Por José Carlos de Assis –
Conheço e tenho conversado com líderes de caminhoneiros autônomos que estão abertamente contra a manifestação convocada por radicais bolsonaristas para 7 de setembro, mas não consigo entender porque ainda existem outros, dentre eles, que se colocam a favor deste governo corrupto e antinacional. Os caminhoneiros, assim como donas de casa pobres e motoristas de táxi, estão entre os brasileiros mais sacrificados pela política de preços de combustíveis praticada pelo atual governo, e que foi adotada exclusivamente para viabilizar a privatização fatiada da Petrobrás.
Só existe uma explicação para isso: a incapacidade ou a deliberada má fé da mídia ao sonegar informações e esclarecimentos a respeito. E isso não é por acaso.
A política adotada pela Petrobrás é ininteligível inclusive para muitas pessoas de nível universitário, que dirá para pessoas simples que sequer têm o secundário completo. Ela só existe porque muitos dos que a compreendem e estão contra ela não conseguem explicá-la numa linguagem do povo. A discussão fica, assim, no âmbito daqueles que estão empenhados em defendê-la invocando fetiches e escamoteações.
O argumento dos manipuladores é que os preços dos combustíveis estão aumentando exageradamente acima da inflação porque acompanham os preços internacionais. Não se explica, porém, por que razão esses preços devem acompanhar os preços internacionais. A Petrobrás produz combustíveis com petróleo brasileiro, mão de obra brasileira, tecnologia brasileira, refinarias brasileiras. É praticamente autossuficiente. E os transporta com caminhões de brasileiros. O quê os preços internacionais do diesel, da gasolina e do gás de cozinha têm a ver com isso?
Enquanto empresa monopolista, a Petrobrás sempre praticou uma política de preços segundo o custo de seus produtos, mais uma margem de lucro razoável, para financiar investimentos, comum a todas as empresas estatais monopolistas. Por quê não continuou com essa política adotada ao longo de toda a sua história, que lhe permitia, inclusive, dar grande contribuição ao país para limitar o aumento da inflação, e que, entretanto, jamais lhe tirou o caráter de empresa altamente lucrativa? Para justificar a mudança da política, impuseram ao país uma história inteiramente falsa.
A estratégia era provar que a Petrobrás, vítima de uma quadrilha de diretores corruptos na época da Lava Jato, fora afetada em sua lucratividade e, com isso, prejudicara seus acionistas internacionais. Inventaram, ao mesmo tempo, que ela se havia endividado demais, em prejuízo dos mesmos acionistas. Era preciso, portanto, submetê-la às leis do mercado livre, tal como o pregado pela radicalização neoliberal do governo Temer, no infame programa Ponte para o Futuro. Mas como submeter a Petrobrás ao mercado se ela era uma empresa monopolista, que tinha fácil acesso ao mercado financeiro de empréstimos a prazo certo, que financiou inclusive a descoberta do pré-sal, em lugar se comprometer com dividendos de prazo infinito?
Privatizá-la por inteiro era imprudente. O povo não aceitaria. Então a solução era privatizá-la aos pedaços. Com quê justificativa? Alegando que se alguns pedaços dela, e não toda ela, fossem expostos ao mercado livre, seus produtos, sobretudo os combustíveis, seriam submetidos à concorrência, e os preços cairiam. Então começou a operação desmonte da Petrobrás, com a justificativa de que os consumidores teriam preços mais baixos, por exemplo, da gasolina, do diesel e do gás de cozinha, devido à entrada no mercado de competidores estrangeiros da Petrobrás.
Acontece que só grandes petrolíferas, pela dimensão do mercado, poderiam competir com a Petrobrás. E elas só entrariam aqui se tirassem do caminho a própria Petrobrás, cujos custos, no mercado interno, são muitíssimo mais baixos do que os delas. Aí então dois vendilhões da Pátria, Temer e Pedro Parente à frente, inventaram a fórmula do alinhamento dos preços da Petrobrás ao mercado internacional. Um preço internacional que não é preço internacional coisa alguma, mas uma conta de chegar ajustada para forçar a Petrobrás a aumentar seus próprios preços.
Foi exatamente isso: para dar condições às petrolíferas estrangeiras de entrar no mercado brasileiro, o governo Temer, e depois Bolsonaro, obrigaram a Petrobrás a aumentar os preços dos combustíveis, generalizando a inflação não só para os consumidores desses produtos, mas para toda a sociedade. E qual foi a mágica? Pegaram o preço do petróleo no Golfo do México, arbitraram os preços do transporte de lá para cá, mais seguros, impostos e outros serviços, e fizeram da evolução dos preços desse pacote a referência dos preços da Petrobrás, mais a variação do câmbio.
