Por Cid Benjamin –

Ele é daqueles malandros caiocas que, quando a gente pensa que estão em extinção, quebra a cara, porque são a mais perfeita expressão da sabedoria popular.

Cleber Negão é daqueles malandros cariocas que, quando a gente pensa que estão em extinção, quebra a cara porque eles são a mais perfeita expressão da sabedoria popular. E logo dão de novo o ar de sua graça.

Do alto de seus mais de 120 quilos, o Negão é exímio dançarino. Figura conhecida e querida nos bailes dos dias de semana em clubes dos subúrbios do Rio, está sempre com um sorriso largo nos lábios. De bem com a vida e elegante, é daqueles cavalheiros que buscam a dama em sua mesa e, encerrada a música, a conduzem de volta pela mão ao lugar em que estava. Não usa jeans e inevitavelmente tem um vinco impecável na calça de tergal.

Muito popular por toda parte, Cleber conseguiu um caminhão de votos para Lula na última eleição do petista. E não poupa alguns conhecidos que votaram em gente como Bolsonaro: “Pobre que vota na direita é como aquele cafetão babaca que tem ciúme da moça da noite (o Negão não usa a expressão “puta” porque acha que ela traz uma carga de preconceito).

Defende o presidente, mas não deixa de criticá-lo quando considera que ele pisou na bola. Mas, se faz a crítica, não aceita que algum bolsonarista se meta a falar mal de Lula.

Bem informado sobre as coisas da política, acha que Lula anda “meio devagar” nesse terceiro mandato. “Sei que ele atura certas figuras porque a coisa não está fácil. Com esse Congresso, o Lula tem mesmo que fazer concessões e botar no governo alguns caras ruins.”

Mas Cleber acha pouco simplesmente retomar antigos programas como o Minha Casa, Minha Vida ou o Bolsa Família. O governo não pode ser só aquele programa da TV Globo, o “Vale a pena ver de novo”, afirma.

Admite que o principal papel de Lula foi tirar Bolsonaro do governo – “e isso não é pouca coisa”, valoriza – mas trata de empurrar o barco adiante. E, se é tolerante com gente de direita que, por força da necessidade de composições está no governo, é mais crítico quando as pisadas de bola vêm de “gente nossa”, expressão que usa.

Já tinha certa má vontade com o atual chefe da Casa Civil, Rui Costa, quando este último andou militarizando escolas públicas estaduais como governador da Bahia. A coisa piorou quando soube que Rui arrumou uma boquinha vitalícia para a mulher no Tribunal de Contas do estado. Não acha que criticar esse gesto seja moralismo. “A direita e a grande imprensa usam coisas desse tipo pra desmoralizar a esquerda e a política. Por isso, não se pode dar mole.”

Implica também com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. “Ele mais parece mais representante dos bancos, do que ministro de um governo de esquerda”, diz, para, depois, corrigir a afirmação com um sorriso nos lábios: “Vá lá, de esquerda, não; de um governo de centro-esquerda”.

Quer um discurso e uma prática mais alinhados com posições progressistas. “Eu sou mais meu chinelo de dedo do que cromo alemão apertado”, afirma, tomando emprestado uma frase criada por outro filósofo popular, o falecido Mestre Marçal.

Já o Negão aplaude o desempenho de Flávio Dino: “O gordo está indo bem. Bolsonarista não se cria com ele”.

Cleber é muito crítico com essa história de armar as pessoas. “Tem babaca que se diz colecionador e tem mais de 50 armas em casa. Isso é pra defesa pessoal? Conta outra.”

E, rindo, repete a história de “um cara cheio de marra” que, há alguns anos, em Vila Isabel, diante de dois pivetes armados, entregou sem piscar a moto e a pistola que tinha consigo. “Sabe o nome da peça? Jair Bolsonaro”.

Ele insiste em que isso de achar que o armamento das pessoas vai diminuir a violência é bobagem. “O que vai ter a toda hora é o cara que bateu no trânsito, que discutiu com o vizinho ou que acha que levou um par de chifre sair matando gente”, afirma.

E o Negão conclui sua avaliação dos primeiros cem dias do governo Lula 3:

“Tem que tomar logo as medidas que vão mudar a vida do povo. Se isso demorar muito a acontecer, os babacas bolsonaristas podem tentar se criar de novo. E isso não dá pra aturar.”

CID BENJAMIN foi líder estudantil nos movimentos de 1968, participou da resistência armada à ditadura e foi dirigente do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8). Libertado em troca do embaixador alemão, sequestrado pela guerrilha, passou quase dez anos no exílio. De volta ao Brasil em 1979, foi fundador e dirigente do PT e, depois, participou da criação do PSOL. É jornalista, professor e autor dos livros “Hélio Luz, um xerife de esquerda” (Relume Dumará, 1998), “Gracias a la vida” (José Olympio, 2014) e “Reflexões rebeldes” (José Olympio, 2016). Organizou, ainda, a coletânea “Meio século de 68 – Barricadas, história e política” (Mauad, 2018), juntamente com Felipe Demier.

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