Por Hélio Schwartsman –

A democracia americana tem um problema. Ali é possível tornar-se presidente mesmo recebendo menos votos que o adversário. Das últimas três eleições de presidentes republicanos, George W. Bush em 2000 e 2004 e Donald Trump em 2016, duas se deram com o vitorioso no colégio eleitoral perdendo no voto popular (2000 e 2016). Antes desses casos, isso só ocorrera um par de vezes no século 19.

O fenômeno se deve a uma combinação de mudanças demográficas, como urbanização e imigração, que fortaleceram a base eleitoral dos democratas, com a rigidez da Constituição americana, que só pode ser alterada se houver virtual consenso sobre a matéria, o que não acontece porque republicanos não votarão para reduzir suas chances de chegar à Casa Branca.

PIONEIRISMO – Os EUA pagam o preço de seu pioneirismo. Quando os “founding fathers” (pais fundadores) desenharam sua República, procuraram equilibrar instituições majoritárias, como o voto popular, com contramajoritárias, como o colégio eleitoral, a Suprema Corte e o laborioso processo de emendas constitucionais.

A ideia era evitar os riscos do populismo. Os “founding fathers” eram leitores de Platão e Aristóteles, que não morriam de amores pela democracia.

Durante muito tempo, funcionou bem. A ideia de criar um sistema de freios e contrapesos segue válida — e essencial —, mas o mix escolhido envelheceu mal. O colégio eleitoral é a mais visível das fossilizações.

Lula e Joe Biden na Casa Branca. (Agência Brasil)

EUA SÃO EXCEÇÃO – Contra Platão e Aristóteles, os princípios democráticos se firmaram no Zeitgeist, o espírito do tempo. Não há mais presidencialismo respeitável em que o principal governante não seja eleito pelo voto direto. A exceção são justamente os EUA.

Já vimos esse filme. Não é incomum que empresas e mesmo países que produzam uma inovação relevante acabem encalacrados em seu modelo e não consigam flexibilizá-lo quando necessário.

Pense numa Kodak. Ou em Portugal e Espanha, que acabaram presos ao bulionismo, no entesouramento de metais preciosos. Para os Estados Unidos, ainda não é tarde demais.

Hélio SchwartsmanHÉLIO SCHWARTSMAN é bacharel em Filosofia e jornalista. Na Folha de S.Paulo desde 1988, já ocupou diversos cargos. Em 2008-2009, foi fellow na Universidade de Michigan.

Publicado inicialmente na Folha e enviado por Marco Aurélio Silva – São Paulo (SP). Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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