Por João Batista Damasceno –
A Academia Brasileira de Letras (ABL) é uma instituição incompreendida. Há os que a louvam exageradamente e até os que questionam a necessidade de sua existência.
Em se tratando de uma instituição privada não se pode negar-lhe o direito de existir e de recrutar seus membros pelo critério que lhe convier. O mais frequente questionamento é sobre a derrota de Mário Quintana. Mas o poeta somente disputou uma vez e saiu dizendo: “Todos esses que aí estão atravancando meu caminho, eles passarão… Eu passarinho!”. E passarinhando foi-se!
Carlos Drummond de Andrade jamais postulou. Mesmo convidado e dispensado das visitas protocolares não aceitou. Monteiro Lobato candidatou-se quando jovem e não foi eleito. Mais tarde convidaram-no. Mas condicionou o aceite ao assento na cadeira n.º 37, ocupada por Getúlio Vargas. Para tanto, o presidente precisaria contribuir com a própria morte. Aconteceu o contrário. Monteiro Lobato morreu antes que Getúlio Vargas suicidasse num gesto heroico, prorrogando o golpe empresarial-militar por uma década.
Como em toda paróquia não faltam as fofocas. O imortal Humberto de Campos dedicou-se a ‘falar mal’ nos seus diários, a serem publicados vinte anos após sua morte. Mas cedo faleceu e quando publicado todos de quem havia falado ainda estavam vivos. Quando da morte do imortal Agripino Grieco, que também falava de todo mundo, o imortal Ivan Lins, ao invés de homenagear o morto, só faltou chutar o caixão. Processado foi defendido pelo posterior imortal Evandro Lins e Silva. Quando Bernardo Élis derrotou o presidente Juscelino Kubitscheck, o imortal Josué Montello difundiu fake News sobre o motivo da derrota. Mas quem leu “O Tronco” ou seus contos, sabe do valor literário do imortal goiano e sua importância para entender o regionalismo, o Brasil profundo e o poder dos coronéis em Goiás.
A imortal Nélida Piñon dizia que a ABL, que presidiu, não era uma academia de escritores. Mas da elite de cada área do conhecimento humano. A palavra elite é mal apropriada no uso cotidiano. Elite são os melhores de cada grupo. Não é sinônimo de classe dominante. Atletas brasileiros que nos trazem as medalhas das Olimpíadas são a elite de cada modalidade desportiva. Este é conceito de elite, sem consideração a classe social ou patrimônio material.
A ABL sempre foi pluralista. Dentre seus fundadores estava Coelho Neto, filho de um português com uma indígena, e um negro, o abolicionista José do Patrocínio, filho de um padre com uma adolescente escravizada originária de Gana. Os imortais Humberto de Campos e Carlos Heitor Cony e o literato Antonio Carlos Villaça dizem que teve até um filho do fundador e primeiro presidente, Machado de Assis. Em se tratando de uma miniatura do Brasil é crível a existência de nepotismo, mas a estória precisa ser confirmada.
De tudo já tivemos na ABL: gênero, raça, etnia, convicções políticas, estilos literários, médicos, magistrados, militares, compositores, cantores, artistas, presidentes da República etc. Mas nunca tivemos um capixaba. E não por falta de talento no Espírito Santo, pois o cronista Rubem Braga era de Cachoeiro do Itapemirim. A esperança é o cantor Roberto Carlos. Não sei se tem livro publicado. Mas isto não é problema. Não será o primeiro a colocar capa dura numas folhas impressas e chamar de livro. E para dar volume pode fazer como o imortal Lauro Müller, imprimindo em papel encorpado. Até ajudo a escrever. Para publicar, pediremos ao Zé Mário da Topbooks, que publicou o livro “Antônio Torres, uma Antologia”, com organização e estudo introdutório de Raul de Sá Barbosa. Ah! O Antônio Torres publicado pelo Zé Mário e que desancava com a ABL era o mineiro que nasceu no século XIX e não o baiano que atualmente tem assento na cadeira n.º 8.
Sou mineiro e não posso reclamar. Minas Gerais jamais deixou de ter assento na ABL. Hoje temos Ailton Krenak, Edmar Bacha, Eduardo Giannetti, Geraldo Carneiro, Ruy Castro e Zuenir Ventura. Nem vou falar dos falecidos imortais, dentre os quais Guimarães Rosa. Este somente não é unanimidade entre nós por causa da dissidência do Nelson Rodrigues, que de sua obra falava mal e ainda atribuía a terceiros o que escrevia.
A ABL, desde sua fundação em 1897, já atribuiu a imortalidade a duzentas e setenta pessoas, incluindo os quarenta atuais acadêmicos. Não há vaga. Algumas cadeiras têm maior rodízio. As cadeiras n.º 09 e 13 já foram assentadas por nove imortais. As cadeiras n.º 7 e 11 por dez. Pela cadeira n.º 4 apenas quatro assentaram. Mas o menor rodízio não significa garantia de longevidade. A cadeira n.º 6, já assentada por seis acadêmicos, atualmente pelo imortal Cícero Sandroni, foi ocupada pelo imortal Barbosa Lima Sobrinho por 63 anos, o mais longo mandato já registrado.
A ABL contribui para a difusão da língua portuguesa na sua forma escrita. Roberto Carlos também o faz. Muitos leem suas letras visando a decorar para cantar. Mais que a ABL e Roberto Carlos somente faz mais pela língua escrita o Livreiro Olivar, o Vavá, que vende livros a R$ 2,00 na entrada do Metrô da Carioca durante a semana e na Praça XV aos sábados.
Roberto Carlos na ABL, já! Ou melhor, daqui a algum tempo quando surgir vaga! Além da moqueca e das praias de Guarapari queremos um capixaba como imortal.
JOÃO BATISTA DAMASCENO é Doutor em Ciência Política (UFF), Professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Membro do Conselho Consultivo do Jornal Tribuna da Imprensa Livre; Colunista do Jornal O Dia; Membro e ex-coordenador da Associação Juízes para a Democracia; Jornalista com registro profissional no MTPS n.º 0037453/RJ, Sócio honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros/IAB, Conselheiro efetivo da ABI.
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