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Conservadorismo brasileiro: Dos grotões ao meio urbano – por J. B. Damasceno
Colunistas, Política

Conservadorismo brasileiro: Dos grotões ao meio urbano – por J. B. Damasceno

Por João Batista Damasceno

O pensamento médio brasileiro é o que vem do sertão. Quem o percebeu foi Guimarães Rosa.

Na metade dos anos 50 do século XX o meio intelectual e cultural fervilhava com a arquitetura moderna, Oscar Niemeyer, a Bossa Nova, a indústria automobilística e com um presidente que a tudo isto apoiava e enunciava um Brasil novo. Era o presidente Bossa Nova Juscelino Kubitscheck. Mas outro Brasil contrastava com aquele urbano, moderno, ‘civilizado’ e cheiroso que se apresentava na televisão recentemente introduzida nos lares. O Brasil arcaico insistiu em seu desejo de permanência e Guimarães Rosa o descreveu em Grandes Sertões: Veredas, publicado no mesmo ano da posse daquele presidente. Este Brasil que não era litorâneo, nem cosmopolita já o havia descrito Euclides da Cunha, Oliveira Vianna e Victor Nunes Leal.

Carlos Drummond de Andrade, João Guimarães Rosa e Manuel Bandeira (Arquivo/Pinterest)

A migração de parcela da população interiorana para centros urbanos não implicou mudança de valores. A consciência conservadora migrou dos grotões para a periferia dos centros urbanos, mas não perdeu sua essência; teimou em sua permanência associada à religiosidade, agora com novos padrões. Num país periférico temos uma massa que vive na periferia do que há de bom para alguns. Seus valores e crenças permanecem nesta parcela da sociedade brasileira, à margem das novas relações que se estabelecem no mundo globalizado. O desenvolvimento tecnológico lhe deu novos meios para se conectar, difundindo fake News, com maior capacidade de divulgação antes limitadas a boatos paroquianos. Na defesa da pauta de costumes, que é assunto da sociedade e não do Estado, elege quem enche os bolsos com emendas secretas. O analfabeto político, mas eloquente, participa do processo com o “galo na testa” e inimizade com vizinhos e familiares, para mostrar a fidelidade aos seus “valores”. “Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo”, nas palavras de Bertold Brecht.

O conservadorismo se apropria de meios contemporâneos de tecnologia indispensáveis para sua permanência e constitui a modernidade conservadora que reage e se impõe de vez em quando. A Consciência Conservadora no Brasil é título de livro clássico de Paulo Mercadante, de cuja falta devemos ressentir. Entender o Brasil profundo, não apenas da periferia, mas também dos grotões, é fundamental para quem almeja comunicar-se com ele. A Zona Sul do Rio de Janeiro e os Jardins em São Paulo têm relevância social e concentram significativa parcela da riqueza nacional, mas a decisão sobre o destino do país não se limita a estes espaços privilegiados. A “Faria Lima” tem poder de pressão sobre as opções governamentais e políticas a serem implantadas. Mas há poder de decisão na periferia e grotões onde um trabalhador precarizado se acha “empreendedor” e um micro proprietário rural se acredita parte do agrobusiness, sem saber que o mundo do agronegócio é feito de commodities negociadas nas bolsas de valores dos países centrais do sistema internacional.

O Brasil profundo não se intimida com a modernidade e a racionalidade e elege os seus expoentes, incultos e iletrados, mas representativos dos valores que lhe são próprios. O voto é apenas uma expressão das relações sociais sedimentadas e que não se dobram aos valores da civilidade. Parcela da intelligentsia, autoproclamada vanguarda intelectual, que se considera progressista por defender pautas politicamente corretas financiadas por instituições internacionais de fomento, é incapaz de compreender a força deste reacionarismo enraizado. Seus discursos não contemplam os interesses concretos da massa.

Na República Velha, na posse da terra o coronel assentava seu domínio. É a constituição da propriedade fundiária privada o que ainda sustenta o poder nos grotões, ameaçando comunidades indígenas e quilombolas. Enquanto houver terra devoluta e riqueza natural a ser expropriada a expansão das fronteiras não cessará. Sem um programa de reforma agrária, que possibilite o aumento do número de proprietários e que limite o tamanho das propriedades, os donos do Brasil se fortalecerão. O latifúndio não é pop. Nos centros urbanos a questão da moradia está subordinada ao capital imobiliário especulativo.

Para governar, o Príncipe dos Sociólogos se rendeu e teve que barganhar. O atual presidente idem. A presidenta Dilma acreditou-se acima dos interesses concretos da bancada fisiológica e, demasiadamente, confiou na força das instituições e na sua integridade moral que nada serve no embate dos interesses inconfessáveis. O conservadorismo ameaça com o semipresidencialismo a fim de assumir o poder institucionalmente. Trata-se de mais um golpe, pois desconsidera o valor do plebiscito e da democracia direta. A sociedade brasileira já foi ouvida sobre a questão e escolheu o presidencialismo. Mas nem sempre o povo assiste bestializado, como descreveu Aristides Lobo, por ocasião do golpe militar que proclamou a República.

Às vezes o povo reage, tomando decisões até mesmo contrárias aos seus interesses, cavando a própria sepultura pensando estar em busca de ouro.

JOÃO BATISTA DAMASCENO é Doutor em Ciência Política (UFF), Professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Membro do Conselho Consultivo do Jornal Tribuna da Imprensa Livre; Colunista do Jornal O Dia; Membro e ex-coordenador da Associação Juízes para a Democracia; Jornalista com registro profissional no MTPS n.º 0037453/RJ, Sócio honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros/IAB, Conselheiro efetivo da ABI.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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