Por Ricardo Cravo Albin –
O que aflige visceralmente o Rio todo mundo sabe e todo mundo discute, apesar de autoridades-avestruzes parecerem, como sempre, enterrar suas cabeças na areia.
Quero propor aqui algumas poucas questões que, mesmo não sendo fundamentais como o transporte coletivo, a segurança, a limpeza, a escola e a saúde, bem que podem ajudar, e muito, a tornar o Rio mais digno e decente. Ou seja, um Rio capacitado a resgatar nossa autoestima e a suprir as exigências dos padrões turísticos mundiais, de que ele deveria ser referência luminosa. E que corre o risco de não ser mais. Apesar de, como sentenciou Machado de Assis, esta cidade sempre ter tido a vocação de expor-se aos forasteiros “como uma promessa diáfana de encantos”.
Começando pela Praia de Botafogo. O que se fará daquele enorme areal pouco utilizado, banhado pela mais inadmissível poluição, a talvez mais bem localizada praia do Rio dentro de toda a baía?
Outra perguntinha: por que cargas d´agua uma cidade de clima tão bafejado pelos deuses – onde não há neve, nem rigores extremos de temperatura – não dá maior atenção às flores, nos jardins públicos? É claro que alguns prefeitos até plantam, o que de nada vale, se os que se lhes sucedem não as conservam. E o que dizer dos viadutos revestidos de concreto, sujos e indecentemente pelados? Custaria tanto assim acarinhar os viadutos e as avenidas principais, especialmente as vias de acesso à cidade (como parte das avenidas Brasil e Linha Vermelha) com um milímetro de paisagismo? Alguns chorões aqui, alguns arbustos ali, algumas espirradeiras e/ou hibiscos acolá e, zás!, a cidade se mostraria melhor para os turistas e, é claro, para a nossa autoestima.
E o que dizer da má sorte da população que mora nos subúrbios, servidos pelos trens da Central, com aquelas estações horrendas e imundas, indignas de uma cidade minimamente cuidada? Além de, é claro, das ruas e avenidas sem árvores, o que ajuda a estorricar de calor e de desconforto seus infelizes habitantes. Aliás, por que não se espalham nas praças públicas de toda a cidade jatos d’água e fontes luminosas, como existem em todas as cidades bem-cuidadas do mundo?
Fontes com jatos d´água compõem o perfil de quase todas as cidades bem-cuidadas do mundo, mesmo as mais frias, como Estocolmo ou Copenhague, para não falar de Madri, Barcelona, Atenas, Istambul e quase todas as situadas no Mediterrâneo. Aqui, no Rio, essas fontes são muitíssimo mais importantes e necessárias, especialmente no tórrido verão carioca. Serão elas um amável refresco para os olhos, que por sí só já baixa a temperatura, ao menos na estrutura psicológica dos que a vejam.
Lembro-me de que um dos projetos desenvolvidos por Enaldo Cravo Peixoto na antiga Sursan (1960-1965) incidiu exatamente sobre fontes com jatos d´água para a cidade toda. O arquiteto Francisco Bologna foi encarregado de projetar dezenas de fontes, umas diferentes das outras, e que foram erigidas em pelo menos vinte praças do Rio. Cadê as fontes, onde elas foram parar, meu Deus? Por que essa triste sina do Rio? Porque respeito ao que é feito de correto nessa cidade não existe. A destruição e o desperdício têm que ser cobrados dos administradores cariocas e também da população.
Outra perguntinha que não ofende, se bem que é mexer num vespeiro de contradições: por que o poder público não pede a solidariedade dos donos das casas de alvenaria nos morros cariocas para pintá-las? Algumas até têm três, quatro andares, outras tantas pertencem a prósperos micro empreiteiros das favela, que as exploram impondo pesados aluguéis aos menos favorecidos. Essa solidariedade para com a paisagem da cidade faria com que do reboco nu e brutal pudesse nascer uma paisagem mais amável. E até vale a pena lembrar do famoso projeto de pintar as favelas de amarelo, o que gerou um grande samba para o carnaal de 1960 que dizia assim: “Favela amarela/Ironia da vida/Pintem a favela/Façam aquarela/Da miséria colorida”.
O samba de J. Júnior, além de lindo, foi um protesto muito justo, só que os tempos eram outros, existiam apenas barracos de zinco e ainda não havia os empresários das construções ilegais ou semilegais nos morros.
Falando em solidariedade devida ao Rio, é hora também de perguntar aos proprietários dos quiosques e bares da orla: por que insistir nos deploráveis conjuntos de cadeiras, mesas a guarda-sóis de fibra de vidro?
A Prefeitura poderia – por que não? – exigir a solidariedade deles no sentido de fazer a cidade um pouco mais elegante. Paris é chique? É, sim, e por isso recebe a cada ano mais turistas. E quem determinou que nossa sina tropical é usar coisas feias e cafonas?
Aliás, outro hábito detestável é usar as calçadas como extensão dos botequins, que entopem as vias públicas com caixotes de madeira, usados como mesas. Mas o que é isso gente! Mais um pouco, por falta de rigor nas posturas municipais, o Rio vira uma pura selva. Mas será que o turista observa e reclama? Podem as autoridades fiar certas de que sim, já que incluem todo esse desleixo no item “sujeira” – segundo pesquisas, o que mais incomoda os turistas.
Outra perguntinha: por que não socorrer a chamada população de rua com projetos assistenciais criativos, até mesmo inortodoxos? Essa pequena legião dos miseráveis que perambulam pelas ruas do Rio não são tantos assim. Por que todas as igrejas não se somam para assistir a esses sem-terra , sem –teto, sem-politica, os sem-nada no sentido mais veemente do desamparado pela sociedade? E por que a Prefeitura não estimula a união dessas diversas fontes de solidariedade? Um envolvimento pessoal da autoridade pública poderia viabilizar essa cadeia de socorro aos desvalidos.
Finalmente, já que falo em solidariedade, por que não citar aqui os animais abandonados pela cidade? Quem andar pelo Arpoador e pelo Aterro do Flamengo verá cenas inacreditáveis de gatos mutilados, daquelas de fazer São Francisco de Assis dar urros de agonia. É que ali são deixados gatos de todas as raças – socorridos felizmente por uma dúzia de almas de finíssima essência – homens e mulheres que tratam dos animais, muitos deles com olhos furados, pernas quebradas e rabos amputados.
Em resumo: perguntar não ofende. O que ofende o Rio, com certeza, será o conjunto de pequenas coisas que faz a cidade ficar um degrau abaixo na autoestima dos cariocas. E dois ou mais na observação do turista que poderia trazer riquezas e empregos à cidade.
RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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