Redação –
Em pouco mais de 7 horas de depoimento à CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid no Senado, a médica oncologista Nise Yamaguchi disse não ter pedido alteração na bula da cloroquina para que o medicamento pudesse ser indicado para tratar a covid-19, tampouco ter integrado um “gabinete paralelo”, embora tenha colaborado com diversos órgãos do governo federal de maneira informal. Ela afirmou ainda que há uma “demonização” e “destruição” do tratamento precoce e que ele “tem salvado vidas”.
Assim como aliados de Jair Bolsonaro que foram ouvidos pela comissão, Yamaguchi evitou responsabilizar o presidente sobre qualquer problema no enfrentamento à pandemia. Apesar de ser apontada com frequência como aliada, a médica disse que seu intuito é ajudar o país e não pretende se associar a nenhum governo. Ela citou como exemplo ter atuado nas gestões de Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula da Silva. “Participação em governos é comum e os cientistas são sempre solicitados”, disse.
Yamaguchi disse que ela e Bolsonaro nunca estiveram a sós e não conversaram sobre vacinas. O presidente, no entanto, a questionou no ano passado sobre dados científicos da hidroxicloroquina e ouviu como resposta que “os médicos estavam divididos e que existia uma discussão com relação à parte científica do medicamento”.
“Eu fiz reunião com o Conselho Federal de Medicina para caracterizar o que tinha de científico. A dúvida dele era ao tipo de possibilidade com relação ao que estava acontecendo no mundo. Ele estava curioso para saber por que o Brasil e a França estavam em contato e queriam também discutir a questão da disponibilidade do medicamento em relação a esse momento tão difícil”, disse.
A médica disse não ter sido responsável por qualquer elaboração ou sugestão de minuta para alterar a bula da hidroxicloroquina, para que o medicamento fosse indicado para o tratamento da covid-19. Em depoimento à CPI, o presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta disseram que a médica havia apresentado a proposta em reunião no Palácio do Planalto no ano passado. De acordo com a médica, o encontro citado aconteceu em 6 de abril de 2020 e “não existiu ideia de mudança de bula por minuta e nem por decreto [presidencial]”.
A médica, no entanto, admitiu que tinha conhecimento de um esboço de decreto nesse sentido que foi apresentado a ela pelo tenente-médico Luciano Azevedo na reunião. Yamaguchi entregou aos senadores documentos que mostram que ela orientou Azevedo a não prosseguir com o decreto porque ele “exporia muito o presidente“. “Nunca se faz um decreto para fazer nem pesquisa clínica e nem bula. E imagina colocar isso na mão… tanto é que isso nunca foi para a mão do presidente“, disse.
Aos senadores, ela afirmou que, entre cientistas, sempre vai ocorrer uma discussão em que cada um coloca sua opinião. “O que a gente não pode é impedir os médicos de expressar a sua opinião, baseado naquilo que já está publicado. Então, existe ciência. A ciência caminha dos dois lados”, disse.
Questionada sobre se eles haviam mentido, Yamaguchi disse que ambos deveriam apresentar a minuta a qual se referiram. De acordo com ela, a discussão no encontro era sobre se haveria o fornecimento do medicamento no país.
A oncologista disse aos senadores ter participado de almoços e reuniões no Palácio do Planalto como convidada e também ter estado em uma reunião do gabinete de crise do governo federal. Esses convites, no entanto, foram sempre informais e feitos por telefone, de acordo com ela. Um desses contatos foi feito pela secretária de Jair Bolsonaro e outros foram feitos por representantes da Secretaria de Governo quando o general Luiz Eduardo Ramos era ministro.
Questionada pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) sobre se a participação informal não caracterizaria um “aconselhamento paralelo”, Yamaguchi disse que não. “Eu realmente nunca tive uma formalização de participação em comitê de crise nenhum. […] Isso é uma consultoria eventual, que faz parte, inclusive, de regulamentação específica para pessoas técnicas”, disse.
Yamaguchi foi convidada a prestar esclarecimentos à comissão por supostamente integrar um gabinete paralelo que, segundo os integrantes da CPI, teria sido criado para municiar o presidente com informações sobre o tratamento precoce da covid-19 com o uso de medicamentos como a cloroquina, que não tem eficácia comprovada contra a doença. A médica é uma das principais defensoras do remédio.
“Não tenho partidos políticos e estou aqui sem conflitos de interesse, não tenho nenhum ganho pessoal. […] Sou colaboradora eventual e participo como médica, cientista, chamada a opinar em reuniões técnicas, com setores governamentais. […] Entendo que o governo é um só”, disse.
