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Galípolo no BC: transição ou continuidade? – por Jeferson Miola
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Galípolo no BC: transição ou continuidade? – por Jeferson Miola

Por Jeferson Miola

A entrevista coletiva [19/12] que marcou o início efetivo de Gabriel Galípolo na presidência do Banco Central nos faz questionar se o mandato do indicado pelo presidente Lula representará a transição da política monetária ruinosa imposta pela maioria bolsonarista liderada por Roberto Campos Neto, ou se significará a sua continuidade.

Há quem entenda que a mesura [exagerada] do Galípolo a Campos Neto, inclusive em relação ao diagnóstico [falso] do “problema fiscal” tenha sido uma escolha tática para não dar mais pretextos à especulação determinada a explodir a cotação do dólar. Especulação, aliás, que Galípolo considerou uma “disfuncionalidade”.

Num clima de juras de amor e camaradagem com Campos Neto, Galípolo justificou a política injustificável e absurda de juros que faz do Brasil o nirvana do rentismo na Terra. “Temos clareza de para onde estamos indo”, disse, ressaltando a decisão da última reunião do Copom sob maioria bolsonarista, de levar a taxa de juros a 14,25% no início de 2025.

Galípolo disse, também, que “o ministro Haddad e o presidente Lula reconhecem que existe um problema fiscal”.

Ao menos no que concerne a Lula, contudo, esta declaração colide com a opinião crítica que o presidente sempre tem manifestado sobre a realidade macroeconômica e fiscal do país, e que não fundamenta, em absoluto, a atual política monetária. Com este posicionamento, aliás, Galípolo deu razão ao seu antecessor e responsabilizou Lula pelas dificuldades que impedem que a economia cresça o necessário porque está garroteada pelos juros nas alturas.

Ancorado no animus e no poder conspirador do mercado contra o governo, Campos Neto converteu as atas do Copom em panfletos ideológicos do rentismo. Em especial nesses meses finais do seu mandato ele instrumentalizou os comunicados do BC para o terror financeiro orquestrado pela mídia e mercado.

Campos Neto deixou como legado a idéia, propagada por especuladores e mídia neoliberal, de que impera o caos econômico no Brasil.

Como um profeta desse caos, ele instalou um ciclo vicioso de horror fiscal e cambial para alimentar a espiral de juros obscenos que inviabiliza os investimentos públicos e privados, obriga o governo a cortar das áreas sociais para pagar despesas financeiras e aumenta o comprometimento do PIB com a dívida que, por sua vez, faz o BC aumentar os juros.

É compreensível que Galípolo e os demais diretores indicados por Lula taticamente optaram pelo silêncio em relação às estripulias políticas de Campos Neto e sua maioria, sobretudo depois da tempestade armada pelo mercado com a divergência de 0,25% na redução de juros na reunião do Copom de maio passado.

No entanto, na entrevista coletiva de assunção do cargo, Galípolo exagerou. Não só zelou para não transparecer qualquer dissonância com Campos Neto, como reforçou uma convergência absoluta na ortodoxia monetária.

É evidente que não faria nenhum sentido Galípolo ser grosseiro –não é da natureza dele–, ou expressar ali divergências públicas com Campos Neto.

Aliás, é difícil entender por quê realizar a entrevista, sem formalidade institucional, mas com forte caráter político, quando poderia ter sido feita um ato comedido de transmissão do cargo. Campos Neto foi o grande beneficiário com o resultado. Se planejou a iniciativa, jogou como um mestre na estratégia de manter a política bolsonarista do BC sem um bolsonarista na presidência.

O evento de mídia produziu uma simbologia potente de unidade e identidade entre Galípolo e Campos Neto em torno das posições do último – posições que, como temos visto nas vozes de atores poderosos do “mercado”, constituem o arsenal bélico do rentismo na estratégia de terrorismo financeiro para inviabilizar o governo.

Galípolo assume a presidência do Banco Central com as margens de manobra estreitadas para mudar a política de juros. Ele se condenou a manter senão o 1% de aumento dos juros nas próximas duas reuniões do Copom, pelo menos um aumento próximo ao definido pelo Campos Neto. Caso contrário, o mundo desaba sobre a cabeça dele, devasta a economia brasileira e arruína o governo Lula.

Afinal, como Galípolo explicará que mudou radicalmente o “diagnóstico” que fez apenas algumas semanas antes, em 19/12, de que é o descontrole fiscal, e não a ganância rentista insaciável,  responsável pelo aumento de juros?

JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista desta Tribuna da Imprensa Livre. Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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