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A fuga do presídio de segurança máxima – por João Batista Damasceno
'Teresa' usada para fugir da Penitenciária Lemos Brito, no Rio de Janeiro. (Reprodução/TV Globo)
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A fuga do presídio de segurança máxima – por João Batista Damasceno

Por João Batista Damasceno

Ao longo da história, quando os sistemas têm as suas bases abaladas e se tornam insustentáveis com os valores que os legitimam, o apelo à violência para a manutenção do status quo é prática comum. Mas uma ordem somente pode ser mantida com justiça. Sem justiça somente se pode tentar manter a ordem com violência. A manutenção de uma ordem iníqua com violência dura pouco; cedo ou tarde desaba.

Na África do Sul, país ocupado e colonizado por ingleses e holandeses, quanto mais o apartheid se mostrava insustentável maior era violência do Estado contra a população nativa e negra. O apartheid foi sustentado por meio da violência, com as forças policiais sul-africanas constantemente promovendo massacres. A resistência da população sul-africana foi intensa e aconteceu por meio de grupos como o Congresso Nacional Africano (CNA), de Nelson Mandela, que esteve preso por 27 anos.

No Haiti, governado por décadas por François Duvalier, “Papa Doc”, e posteriormente por seu filho Jean-Claude Duvalier, “Baby Doc”, o poder somente se pode exercer por meio da violência da Milícia de Voluntários da Segurança Nacional, conhecidos como Tonton Macoutes, que significa na língua crioula haitiana “Tio do Saco”.

Os Tontons Macoutes foram responsáveis por centenas de milhares de torturas, assassinatos e desaparecimentos de pessoas. Tonton Macoute ou “Tio do Saco” era expressa referência ao “homem do saco” ou “bicho-papão”, personagem imaginário capaz de promover desaparecimento ou eliminação de pessoas.

O Brasil vive o dilema de tentar resolver a crise que assola o sistema socioeconômico por meio de medidas repressivas. Em data recente,  o presidente Lula pediu perdão a Leonel Brizola e a Darcy Ribeiro pela obstrução que seus partidários fizeram aos CIEPs nos anos 90 do século passado. Darcy Ribeiro dizia, em 1982, que, “se os governadores não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios”. E Brizola dizia que o Brasil somente se estabeleceria como nação para todos os seus filhos por meio de uma soberana política nacional de desenvolvimento. Os CIEPs foram boicotados, sob o fundamento de que escola não é restaurante, e ao invés de se investir em educação, o país foi entregue à especulação dos banqueiros. A conta chegou. Nada que não tivesse sido previsto.

Grafite com Oscar Niemeyer, Darcy Ribeiro e Leonel Brizola. (Ascom UENF)

Sem projeto nacional de desenvolvimento e sem educação integral, pública e laica, tal como preconizado por Anísio Teixeira desde 1932 em manifesto publicado naquele ano, os rumos que a história tomou nos trouxe ao caos no qual estamos inseridos. Ampliam-se as vagas nos presídios, constroem-se presídios de segurança máxima, aumentam-se as penas, prendem-se e promovem-se conduções coercitivas de jovens pretos, pobres e periféricos para delegacias, sem mandado judicial ou situação de flagrante, e nada se apresenta como solução para o problema da violência e da criminalidade. Isto porque a solução não está no aparato repressivo.

A existência dos presídios de segurança máxima de onde teriam fugido dois presos em Mossoró surgiu nos EUA, nos anos 80, e é a expressão da falência do sistema prisional. Não bastasse o sistema prisional que coloca o Brasil na terceira posição mundial em número absoluto de presos, bem como proporcionalmente à sua população, criamos por aqui, copiando aquele país, sua especialização: os presídios federais de segurança máxima.

O sistema prisional é o destino para os indesejáveis. Imprestáveis para produzir ou incapazes de consumir, precisam ser acomodados em local no qual não perturbem os negócios. Assim, o Estado do Bem-Estar Social, previsto na Constituição Cidadã de 1988, vai sendo substituído pelo Estado Penal. O Direito Penal inicialmente tratado como medida de contenção do poder punitivo do Estado transforma-se em meio de contenção dos indesejáveis. Neste contexto, os presídios de segurança máxima não são criados para dar solução a problemas da chamada criminalidade no seio social. Mas tão somente visam a buscar solução para os problemas existentes no interior do sistema prisional.

O Brasil registra o aprisionamento de cerca de oitocentas mil pessoas. Significativo número desses presos cumpre pena por acusação de tráfico de substâncias que a lei considera ilícitas e foram pegas sem que estivessem portando arma. Portanto, não são pessoas a quem se possa atribuir a qualidade de violentas ou perigosas. Pobres, pretos e periféricos superlotam o sistema prisional, propiciando um ambiente de violência e degradação da qualidade de pessoas humanas. Mas o sistema não reconhece que ele próprio é o problema e desconsidera o que gera ao promover o encarceramento em massa. As prisões no Brasil têm condições piores que as masmorras medievais. Não são poucos os casos de mortes no interior do sistema prisional, muitas delas por doenças nele adquiridas, dentre as quais tuberculose, além de homicídios praticados por outros presos ou por agentes do Estado. Aliás, não se pode afastar a hipótese de que muitos presos tidos como foragidos foram na verdade assassinados no interior do sistema prisional e o registro de fuga encobre o homicídio.

O Caso Rubens Paiva é exemplo desta ocorrência.

JOÃO BATISTA DAMASCENO é Doutor em Ciência Política (UFF), Professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Membro do Conselho Consultivo do Jornal Tribuna da Imprensa Livre; Colunista do Jornal O Dia; Membro e ex-coordenador da Associação Juízes para a Democracia; Jornalista com registro profissional no MTPS n.º 0037453/RJ, Sócio honorário do Instituto dos Advogados Brasileiros/IAB, Conselheiro efetivo da ABI.

Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com


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