Saímos de uma situação em que a Petrobrás arbitrava os preços dos combustíveis segundo os seus custos, de baixo para cima, para uma situação em que ela segue um conjunto de preços arbitrários, de cima para baixo. Entretanto, para aperfeiçoar essa política, foi preciso dar um passo adiante. É necessário entregar às petrolíferas estrangeiras pelo menos metade das refinarias da Petrobrás.
Do contrário, um futuro governo popular pode ficar tentado a usar o poder de produção de derivados da Petrobrás a voltar à situação de preços pelos custos.
E como as petrolíferas estrangeiras vão comprar as refinarias? Usando nosso próprio dinheiro. Não precisarão de colocar um dólar aqui. Como a Petrobrás aumentou seus preços segundo o tal preço de referência internacional, elas concorrem com ela e já abocanharam mais de um terço do mercado com importações e venda de derivados aqui. Fazem caixa com o lucro e se preparam para comprar as refinarias com reais vampirizados do povo brasileiro. E, uma vez privatizadas as refinarias, entra logo dinheiro em caixa, sem a lentidão e os custos da mão de obra de construção.
Só isso? Ainda não. Com o alinhamento dos preços da Petrobrás ao tal preço internacional, seus lucros explodiram, à custa de caminhoneiros, motoristas de táxi, donas de casa que usam gás de cozinha e todo o povo que sofre os efeitos da inflação e da alta do câmbio. A propósito, a Petrobrás privatizou a distribuição de gás para a privada Ultra, assim como sua distribuidora de gasolina. O pressuposto é que os preços iriam baixar com a concorrência. Explodiram. Muitas donas de casa abandonaram o gás em favor da lenha e do carvão. A gasolina subiu mais de 50% até agosto, contra 8% da inflação.
O lucro da Petrobrás subiu espetacularmente. Alguém pode imaginar que o aumento dos lucros da Petrobrás, com sua política de preços, beneficia o Brasil. É um engano. Seu lucro é distribuído aos acionistas, e a maioria deles é estrangeira, pois seu capital foi aberto em Nova Iorque no governo FHC. Enfim, a privatização aos pedaços é um crime contra a Soberania Nacional. Até o agronegócio é prejudicado, por causa da alta dos transportes, ele que corre riscos adicionais também econômicos por causa das infâmias da família Bolsonaro contra a China, o principal comprador de seus produtos?
Para compensar, os custos dos combustíveis são repassados a caminhoneiros celetistas e autônomos. Os primeiros têm seus salários esmagados pela desproteção assegurada pelas reformas trabalhista e previdenciária; os segundos, pela ausência de um preço mínimo do frete, que o governo, atendendo aos donos do agronegócio, diz que não pode adotar por causa do livre mercado. A culpa da alta contínua dos preços dos combustíveis é então remetida ao ICMS, uma falsidade. Será que caminhoneiros e agroprodutores ainda iriam à manifestação do dia 7 se soubessem de tudo isso?
Por último, uma analogia. Imaginem que todo cafezinho no Brasil fosse produzido e vendido por uma única estatal monopolista. Ela calcularia seus custos, e poria uma margem de lucro para financiar sua expansão, de acordo com o crescimento da população. Foi assim que fez a Petrobrás, saindo de uma situação em que o Brasil não tinha petróleo para a condição de uma das maiores petrolíferas do mundo, abastecendo integralmente o mercado interno de combustíveis, a preços razoáveis, e eventualmente com subsídios cruzados – ricos pagam mais, pobres pagam menos.
Agora, imaginem que queiram fazer no Brasil o mercado livre do cafezinho. Cafezinho estrangeiro não consegue concorrer aqui por causa dos maiores custos. A solução encontrada seria, pois, aumentar arbitrariamente os preços do cafezinho brasileiro para facilitar a entrada no mercado interno do estrangeiro. E para ter certeza que isso iria durar para sempre, era preciso entregar quase de graça metade das cafeterias brasileiras aos produtores estrangeiros, tornando-os sócios do oligopólio privado interno do café, mais livre para aumentar preços que um monopólio estatal.
Isso de fato está acontecendo com a Petrobrás. É um esbulho da riqueza e da renda produzidas exclusivamente por brasileiros, com capital próprio estatal e do povo, inicialmente, e só depois repartido com estrangeiros em Nova Iorque. Com as pressões dos acionistas, a empresa, que descobriu o pré-sal recorrendo a empréstimos, substitui estes últimos por mais capital privado estrangeiro. Trocou juros, uma obrigação por tempo definido, por dividendos, uma obrigação eterna.
A Petrobrás vai sendo desnacionalizada à revelia de seus criadores, o povo brasileiro.
JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política; Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964; Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro; Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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