Por Ricardo Cravo Albin –
“Os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente pela mesma razão”. (Eça de Queiroz).
O querido mestre Sobral Pinto, a meu juízo o perfil mais bem acabado do que eu chamaria cidadão exemplar ou herói brasileiro, roçando a perfeição pelos sentimentos entrelaçados de bondade, justiça e sabedoria, me disse certa vez que jamais se acostumaria com a gangorra das tragédias dos costumes políticos nacionais, a continuarem teimosamente a infestar o país em nunca acabar. “Uma sucessão de sem vergonhice” – bradava o grande homem. Isso vem a propósito da citação arrolada já no título acima, quando me refiro às lutas na ordem do dia, a contra a pandemia que parece arrefecer e a contra a corrupção que, ao contrário, se aquece a olhos vistos.
Isso já vem de longe, desde que o procurador geral Aras abriu as porteiras no exato momento em que pulverizou a Lava Jato. Terá sido a senha mais adequada para que políticos à esquerda, ao centro e à direita gritassem a uma só voz o “Oba, unidos venceremos” mais tonitruante dos últimos tempos. O desmonte do aparato montado pela Operação de Curitiba, aquinhoado por transversos ministros do STF, é meticuloso e ardiloso a um só tempo. A trama passa por novas legislações, posições políticas de sutil desfaçatez e ações administrativas que antes não pareceriam ter qualquer sentido porque impensáveis.
É ver para crer, meus caros leitores. Depois da flexibilização da Lei da Improbidade Administrativa aprovada no Congresso Nacional logo ela foi apelidada por nós, aflitos eleitores, de lei da impunidade geral. De fato, o legislativo não tem perdido oportunidade para tentar pulverizar o trabalho da justiça, dos procuradores e da decência pública. Claro como água que em vez de reformar os tantos artigos já claudicantes (quando não suspeitos) os parlamentares se esmeraram em criar normas para dificultar o combate à corrupção. Foi o caso das regras que exigem comprovação de dolo para a condenação por nepotismo de ocupantes de cargos eletivos. -Ora, por quem sois, diria envergonhado o eciano Comendador Acácio: a mera nomeação de um parente deveria estar sujeita a sanção. E ponto final.
Outra gracinha a deleitar Eça de Queiroz há mais de cem anos seria o artigo que permite ao Ministério Público pagar honorários dos advogados dos réus quando as ações forem improcedentes. A mudança, por óbvio, intimidará os procuradores em busca da verdade e do crime. Para culminar o fogaréu ateado a favor da corrupção, a Câmara se viu frente a uma emenda constitucional, isso de afogadilho sem sequer ter sido aprovada em comissão especial. Essa impropriedade, quase escândalo, aumenta em 50% as indicações dos parlamentares dentro dos assuntos no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público). A boiada passaria toda para o apadrinhamento e os diretos interesses políticos. O conteúdo e a tramitação acelerada dessa PEC, uma interferência indevida, foram de fato encarados com repúdio pela consciência limpa do país. O famigerado golpe ao combate a corrupção saiu de pauta ontem porque seus autores (deputado Paulo Teixeira, do PT-SP e Paulo Magalhães do PSD-BA) se defrontariam com derrota em plenário. Mas a batata, quentíssima, está em acelerado cozimento, já que o atento Presidente Artur Lira garantiu que levaria a PEC à votação assim que ele e o Centrão amealhassem os votos necessários no plenário (308 no mínimo, para mudança de norma constitucional).
O impedimento moral é ignorado solenemente por muitos dos votantes. Seria importantíssimo que os eleitores dessa gente soubessem da tramoia de seus representantes a votar em causa própria, especialmente quando muitos parlamentares foram condenados ou estão sob investigação por crimes de corrupção.
O voto em causa própria é tão vergonhoso quanto deputados xingarem as mães dos seus eleitores. Eles, de fato, fazem isso. Sem tirar nem por.
PS1: Em fase de lançamento pela Editora Batel na rede de Livrarias Travessa, o livro “Pandemia e Pandemônio” deste cronista, com recomendações dos cientistas Margareth Dalcolmo e Jerson Lima, bem como da escritora Nélida Piñon.
PS2: Aplausos sempre de pé a Fernanda Montenegro, candidata única à Academia Brasileira de Letras.
RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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