Por Antonio Veronese –
Como um coice recebi a notícia da morte de Aderbal Freire Filho. Primeiro o susto! Depois o vazio.. o vazio que é tudo que resta quando perde-se algo inestimável. Insubstituível!
A primeira vez que Aderbal “mexeu” com a minha cabeça eu tinha apenas 20 anos. No Teatro Ipanema uma professora genial, interpretada por Marilia Pêra, desvelou-me a batuta mágica desse contador de historias e artesão de sonhos. E ele tinha “apenas” pouco mais de trinta anos!!
Depois vieram montagens inesquecíveis, das quais não consigo mais precisar a cronologia, mas que me tocaram para sempre como a A Mulher Carioca, Turandot… Lembro-me que depois de ver Sonata de Outono, de Bergman, vaguei pela ruas noite a dentro, como que sob o efeito de uma over dose. Lampião, Xambudo, Rei Diabo do Brasil, No verão, Isabel, Depois do filme….. Entre suas traduções e adaptações Turandot; Luzes de Boemia; Casa de Boneca; Hamlet e Macbeth, Na Selva da Cidade… Ganhador do Molière, do Golfinho de Ouro; do Prêmio Shell inúmeras vezes … Muitos anos, peças e interpretações depois, mudei-me para a França e deixei de acompanhar o trabalho de Aderbal. Mas a vida nos reserva surpresas venturosas…
Em 2014, em minha casa nas profundezas da Floresta de Fontainebleau, na França, recebo um telefonema;
– Antonio, tudo bem? Aqui é o Aderbal… Eu e Marieta estamos em Paris. Podemos ir aí visitar o teu atelier?
Claro que sim, respondo, na expectativa de uma conversa deliciosa com dois artistas tão sensíveis e talentosos. Mas Aderbal havia me preparado uma surpresa.
Dois dias depois ele desembarca no meu atelier no meio do mato com uma “trupe’ completa; dois carros, dois câmeras “men”, um iluminador, um técnico de som e a sua linda Marieta a tiracolo.
– Antonio, será que a gente pode fazer uma entrevistazinha?
Por essas coincidências que somente o passar do tempo reveste de significados, doze anos antes algo muito parecido já havia acontecido comigo. Quando eu ainda passava totalmente “desapercebido” aos críticos de arte dos jornalões brasileiros, um dia vi o grande diretor Sérgio Brito entrar em minha casa na Avenida Niemeyer para fazer comigo, o que fora, até então, a melhor entrevista de minha vida. E não é que, doze anos depois, Aderbal, então o mais importante diretor de teatro vivo no país, também desembarca em minha casa com um microfone na mão? E foram estas as duas entrevistas, a dois dos maiores nomes do teatro brasileiro, as melhores que dei em toda a minha vida!
Aderbal tinha o talento de Midas: tudo que tocava virava uma ode à vida, uma sinfonia inebriante aos sentidos. Era desses caras que, indiferente à liturgia de seu talento único, entregava-se à vida com embriaguez, garimpeiro de emoções e sentimentos… Seu carisma, empatia e emotividade contagiavam a todos desde o primeiro lampejo de sua presença. Que sorte teve quem pôde bater um papo com esse cara!!… Ele, como Sérgio Brito, era um verdadeiro uomo universalis no sentido mais profundo do termo. Sabiam de tudo, conheciam tudo, mas não abdicaram da paixão da partilha, da troca e da escuta. Talvez por isso vieram ambos ao encontro desse pintor exilado de todos os caprichos mundanos… Eles tinham ouvidos para as estrelas, mas para os pequeninos também..
A entrevista que Aderbal fez comigo, prolongada por duas edições semanais diferentes no seu programa na TVE do Rio de Janeiro, está disponível àqueles que tiverem a curiosidade, no youtube. Mas eu quero aqui é revelar os bastidores dela: a doçura de Adebal, sua lucidez, o brilho fulgurante do seu olhar durante os diálogos, a grandeza de sua paciência com esse pintor falador, seu carinho com sua Marieta. Sem me dar conta, o entrevistado era eu mas o regente era ele, diretor sensível e que sabia tirar de seus personagens o melhor deles mesmos.
Hoje a vida ficou mais triste e a dramaturgia brasileira muito mais pobre. Eu ousei sonhar com tua recuperação, Aderbal.. Ainda que fosse apenas pra dizer; tudo bem, amigo? Quando é que a gente toma um vinho outra vez? Mas fui atropelado pela pata pesada da realidade.
Descanse em paz, menino que jamais envelheceu, poeta de todas as palhetas, feiticeiro e pajé, alquimista, visionário, navegador de horizontes…
Tu não serás jamais esquecido, admirável Aderbal.
ANTONIO VERONESE – Pintor brasileiro autodidata com uma obra considerável, realizou centenas de exposições individuais, tem obras expostas em numerosos museus, coleções públicas e privadas nos Estados Unidos, Suíça, França, Japão, Chile e Brasil. Colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre, representante e correspondente internacional em Paris, França; Radicado na França desde 2004, antes de deixar o Brasil deu aulas de arte para menores infratores nos Institutos João Luiz Alves, Padre Severino e Santos Dumont, no Rio de Janeiro, e no Caje de Brasília. Utilizou a pintura como forma de reabilitação psico-pedagógica dos adolescentes entre 12 e 18 anos com a bandeira” estética é remédio!”. Alguns dos trabalhos produzidos pelos jovens foram expostos em Genebra (Suíça), no Salão Negro do Congresso Nacional, em Brasília, e na Universidade de San Francisco, nos Estados Unidos. Em 1998, representando o Brasil no Encontro de Esposas de Chefes de Estado, cobrou da então primeira-dama, Ruth Cardoso, medidas para tirar das ruas crianças abandonadas, tendo recebido o apoio de Hilary Clinton. Pela denúncia da violência contra menores no Rio de Janeiro, que faz através de sua pintura e de engajamento constante deste 1986, Veronese foi convidado à Comissão de Direitos Humanos da ONU – em Genebra, para proferir palestra, lá causou grande indignação ao apresentar fotografias de 160 crianças, marcadas por cicatrizes massivas decorrentes da violência urbana, doméstica e policial.
www.antonioveronese.com #antonioveronese
Antonio Veronese, Italian-Brazilian painter, lives in France since 2004. He is the author of «Save the Children», symbol of th e 50th anniversary of the United Nations, and «Just Kids» symbol of UNICEF. As well of «La Marche», exhibited in the Parliament of Brazil since 1995, and «Famine», exhibited since 1994 at the Food Agriculture Organization for United Nations (FAO) in Rome.
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