Por João Batista Damasceno –
Analisando o período bonapartista, um filósofo escreveu que os fatos e personagens da história ocorrem duas vezes: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa. A história do Imperador Maximiliano foi um episódio trágico da história do México.
Napoleão III foi o primeiro presidente eleito diretamente pelo voto popular na França, na metade do século XIX. Impedido de concorrer à reeleição, deu um golpe e depois se proclamou imperador. Acreditava ser possível governar acima dos interesses dos setores que compõem a sociedade. E claro, sucumbiu!
Apoiado pelo clero e pelas Forças Armadas, Napoleão III descuidou dos interesses concretos da sociedade. Para satisfazer as massas empreendeu políticas assistenciais, gastando mais que o erário permitia. No exterior, pretendeu ampliar o poder da França. É do seu período a expressão América Latina. Foi uma tentativa de se contrapor aos interesses dos Estados Unidos que, na divisão neocolonialista do mundo, que pretendiam a América para os americanos, ou seja, a América do Norte, do Sul e Central deveriam ficar sob a influência estadunidense.
Dentre as atuações imperialistas, como a participação na Guerra da Crimeia de 1854 a 1856 que hoje se reacende em nova versão no conflito da Rússia com a Ucrânia, Napoleão III pretendeu entronizar Ferdinand Maximiliano de Habsburgo como Imperador do México.
As ambições expansionistas da França não surtiram bom resultado. A história registra que Ferdinand Maximiliano foi um golpista a serviço de outro golpista, o próprio Napoleão III. Ferdinand Maximiliano era austríaco da Casa de Habsburgo, era primo de D. Pedro II; seu pai era irmão da Imperatriz Leopoldina, mãe de Dom Pedro II. O amarelo da bandeira brasileira, que muitos se enrolam como se fosse símbolo nativo nacional, é referência à cor daquela casa imperial europeia: o amarelo de Habsburgo, assim como o verde se refere à casa portuguesa de Bragança.
Como os EUA estavam totalmente arrasados em decorrência da Guerra de Secessão, que aboliu a escravatura, Napoleão III acreditou que seria possível restaurar a presença francesa no continente americano se contrapondo aos interesses da Inglaterra. Foi neste cenário que um austríaco foi levado ao México para ser imperador de um povo e de um país que não conhecia. Demagogicamente se esforçou para se aproximar do povo e usava roupas nativas nas cores locais, se enrolava na bandeira do México e aprendeu a falar espanhol. Mas, não tinha condições de atender aos interesses concretos dos diversos grupos sociais: clero, conservadores e liberais.
O clero reivindicava a devolução das terras que se achava dono desde que ocupara o México e ajudara a dizimar os Astecas, apropriando-se dos seus valores materiais e imateriais. Por não poder atender a todas as exigências do clero e tendo que tomar algumas medidas contra os conservadores para conquistar o apoio das massas, Maximiliano perdeu o apoio destes setores. Os liberais sempre o consideraram um usurpador.
Sem demora, o imperador austríaco no México, entronizado por Napoleão III, foi colocado diante de um pelotão de fuzilamento.
A primeira referência que se tem registrada dos brasileiros como pessoas cordiais é de Ferdinand Maximiliano. Ele a escreve para o primo D. Pedro II dizendo que mexicanos e brasileiros eram homens cordiais e que os impérios deveriam se apoiar reciprocamente. Veio ao Brasil visitar o primo, mas não contou com o apoio do imperador brasileiro, muito mais preocupado em manter seu trono e as relações com a Inglaterra.
É da troca de correspondência do cônsul brasileiro na França, Ribeiro Couto, com o embaixador do México no Brasil, Alfonso Reyes, que a expressão homem cordial se popularizou. Ribeiro Couto, autor do romance Cabocla, escreveu ao embaixador mexicano no Brasil que não somos nativos, nem africanos, nem ibéricos. Somos um novo povo, resultante de muitos povos e nossa contribuição ao mundo seria o homem cordial.
O tema foi apropriado por Sérgio Buarque de Holanda autor de Raízes do Brasil, gerando debate com Cassiano Ricardo para quem a cordialidade não era bondade, mas comportamento não balizado pela racionalidade. Tanto a bondade quanto o ódio podem ser cordiais. Cordial vem de cordis e expressa comportamentos ditados pelo coração, diversos dos comportamentos racionais decorrentes do uso do cérebro.
Talvez sejamos mesmo cordiais, no sentido empregado por Cassiano Ricardo. Daí a cultura do ódio que se alastra no presente momento. Em fim de campeonato de futebol e em períodos eleitorais a venda de ansiolíticos deve diminuir. O povo se entorpece com a torcida pelo time ou pelo candidato preferido, mesmo que sejam candidatos que preguem o ódio e atuem contra os seus reais interesses. Sem fazer parte do time em campo ou da cartolagem, os torcedores se esgoelam contra os seus próprios interesses atuais e futuros.
Mas analisando o período bonapartista, um filósofo escreveu que os fatos e personagens da história ocorrem duas vezes: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa. A história do Imperador Maximiliano foi um episódio trágico da história do México.
JOÃO BATISTA DAMASCENO é Doutor em Ciência Política (UFF), Professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Membro do Conselho Consultivo do Jornal Tribuna da Imprensa Livre; Colunista do Jornal O Dia; Membro e ex-coordenador da Associação Juízes para a Democracia; Jornalista com registro profissional no MTPS n.º 0037453/RJ, Sócio honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros/IAB, Conselheiro efetivo da ABI. Texto publicado inicialmente em O Dia.
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