Por Cid Benjamin –
Alguns se perguntaram: não seria mais acertado perdoar os golpistas, de forma a facilitar um entendimento e o esfriamento dos ânimos? No caso, não.
De forma espontânea surgiu nas ruas e nas redes sociais a expressão “Sem anistia”, exigindo punição (com julgamento, claro) para os participantes da intentona do dia 8 de janeiro. Na ocasião, a Câmara dos Deputados, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal foram invadidos e depredados por hordas fascistas num ato terrorista que tinha o nome em código de “Festa da Selma”. O objetivo era forçar uma intervenção militar que abrisse caminho para um golpe.
A expressão “Sem anistia” – que tem como objetivo demonstrar que não se pode contemporizar com aquele ato de natureza golpista – foi usada largamente pelo líder do Psol, Guilherme Boulos, num duro discurso na Câmara dos Deputados na última quarta-feira, dia em que foi aberta a CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) que investiga os acontecimentos daquele dia.
Alguns se perguntaram: não seria mais acertado perdoar os golpistas, de forma a facilitar um entendimento e o esfriamento dos ânimos?
No caso, não.
Não penso que se deva fazer política com ressentimento. Nunca. Mas é preciso ver as coisas sem perder a perspectiva política.
Sidarta Gautama, o Buda, nascido há mais de 400 anos antes de Cristo, já dizia que guardar rancor é como segurar carvão em brasa para jogar num desafeto. “Você é que sai queimado”, ensinava.
Tinha razão.
Depois dele, Pepe Mujica, uma das grandes figuras da atualidade, tem insistido sempre em que o ressentimento é mau conselheiro, tanto na vida, como na política.
Também tem razão.
Por que, então, não anistiar os golpistas de 8 de janeiro?
Porque o fascismo está vivo e tem que ser combatido e extirpado, em defesa dos interesses gerais da sociedade.
Antes de se corromperem os sandinistas tinham uma expressão boa: “Implacáveis na luta, generosos na vitória”.
O exemplo do Vietnã também é ilustrativo. Em janeiro de 1968, as forças que lutavam contra a ocupação norte-americana realizaram a chamada a Ofensiva do Tet. A maior parte das cidades mais importantes foi total ou parcialmente tomada e até a embaixada dos Estados Unidos em Saigon teve uma bandeira vietnamita hasteada em seu terraço. A fotografia correu o mundo inteiro.
As forças vietnamitas fizeram grande número de prisioneiros. Os culpados de crimes mais graves foram rapidamente julgados e, muitos deles, fuzilados.
O objetivo da ofensiva não era expulsarem os Estados Unidos naquele momento, mas mostrar à opinião pública mundial e norte-americana a força da resistência e a impossibilidade de os norte-americanos vencerem aquela guerra. Este objetivo foi alcançado.
Seis anos depois, em abril de 1974, os americanos foram obrigados a deixar o Vietnã. Houve também grande número de presos, acusados de terem cometido crimes ao colaborar com a ocupação. A maior parte foi anistiada. A guerra tinha acabado e a situação estava sob controle.
Se o fascismo bolsonarista estivesse morto, os golpistas de 8 de janeiro poderiam ser anistiados. Mas está vivo e continua como ameaça à democracia, aos direitos humanos e à independência nacional. Passar a mão na cabeça dessa gente é criar cobras, correndo o risco de que, daqui a pouco, com seu veneno, ela ameace a nação.
É como dizem os espanhóis, “cria corvos e eles arrancarão teus olhos”.
Por isso, têm razão as ruas quando exigem: “Sem anistia”.
***
AGENDA
https://www.oabrj.org.br/eventos/juizes-perseguidos-estado-direito
CID BENJAMIN foi líder estudantil nos movimentos de 1968, participou da resistência armada à ditadura e foi dirigente do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8). Libertado em troca do embaixador alemão, sequestrado pela guerrilha, passou quase dez anos no exílio. De volta ao Brasil em 1979, foi fundador e dirigente do PT e, depois, participou da criação do PSOL. É jornalista, professor e autor dos livros “Hélio Luz, um xerife de esquerda” (Relume Dumará, 1998), “Gracias a la vida” (José Olympio, 2014) e “Reflexões rebeldes” (José Olympio, 2016). Organizou, ainda, a coletânea “Meio século de 68 – Barricadas, história e política” (Mauad, 2018), juntamente com Felipe Demier.
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