Por Daniel Mazola

Antes de se propor qualquer forma de legalização do jogo, é importante ter em mente que o negócio da jogatina no Brasil é barra pesada. Como jornalista e pesquisador do tema, recomendo “Os Porões da Contravenção”, de Aloy Jupiara e Chico Otávio, é leitura obrigatória. Lançado em 2015 pela Editora Record, apresenta uma infinidade de eventos subterrâneos que raramente são acessados por repórteres investigativos, episódios que, sendo do reino da contravenção, impactam diretamente a política formal dos salões da República.

Chico Otávio é jornalista respeitado, participou de uma notável geração de repórteres de O Globo, nos tempos em que a reportagem de fôlego (grandes matérias investigativas) ainda não tinha sido abolida das páginas dos jornalões. “Os Porões da Contravenção” mostra o relacionamento íntimo do SNI (Serviço Nacional de Investigações) e dos militares que comandaram os atentados do Riocentro com o bicho. As 266 páginas apresentam um vasto perfil da contravenção do jogo de bicho, a partir das ligações do crime com a linha torturadora da repressão da ditadura civil-militar-empresarial de 1964.

Sem serem incomodados pela repressão, e por vezes atuando em favor dela, por meio dos esquadrões da morte, por exemplo, os bicheiros ganharam poder. Três nomes sobressaem nessa história: Anísio Abraão David, Castor de Andrade e Capitão Guimarães – este egresso do Exército, que “tomou” a Vila Isabel do então presidente Miro, que se “instalou” depois no Salgueiro. Desfilam pelas páginas presidentes da República como Médici ou Figueiredo, torturadores como Paulo Malhães, políticos como Leonel Brizola e Moreira Franco.

Hoje, o jogo se espraiou por inúmeras atividades do mundo capitalista, entrou em diversas áreas da corrupção pública, mas encerrou o ciclo da grande organização criminosa que juntava todos os mafiosos em torno de um ‘capo’ e mandava liquidar os adversários. O livro informa que um dos mais notórios personagens desse triste e tenebroso período, o Capitão Guimarães, é hoje um dos maiores correntistas do HSBC. Penso que agora devem atuar no formato eletrônico em parceria com máfias do exterior: italiana, espanhola e de Las Vegas. Foi essa abertura que permitiu o empreendedorismo de Carlinhos Cachoeira, aliando-se à revista Veja para tentar expandir seus domínios para além de Goiás.

Quando o desfile das escolas se popularizou, atraindo a classe média, cresceu e virou espetáculo, os bicheiros se apropriaram de agremiações para ganhar exposição, tentar limpar a imagem e passar a ser vistos como mecenas. Eles se aproveitaram da falta de recursos dos sambistas, que não tinham como bancar carnavais cada vez mais caros. Os bicheiros tinham capital de giro, o dinheiro da jogatina; com ele, as escolas não precisavam esperar a subvenção pública para começar a fazer as alegorias e fantasias. O poder nas escolas, claro, mudou de mãos. Como o carnaval é uma disputa e os sambistas querem que suas escolas sejam campeãs, aceitaram o jogo”, afirma o autor Aloy Jupiara, que foi jurado do concurso Estandarte de Ouro, promovido pelo jornal O Globo.

Saibam mais em “Os porões da contravenção – Jogo do bicho e ditadura militar: a história da aliança que profissionalizou o crime organizado”, de Aloy Jupiara e Chico Otávio. Nas melhores livrarias…