O livro Arquipélago Gulag de Alexandre Solljenitsin relata centenas de métodos de torturas que foram utilizadas contra a população russa que discordava dos métodos do regime stalinista, mas ainda não haviam descoberto o uso da delação premiada que premia o delinquente que deseja se vingar de seus adversários servindo como quer a acusação. Na recente onda de perseguição ocorrida no Brasil, onde as garantias constitucionais foram ignoradas para promover uma “caça às bruxas” valia de tudo para impedir um candidato à Presidência da República preferido nas pesquisas disputasse as eleições. Para tanto conspiraram os agentes da lei, os garantistas da Constituição, os que juraram cumprir e fazer cumprir as leis, os que eram fiscais da leis e o caos reinou.

Abandonadas as técnicas de investigação científica e judicial, prevaleceu o caminho mais fácil de prender para torturar e buscar as pseudo confissões ou delações. É muito comum no jargão policial afirmar que encontro o “suspeito” na rua e ele mesmo não tendo nenhum produto de crime, convida os policiais para entrarem em seu domicilio e confessa que guardava drogas e armas em seu armário. Parece jocoso, mas incrível é que promotores e juízes dão credito a histórias como essas. Assim se fez em inúmeros casos e delações premiadas. Para se livrar de penas duras, ou retaliação e prisões de familiares, delatores são criativos em suas narrativas, muitas vezes ditadas para ser assinada, bem ao modelo stalinista de fazer polícia.

Parece que essa corrente está perdendo o fôlego. Recentemente, o Procurador geral de Justiça do Rio de Janeiro dispensou um grupo de mais de vinte promotores do GAECO, sob acusação de que estavam fazendo ações políticas em nome da instituição republicana e democrática. O corregedor nacional do Ministério Público, Oswaldo D’Albuquerque, determinou a instauração de uma reclamação disciplinar contra procuradores da extinta “lava jato” do Rio de Janeiro. Eles foram acusados pelo empresário Sergio Mizrahy de coagi-lo para que firmasse um acordo de delação premiada.

Segundo narrou em sua reclamação, o empresário foi alvo de busca e apreensão e acabou preso preventivamente em maio de 2018. Ele foi acusado de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e corrupção passiva com base na delação premiada de Cláudio Souza.

Ainda segundo sua defesa feito no pedido de providências endereçado à Corregedoria do MP, os procuradores afirmavam o tempo todo que Mizrahy deveria delatar, caso contrário seus filhos e sua mulher também seriam presos. Caso típico de tortura psicológica cruel e covarde. Segundo o documento, o empresário sequer negociou os termos do acordo, tendo somente assinado a colaboração depois de ser pressionado pelos integrantes da “lava jato” do Rio.

“Afora a prisão arbitrária, o requerente foi forçado a dizer sobre condutas, as quais desconhece, e que, por essa razão, não as praticou, sofrendo ameaça ao ouvir que sua esposa e seus filhos também seriam presos. Palavras que ferem: ‘(sic)Teu acordo não é só teu não, é teu, dos teus filhos, da tua mulher, eles tinham que estar aqui preso também!’, diz trecho do pedido. A defesa de Mizrahy afirma que ele foi alvo de tortura: “O método ilegal e arbitrário aplicado ao requerente foi de tortura psicológica (coação moral) e física com a decretação de uma prisão preventiva sem fundamentação idônea e de forma desproporcional, com ameaças às pessoas de seus familiares, com a sonegação de elementos favoráveis à defesa e a interferência indevida em outros órgãos ou poderes, em explícito desvio de finalidade”.

Alexandre narra que uma das torturas mais eficazes é o jogo com a afeição á pessoas mais íntimas. Funciona excelentemente sobre os acusados. Informa que “Desse modo, pode-se fazer quebrar mesmo o homem mais intrépido (como está profetizado): “O inimigo do homem é a família!”. Recordemos aquele tártaro que a tudo resistiu: às suas torturas, às de sua mulher, mas não ás torturas da filha…Em 1930 a Comissária Rimális fazia a seguinte ameaça: “Prenderemos a sua filha e metê-la-emos junto com as sifilíticas!” Uma mulher!”

Segundo o pedido, o empresário ficou preso com mais 47 homens em um local sem condições de higiene. No período de um mês, prossegue o relato, não foi permitida a visita de familiares, nem o acesso a itens pessoais.

Soljenitsin narra em Arquipélago Gulag que um dos métodos de tortura para fazer os “suspeitos” confessar consistia no que chama de “Os calabouços. Por muito mal que se esteja nas celas, os calabouços são sempre priores; uma vez lá, a cela parece sempre um paraíso. No calabouço o homem fica extenuado pela fome e habitualmente pelo frio.” (Em Bangu o calor escaldante).

Na delação, Mizrahy descreveu a suposta existência de um esquema de propina na prefeitura do Rio de Janeiro. O caso levou à prisão de Marcelo Crivella (Republicanos), em 2020. Depois da prisão preventiva e do acordo de delação, o caso de Mizrahy ficou paralisado: a denúncia contra ele só foi protocolada 30 dias depois da preventiva, e até hoje não houve sequer audiência de instrução e julgamento.

Assim como MIzrahy outras vítimas surgirão, estimuladas por essa corajosa reação, outras vítimas desse regime autoritário e arbitrário surgirão, do mesmo modo que a primeira vítima denuncia o abuso sexual, outra se sentem encorajadas e apresentam seus casos para revisão por uma justiça imparcial e democrática.

DANIEL MAZOLA – Jornalista profissional (MTb 23.957/RJ); Editor-chefe do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Consultor de Imprensa da Revista Eletrônica OAB/RJ e do Centro de Documentação e Pesquisa da Seccional; Membro Titular do PEN Clube – única instituição internacional de escritores e jornalistas no Brasil; Pós-graduado, especializado em Jornalismo Sindical; Apresentador do programa TRIBUNA NA TV (TVC-Rio); Ex-presidente da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da Associação Brasileira de Imprensa (ABI); Conselheiro Efetivo da ABI (2004/2017); Foi vice-presidente de Divulgação do G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira (2010/2013). 

SIRO DARLAN – Editor e Diretor do Jornal Tribuna da imprensa Livre; Juiz de Segundo Grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ); Especialista em Direito Penal Contemporâneo e Sistema Penitenciário pela ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados; Mestre em Saúde Pública, Justiça e Direitos Humanos na ENSP; Pós-graduado em Direito da Comunicação Social na Universidade de Coimbra (FDUC), Portugal; Coordenador Rio da Associação Juízes para a Democracia; Conselheiro Efetivo da Associação Brasileira de Imprensa; Conselheiro Benemérito do Clube de Regatas do Flamengo; Membro da Comissão da Verdade sobre a Escravidão da OAB-RJ; Membro da Comissão de Criminologia do IAB. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do Jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.

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