Por Jeferson Miola –
Nesse contexto de polarização política permanente, a esquerda está desafiada a buscar formas de mobilização multitudinária pelo menos no nível que a extrema-direita fascista consegue mobilizar.
O ato bolsonarista na avenida Paulista é um alerta disso. Independentemente da estimativa exata de presentes, a fotografia de vários quarteirões da avenida ocupados já é, por si, impactante. Foi uma demonstração de força convocatória, de estrutura material e capacidade de mobilização.
Governadores de SP, MG, Goiás e SC e mais de uma centena de políticos e parlamentares participaram, inclusive de partidos que integram o ministério do governo Lula.
Seria necessária uma pesquisa para caracterizar o perfil dos participantes, mas ali foram vistos charlatães religiosos, comerciantes, militares, policiais, “donas de casa”, funcionários públicos, aposentados, trabalhadores formais e uberizados, “empreendedores”, empresários e pessoas humildes.
O ato serviu para o bolsonarismo instalar a agenda da anistia, que interessa tanto aos presos pelas depredações no 8 de janeiro, como aos investigados –dentre eles Bolsonaro e oficiais generais– que também serão condenados e presos com base nas robustas provas existentes.
O general-senador Hamilton Mourão já protocolou no Senado Projeto de Lei anistiando os golpistas, proposta que antagoniza diretamente com iniciativas em curso contra a anistia.
A bandeira da anistia conecta a extrema-direita brasileira com a agenda central do trumpismo nos Estados Unidos. Assim como o bolsonarismo, Trump repete o delírio da inocência e da “perseguição do sistema” ao seu líder máximo para retirá-lo do certame eleitoral.
No discurso, Bolsonaro defendeu cinicamente a anistia como fator de pacificação do país – “o que eu busco é a pacificação, passar uma borracha no passado, uma maneira de vivermos em paz”, disse.
De modo esperto, Bolsonaro colocou a responsabilidade pela paz sobre as instituições –sobretudo o Congresso– “para que seja feito justiça no nosso Brasil”. Esta posição implicitamente questiona a legitimidade das acusações e reforça o foco dos ataques ao STF, que tem a titularidade dos julgamentos e condenações.
A bandeira da anistia será a “grife” da extrema-direita na eleição municipal. É uma medida que une e articula politicamente o bloco oposicionista num simulacro de luta democrática.
A luta pela anistia terá centralidade política ainda maior para a ultradireita depois da prisão do Bolsonaro, e o bolsonarismo já se posicionou estrategicamente na conjuntura pós-prisão.
A anistia não serve só para livrar Bolsonaro, porque muitos empresários, políticos, parlamentares, milicianos e agentes públicos também seriam beneficiados com ela. Mas os militares, mais que outros segmentos, são grandemente interessados na aprovação da medida.
As cúpulas militares não hesitarão em integrar o “movimento pró-anistia” para pressionar o Congresso. De modo sorrateiro e até abertamente ameaçador.
Ainda durante a transição de governo o hoje ministro da Defesa José Múcio Monteiro já defendia a “pacificação”. E, nos mesmos termos proferidos por Bolsonaro na Paulista, Múcio dizia que o perdão a golpistas seria a maneira de se pacificar a sociedade brasileira.
O governador bolsonarista de SP Tarcísio Gomes de Freitas resumiu bem o estado de ânimo do extremismo: “Bolsonaro não é uma pessoa ou um CPF, porque ele é um movimento”.
Isso é um dado da realidade. A presença multitudinária do bolsonarismo na Paulista, mesmo no atual momento de reveses políticos e judiciais evidencia que o fascismo é uma força-movimento poderosa, com enorme alcance popular, e que se organiza para atuar mais além da persona Jair Bolsonaro, que em breve poderá estar preso.
A extrema-direita tem uma mística que catalisa os sentimentos e as emoções de multidões ressentidas; tem uma utopia. Mesmo que seja uma utopia destrutiva, mas ainda assim é uma utopia: a utopia de retrocessos a uma ordem reacionária, ultra-individualista e autoritária.
Os bolsonaristas são fanáticos, é certo. Mas seria equivocado desprezar que eles se entregam militantemente, com devoção revolucionária, à crença de estarem edificando esta nova ordem, porque se consideram artífices da contrarrevolução fascista e reacionária.
Em entrevista à Folha, Vladimir Safatle disse que “a extrema-direita é hoje a única força política real do país, porque é a força que tem capacidade de ruptura, tem estrutura e coesão”.
Safatle entende que a esquerda apenas ganhou tempo com a eleição do Lula em 30 de outubro de 2022. E isso é real. A derrota da chapa militar Bolsonaro/Braga Netto não desmobilizou e tampouco arrefeceu o encanto popular pela extrema-direita.
Importante destacar, neste sentido, a capacidade de mobilização fascista mesmo depois da derrota eleitoral e já sem a estrutura de governo. Os atentados do 8 de janeiro de 2023 e o ato deste 25 de fevereiro na avenida Paulista são evidências disso.
JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista desta Tribuna da Imprensa Livre. Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial.
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