Por José Carlos de Assis –
Ao final da Segunda Guerra Mundial, graças às advertências de Churchill denunciando os riscos do avanço do socialismo real na Europa (a Cortina de Ferro), o mundo partiu-se em dois campos ideológicos que se radicalizaram até o fim da Guerra Fria.
Nesse ambiente, um pequeno grupo de países do norte europeu construiu um fantástico sistema social, acima do capitalismo selvagem e do comunismo soviético, com base em pactos sociais, que poderia ter sido o modelo das novas sociedades mundiais.
Não foi. A maior parte da humanidade preferiu seguir o caminho antigo dos conflitos sociais e políticos a testar os regimes que vieram a ser conhecidos como sociais-democracias, testados em nações como Suécia, Noruega e Dinamarca. Com isso, não houve a síntese dos dois sistemas, socialismo real e capitalismo radicalizado, prevista teoricamente por Hegel e pelo próprio Marx em suas teorias. O mundo congelou na Guerra Fria, surgindo, depois dela, a atual “guerra de blocos” que nos leva às bordas da extinção.
A meu ver, a salvação da maioria dos países individualmente e do próprio planeta como um todo depende da volta às concepções originais da social-democracia. A ideia da luta de classes “entre burgueses e trabalhadores” como vetor da história simplesmente esgotou-se, já que, dada a complexidade da sociedade moderna, a cidadania já não é composta por apenas duas classes no campo econômico, burguesia e proletariado, mas por várias delas no campo social, cultural, estamental, de gêneros, cada uma com seus interesses. A política tem que dar resposta a demandas de todas elas.
Portanto, para terem estabilidade, os governos têm que se submeter a essas diferentes demandas, que precisam ser conciliadas entre si, como se vê na atual formação do governo Lula. É preciso, assim, que lideranças sociais participem ativamente da ação política para a tomada de decisões que certamente não vão agradar a todo mundo, mas que agradem pelo menos a maioria. Este é o papel dos Pactos Sociais. É através de acordos nas mesas dos Pactos que se pode encontrar o caminho político virtuoso da Social Democracia.
É claro que o mundo não parece estar se dirigindo espontaneamente nessa direção. Vivemos momentos de graves crises, que exigem a atuação decidida de grandes líderes sociais e políticos, do tipo que se viu no passado com Gandhi, Luther King, Mandela e outros. Não se vê nenhum por enquanto. Talvez por isso se venha a criar alguma pressão de baixo para cima por necessidade social. A força coletiva de uma cidadania que, a partir de grupos limitados, vá se expandindo para movimentos sociais mais amplos, pode ser o instrumento para a efetiva mudança social-democrata.
Nesse momento, no Brasil, logo depois de eleições disputadas com extrema radicalização, teme-se que não consigamos encontrar meios para grandes acordos sociais. Contudo, temos a sorte de termos eleito um presidente que não se move por propósitos de vingança. O que interessa a ele, como repete explicitamente, é recuperar as bases de desenvolvimento do país, criar tecnologia e empregos, e enfrentar a miséria. Mesmo porque, se não seguir esse caminho, seu governo pode fracassar.
A hora é, pois, de um grande Pacto Social.
Não deve haver discriminação em relação aos que se opuseram ao método da eleição, e mesmo à posse do novo presidente. Todos os que manifestem um explícito propósito de participar da retomada do desenvolvimento inclusivo devem ser aceitos na mesa de negociação. É normal que, na opinião pública, haja ressentimentos por conta dos ataques anteriores. O importante, porém, é o que está por vir. E o que está por vir depende de nossa capacidade de convivência como povo civilizado, por cima de radicalizações de esquerda ou de direita.
Conversei há pouco com um dos grandes líderes políticos brasileiros, Roberto Requião – governador por três vezes e senador por duas no Paraná, infelizmente derrotado na última eleição por um poderoso esquema midiático-financeiro -, e não senti nele qualquer sinal de ressentimento. Requião continua dedicado a suas antigas convicções de defesa intransigente do nacionalismo e do desenvolvimentismo econômico e social, indiferente a apelos para “vingança” contra os ex-dirigentes do país, não obstante tenha sempre discordado deles.
É esse espírito que deve orientar a reconstrução depois da verdadeira saga de destruição por que o país passou nos últimos sete anos. Sem ódio. Nossa alternativa, como mencionado, é encontrar um caminho entre “socialismo real, ou comunismo”, e capitalismo radicalizado (o capitalismo financeiro de Davos ou da Globalização). Esse caminho, insista-se, é a Social Democracia Europeia. Em termos bastante práticos, temos de optar entre uma economia de “produção”, capaz de produzir riquezas, e a “economia de especulação”, que só produz papéis. Esse caminho já existe no norte da Europa. Podemos simplesmente aproveitá-lo como modelo de sociedade política e econômica.
Uma razão específica para que busquemos essa alternativa é o próprio resultado das eleições presidenciais. A sociedade brasileira está objetivamente dividida. Se não houver uma tentativa mínima de conciliação acabaremos numa guerra fratricida, sem vitoriosos, e todos perderemos.
Não há ainda compreensão sobre isso em todos os níveis da sociedade, mas, na medida em que o novo governo apresente resultados positivos concretos, teremos uma espécie de “pedagogia da realidade” operando em favor dele e da estabilidade social.
JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política; Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964; Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro; Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica. Autor de “A Era da Certeza”, que acaba de ser lançado pela Amazon. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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