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Passado o desfile das campeãs na Passarela Darcy Ribeiro, o ano finalmente começa. Alias, na cabine da Rádio Roquette Pinto (de que participo há anos), que analisou todo o carnaval 2024, lancei a ideia – já que Darcy Ribeiro foi justamente homenageado titularizando o Sambódromo – que Oscar Niemeyer titularizasse a Praça da Apoteose com seu nome. Como houve aceitação geral e belíssima repercussão da celebração a Niemeyer, o Instituto Cravo Albin está dirigindo um ofício ao governo do Estado para que possa o governador oficializar a Praça da Apoteose Oscar Niemeyer.
Volto agora minha reflexão de hoje para outro assunto, a surpreendente crise diplomática entre Brasil e Israel, irrompida há poucas horas.
Surpreendente por dois motivos. Inicialmente por que se esperava que fosse apenas pela declaração infeliz do Presidente Lula na ultima etapa do giro pela África, ao se encontrar em conferência com países africanos. Lula começou bem sua análise, ao insistir que o Brasil já havia se declarado claramente contrário aos atos terroristas do Hamas contra Israel. Ao subir o tom, contudo, escorregaria e causaria insatisfação a Israel, quando disse que os horrores das mortes de crianças e mulheres na Faixa de Gaza estavam a lembrar o holocausto dos judeus por Hitler em plena década de quarenta do século XX. Grave exagero!
Foi o estopim da crise. Israel, como convém à truculência reconhecida de Bibi Netanyahu retrucou com a brutalidade que lhe é peculiar. Convocou o embaixador Brasileiro em Israel, Frederico Meyer e, ao invés de haver conversa fechada com o chanceler israelense Israel Katz, Netanyahu determinou que ficassem ambos de pé num salão dentro do Museu do Holocausto em Jerusalém, frente a um batalhão da imprensa internacional. O israelense Katz falou todo tempo para demonstrar a enorme contrariedade do seu governo na língua nacional do país judeu (de possível incompreensão por parte do embaixador brasileiro). O clima de constrangimento estampou-se pesadíssimo, fugindo dos parâmetros diplomáticos tradicionais. Katz não fez por menos: declarou o presidente do Brasil “persona non grata” ao governo e ao povo de Israel, a não ser que apresentasse desculpas públicas pelo que Israel considera insulto inaceitável.
Segundo apurei com amigos diplomatas, alguns deles muito experimentados, teria sido essa uma das mais contundentes e violentas acusações públicas de que o Brasil teria sido vitima nos últimos cem anos. O insólito da cena comoveu ainda mais os diplomatas brasileiros porque os israelenses esqueceram-se olimpicamente de citar, embora condenando o Presidente do nosso país, da ação decisiva do então diplomata Oswaldo Aranha para defender com ardor a existência do próprio Estado de Israel, que muitos países não admitiam em 1946.
O gravíssimo mal estar provocou reunião de emergência no Palácio do Planalto, da qual emergiram notas da insatisfação brasileira com os ataques ao nosso presidente, muito acima do tom diplomático habitual. Como também a convocação do embaixador brasileiro em Tel-aviv para urgentes consultas (na linguagem diplomática isso significa profunda insatisfação do país que retira seu embaixador). À margem, circularam ainda notícias de que o embaixador Celso Amorim, assessor internacional de Lula, teria recomendado ao presidente que exigisse explicações. Explicações que, segundo analises políticas, podem ir até à interrupção de embaixadas acreditadas nos dois países. Teria dito Amorim: “Israel é quem deve desculpas. Mas ao mundo pela brutalidade em Gaza”.
Quero evocar aqui do que escrevi há meses logo que o bilioso de extrema direita Bibi Netanyahu se manifestou sobre o ataque do Hamas ao seu país: “será olho por olho, dente por dente, Israel só arrefecerá sua indignação contra essa corja brutal quando todos tivessem pagado o que fizeram. Iremos, sim, até o fim, sem esmorecimento enquanto não recuperarmos todos os sequestrados e vingarmos os mortos israelenses”.
Deduzo para encerrar este triste episódio, que a costumeira grossura de Netanyahu acabou por se encontrar com a sustentável leveza de Lula. Só que em hora de declaração infeliz e excessiva.
O fogaréu se consolidou porque Netanyahu, como é de sua índole, ao invés de amainar o incêndio, ateou-lhe mais e mais fogo, controvérsias e insatisfações.
Um dos meus antigos companheiros de trabalho no Banco Internacional de Desenvolvimento ainda tentou inserir no meu espírito o consolo de que, ao menos os países árabes, estariam a fechar agora toda a boa vontade diplomática com o Brasil. Sim, é até possível. Mas a tradição diplomática e pacífica do Brasil jamais poderá tirar da boca o amargor que lhe foi imposto publicamente pelo chanceler israelense em Jerusalém.
Atos falhos, quando pronunciados em público, podem provocar até uma guerra. Ou divisões. Ou constrangimentos insanáveis.
RICARDO CRAVO ALBIN – Jornalista, Escritor, Radialista, Pesquisador, Musicólogo, Historiador de MPB, Presidente do PEN Clube do Brasil, Presidente do Instituto Cultural Cravo Albin e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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