Redação

O Ministério da Economia do Brasil revisou números referentes às exportações pela terceira vez em menos de uma semana, o que causou dúvidas sobre a divulgação de dados importantes e fez com que os analistas questionassem se ainda podem aceitar a confiabilidade das estatísticas brasileiras.

Surgiram dúvidas na semana passada quando a moeda do país caiu, com o anúncio pelo BC (Banco Central) de números que demonstravam uma forte deterioração no balanço da conta-corrente brasileira no período entre janeiro e outubro, causada por uma queda nas exportações.

VALORIZAÇÃO – Mas a moeda se recuperou na quinta-feira (dia 28)  quando o Ministério da Economia revelou que as exportações nas quatro primeiras semanas de novembro não haviam sido de decepcionantes US$ 9,7 bilhões, como informado anteriormente, mas de US$ 13,5 bilhões, um resultado muito melhor.

A controvérsia continuou nesta semana. Na noite de segunda-feira (2), o Ministério da Economia disse que o erro havia sido causado por uma falha no registro de um grande volume de declarações de exportadores nos últimos três meses e que as exportações em setembro e outubro também haviam sido subestimadas, em US$ 1,37 bilhão e US$ 1,35 bilhão, respectivamente.

Isso foi seguido nesta terça-feira (3) pelo anúncio do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro no terceiro trimestre – com números compilados antes que os dados revisados sobre o comércio exterior, anunciados na segunda-feira, estivessem disponíveis.

 MENOS EXPORTAÇÕES – “Os números do PIB mostraram uma contração bastante significativa nas exportações no terceiro trimestre, e assim isso também pode ser revisado mais tarde”, disse Gustavo Rangel, economista-chefe da ING Financial Markets para a América Latina, em Nova York.

Ele disse que os números do PIB, embora superiores aos esperados, haviam causado dúvidas entre alguns analistas devido ao incomum valor alto calculado para os estoques das empresas – um indicador negativo em termos de atividade econômica. Existe a possibilidade, ele disse, de que parte desses estoques na verdade tenham sido exportados, mas é cedo demais para dizer.

As recentes revisões, e a possibilidade de que outras venham a acontecer, pela primeira vez, causaram dúvidas sobre os dados brasileiros, vistos há muito tempo como um modelo de prontidão e transparência entre os países de mercado emergente.

HAVERÁ REVISÃO? – O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) disse que poderia ter de revisar os dados relativos ao terceiro trimestre, mas que normalmente isso só aconteceria dentro de um ano. No entanto, tendo em conta a magnitude do erro do Ministério da Economia, é possível que números revisados venham a ser divulgados junto com as estatísticas sobre o quarto trimestre, que devem sair no começo de março.

Também nesta terça, o IBGE revisou, para pior, os dados de exportações e importações nos dois primeiros trimestre de 2019, devido a mudanças feitas pela Secretaria de Comércio Exterior nos dados do período. A maior mudança foi a contribuição das vendas ao exterior, antes positiva em 1% no 1º trimestre, para -1,6%.

O Ministério da Economia afirmou estar confiante em que os dados revisados sobre as exportações reflitam a posição real e enfatizou que operava sob uma política de completa transparência e de boas práticas.

CONTRADIÇÃO – O IBGE anunciou que o PIB cresceu 0,6% no terceiro trimestre, ante o trimestre anterior, e 1,2% comparado ao período no ano passado, o que superou confortavelmente as projeções dos analistas, que era da ordem de 0,4%. No entanto, a instituição informou que as exportações de bens e serviços tiveram uma queda acentuada, de 2,8% ante o segundo trimestre.

A movimentação afetou o câmbio. “O real caiu devido à forte erosão da balança comercial e da conta-corrente, o que significaria que as bases da cotação da moeda estão mais fracas”, disse Alberto Ramos, analista do Goldman Sachs em Nova York.  “Pessoas certamente perderam e ganharam dinheiro” como resultado da confusão sobre a situação real das exportações, ele acrescentou.

Ramos disse que não existiam suspeitas de que os dados tivessem sido manipulados, mas que o incidente ainda assim havia despertado diversas preocupações.

INCOMPETÊNCIA – “Foi tudo um grande erro”, ele disse. “Não acho que tenha acontecido qualquer impropriedade, só incompetência e negligência em um momento no qual os mercados estavam ficando ansiosos sobre a erosão do comercio.”

Em Nova York, Gustavo Rangel, do ING, disse que o mais provável é que a explicação real seja que o Ministério da Economia brasileiro, um “superministério” criado neste ano pela fusão do Ministério da Fazenda com outras áreas da administração econômica do governo, tenha caído vítima das medidas de corte de custo que ele mesmo decretou. “As contratações estão congeladas e muita gente está se aposentando, e por isso eles estão sobrecarregados”, disse o analista.

“Como o setor público funciona quando as contas fiscais estão sofrendo tamanho aperto? Existe até o risco de uma paralisação do governo no ano que vem se eles não conseguirem cortar outros gastos”, disse Rangel.

Fonte: Financial Times, por Jonathan Wheatley