Ela confirmou conhecer o empresário Carlos Wizard e o ex-assessor especial da Presidência Arthur Weintraub, tido pelos integrantes da CPI como os coordenadores do suposto gabinete paralelo. A médica negou ter sido convidada para ser ministra da Saúde e disse que o convite pode não ter sido feito porque ela sempre deixou claro que tem milhares de pacientes que dependem dela.
Yamaguchi defendeu o chamado tratamento precoce e disse que há evidências de que ele salva vidas porque diminui o número de pacientes que podem evoluir para a forma mais grave da covid-19. “A gente acredita que tem evidências científicas bastante robustas de que é uma droga segura e eficiente”, disse. Ela afirmou que há uma “demonização do tratamento precoce” no país e que a tentativa de “destruí-lo” é muito “séria e grave”.
“Devemos nos levantar veementemente para defender a nossa honra”, disse. Ela entregou cerca de 100 documentos à comissão em que diz haver comprovação da efetividade do tratamento com medicamentos como a hidroxicloroquina, que não tem eficácia comprovada.
Ao longo de sua fala, ela tergiversou sobre defesas anteriores da tese da imunidade de rebanho e disse que sua posição em relação ao tema se deu em momentos anteriores da pandemia. “Naquele momento era bastante conveniente e necessária a discussão”, disse. Ela ressaltou, no entanto, que a imunidade de rebanho só seria atingida com infecções naturais e vacinação, além do tratamento precoce.
Para o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), o depoimento da médica foi um “baita engodo” porque ela não conseguiu apresentar nenhum estudo sério sobre a eficácia de medicamentos como a cloroquina.
EMBATES
A oitiva de Yamaguchi foi marcada por diversos embates com senadores, que reclamaram tanto do conteúdo apresentado quanto pela forma com que a médica respondia. Até mesmo o governista Jorginho Mello (PL-SC) se alterou e pediu que ela dispensasse “os floreios” e parasse de “explicar demais”.
Aziz protagonizou uma das maiores discussões. No início da sessão, ele chegou a dizer que havia conversado com amigos da oncologista e que eles disseram que ela era uma “pessoa muito honesta” e com “grande sensibilidade”.
Horas depois, porém, ele acusou Yamaguchi de mentir à comissão quando ela ratificou declarações anteriores em que defendia o tratamento precoce como forma de salvar vidas na pandemia e que, por isso, a vacinação de toda a população não seria necessária. Ele chegou a pedir para que quem estivesse assistindo à CPI não ouvisse os dizeres da médica.
“Não escutem o que ela está dizendo. Todos os brasileiros precisam de duas vacinas. […] Quem está nos vendo neste momento não acredite nela, tem que vacinar. A vacina salva, tratamento precoce não salva”, disse Aziz. O senador disse ainda que a “voz calma da médica convence as pessoas”.
O senador Otto Alencar (PSD-BA), médico de formação, usou seu tempo para fazer perguntas básicas sobre doenças virais a Yamaguchi para testar seus conhecimentos sobre o coronavírus. “A senhora não sabe nada de infectologia. Nem estudou, doutora. A senhora foi aleatória mesmo, superficial. O Covid-19 é da família dos betacoronavírus”, disse, diante da falta de algumas respostas.
O congressista disse ainda que Yamaguchi estava apostando “no escuro” ao recomendar o uso de hidroxicloroquina. “A senhora apostou numa droga que podia dar certo ou não. Essa é a grande realidade. E a ciência, doutora, por mais que a senhora seja formada e tenha curso, não admite isso. É apostar no escuro”, disse.
***
CPI da Covid marca novo depoimento de Queiroga para 8 de junho
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, será novamente ouvido na CPI da Covid na próxima 3ª feira (8.jun.2021). O cardiologista já havia prestado depoimento na comissão há cerca de 1 mês, em 6 de maio, mas alguns senadores consideraram que ele fugiu de questionamentos.
A data para a nova oitiva foi acordada em reunião com o presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM), o vice, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e o relator, Renan Calheiros (MDB-AL).
A comissão investiga o uso do dinheiro federal que foi enviado para cidades e Estados, além de supostas omissões do governo federal no combate à pandemia.
No início de maio, Queiroga falou aos senadores por cerca de 9 horas e a defendeu vacinação rápida e em massa da população. O ministro também evitou perguntas que pudessem o colocar em rota de colisão com seu chefe, Jair Bolsonaro, como as relacionas ao uso da cloroquina e do chamado “tratamento precoce” –sem eficácia científica no combate à covid-19.
Fonte: Poder360
MAZOLA
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