Por Miranda Sá

“Não importa o que tenhamos a dizer, existe apenas uma palavra para exprimi-lo, um único verbo para animá-lo e um único adjetivo para qualificá-lo” (Guy Maupassant)

Sempre procurei aprender línguas estrangeiras, mais para ler do que para falar. Como venho do tempo em que estudávamos no Ginásio, em três períodos, o Latim, não foi tão difícil entender as chamadas línguas neolatinas. Mas o verbo sempre constituiu um problema; na leitura acerta-se pelo sentido da frase, enquanto na linguagem falada é uma tremenda dificuldade.

O Fantasma do Verbo me persegue ainda mais nos idiomas anglo-saxônicos, grego e eslavos. Na sua presença é quase impossível superar a assombração desconexa, principalmente na língua inglesa falada nos EUA, onde as palavras são abreviadas.

A gente pula os obstáculos enfrentando ousadamente a conjugação dos verbos. É para isto que foram criados e se multiplicam nos dicionários especializados; no meu tempo tínhamos o “200 Verbos Franceses” de Maurice Huet, e dos ingleses, a edição portuguesa do Dicionário Académico.

O Verbo indica a palavra que situa as ocorrências temporais, uma ação, um estado, um fenômeno ou um processo sócio-político. Por isso, flexionam-se em aspecto, modo, número, pessoa, tempo e voz.

Dicionarizado, Verbo é um substantivo masculino que do ponto de vista semântico impõe o conceito de uma frase, oração ou pensamento. Nas expressões coloquiais, processam a conversação com alguns que os são adaptados quase instantaneamente, ou criados embora inicialmente com uso reduzido, mas se expandindo depois e aceitos pelo vocabulário oficial…

Pelo uso quase obrigatório da Internet, os verbos fortalecem o novo palavreado imposto pelo chamado “internetês” – a linguagem dos computadores -, e são muitos; e alguns deles passaram a ser correntes no dia-a-dia, como adicionar, blogar, bloquear, bombar, deletar, escanear, formatar, googlear, sextar, postar, tuitar, vazar e zipar…

Entre todos, se fixou o “Deletar”, tradução do inglês ‘to delete‘ – tão importante que tem um lugar especial no teclado universal pela amplitude do seu uso. Traduz-se como anular, apagar, cancelar, desmanchar, excluir, extinguir, suprimir.

O jornalismo atual, surfando na onda prevista por Joseph Pulitzer ao dizer que um dia teríamos “uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta, que formará um público tão vil como ela mesma”, adota a verbosidade ao próprio interesse. É useira e vezeira em usar o “deletar” como apagar, desmanchar, esconder e omitir…

Outro dia, recuperando-me da enfermidade que me levou à cama, folheei anotações feitas no ano passado sobre a implicação do cardinalato católico do Rio de Janeiro na Operação S.O.S, um desdobramento da Lava Jato. E este caso trouxe-me à lembrança o verbo deletar, para a delação premiada de Wagner Augusto Portugal, o ex-braço direito do cardeal Orani Tempesta.

Pela importância de se ligar ao esquema de corrupção implantado pelo ex-governador Sérgio Cabral na Saúde, registrou-se a Cúria pressionando por elevados pagamentos à entidade católica Pró-Saúde, administradora de vários hospitais estaduais do Rio de Janeiro, onde o delator, Wagner Portugal, era um dos representantes.

Seduzida e implicada com as ações criminosas da quadrilha Lula-Cabral no Rio de Janeiro, a Igreja Católica foi investigada por crime de peculato e outras irregularidades, e consta de depoimentos do arquicorrupto Sérgio Cabral.

Tudo neste capítulo da novela sobre a corrupção no Rio de Janeiro foi deletado, o que parece normal num Estado que tem quatro ex-governadores presos por corrupção e num País onde se mexeu com um órgão como o Coaf para favorecer achegados ao poder, onde se cria “juízes de garantia” para ajudar bandidos e se negaceia a abertura da “caixa preta” do BNDES por pressões políticas.