Por Miranda Sá

Talvez pela idade, talvez pelo meu repúdio a qualquer tipo de charlatanismo, guardei um pensamento de Aldous Huxley que divulgo de vez em quando: “Dizem que é o medo da morte, e do que vem depois da morte, que leva os homens a voltar-se para a religião à medida que os anos se acumulam”.

Embora arreligioso, fica longe de mim qualquer pensamento antirreligioso; obrigo-me, porém, a criticar a pregação ilusória de futuras benesses post mortem encontradas nos estudos da religião escandinava que promete o Walhalla, com bebedeiras de hidromel ao lado de lindas mulheres.

O futuro dos mortos também dá prêmios no complexo religioso judaico-cristão. O misticismo rabínico afirma que as almas são imperecíveis e promete a reencarnação dando outro corpo para a “alma dos bons”, enquanto os maus vão para a “Gehenna” – o “Inferno” – onde serão julgados.

As vertentes protestantes seguem mais ou menos a pregação do judaísmo, e a Igreja Católica tem um postulado que vê a morte como uma passagem para os que seguirem Jesus Cristo conquistarem a vida eterna ao lado de Deus.

O Islamismo abre recompensas valiosas para os que se entregaram aos ensinamentos do Profeta. A Surata 56, versos de 12 a 39, do Alcorão, descreve o paraíso que os espera como: – “Nos Jardins da Delícia. Uma multidão dos primeiros (profetas e povos que os seguiram). E um pouco dos derradeiros (os seguidores do profeta Maomé). Estarão sobre leitos de tecidos ricamente bordados; neles reclinados, frente a frente (…) E haverá húris (virgens) de belos grandes olhos, iguais a pérolas resguardadas, em recompensa do que fizeram para Alah “.

Sentar-se frente a Deus nem se fale! O catolicismo medieval oferecia a maravilhosa companhia com as onze mil virgens de Santa Úrsula para o devoto que pagasse por isto; e, em paralelo, a visão “pagã” de um futuro radioso para o defunto escrito nos astros nos astros, como os astrólogos preveem para seus consulentes.

A comercialização do futuro sobrenatural é altamente rendosa. Nova Iorque, a capital do Mundo Ocidental, abriga nada mais nada menos do que 110 mil centros espíritas e congêneres, prometendo contato com pessoas mortas. Tivemos um exemplo disto num filme de 1990,  “Ghost: Do outro lado da vida”, dirigido por Jerry Zucker e estrelado por Patrick Swayze, Demi Moore, Tony Goldwyn, Rick Aviles e Whoopi Goldberg.

Englobando no roteiro drama, fantasia, mistério, romance e suspense, a película conta a história do espírito de um bancário assassinado que consegue ser ouvido por uma mirabolante “consultora espiritual”; e esta, por sua vez, se revela como médium auditiva.

Oda Mae Brown, interpretada por Whoopi Goldberg, rendeu o Oscar para ela; e nos mostrou a existência do sistema comercial da “assistência mística” para os que são atraídos pelo sobrenatural.

Entre os vivos, de pés no chão, as religiões guerreiam entre si, e sufocaram as heresias dos seus crentes no passado, punindo-os a ferro e fogo. Vale a pena relembrar o caso do papa Inocêncio 3º e seu emissário Simon de Monfort, que foi combater os albingenses. Simon perguntou o que fazer com os que não participaram do movimento…. E o Pontífice ordenou – “Mate-os todos; Deus saberá escolher os seus”.

Futuro duvidoso este, sem dúvida. Melhor faziam os índios guaranis acreditando que desejar a morte de alguém é prolongar-lhe a vida, uma crença repudiada pelos comerciantes dos óbitos.

Neste prolongamento lembramos a anedota do papa-defunto que indagado como iam os negócios, respondeu:

– “Ruins, estou quase indo à falência; esta desgraçada invenção de antibióticos e vacinas adiam cada vez mais a morte…”

MIRANDA SÁ – Jornalista profissional, blogueiro, colunista e diretor executivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Trabalhou em alguns dos principais veículos de comunicação do país como a Editora Abril, as Organizações Globo e o Jornal Correio da Manhã; Recebeu dezenas de prêmios em função da sua atividade na imprensa, como o Esso e o Profissionais do Ano, da Rede Globo. mirandasa@uol.com.br

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