o requerimento insano de que a Ditadura fosse instalada a fim de cumprir a Constituição e o pedido de socorro aos militares para, com uma intervenção que mataria a democracia, salvarem a democracia.
Enfim, em matéria de excentricidade, eles são imbatíveis. Vai ser interessante ver o que vão criar para justificarem as prisões. Parece que as cenas dos próximos capítulos nos reservam grandes e fortes emoções.
Recomendaria a leitura de Pessoa, no “Eremita da Serra Negra”:
“Se puderes, reza a Deus. Não é preciso acreditar nele para isso. Basta que saibas rezar”.
ANTÔNIO CARLOS DE ALMEIDA CASTRO, o Kakay, tem 65 anos. Nasceu em Patos de Minas (MG) e cursou direito na UnB, em Brasília. É advogado criminal e já defendeu 4 ex-presidentes da República, 80 governadores, dezenas de congressistas e ministros de Estado. Além de grandes empreiteiras e banqueiros.
Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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