Por Lincoln Penna –
Não há como deixar passar a mais recente divulgação dos dados da pobreza entre nós, e em uma sociedade na qual se encontra à frente da presidência da República – ainda bem até o final do ano – um governo de extrema direita com forte viés fascista. São extremos que nos assustam e nos preocupam. De um lado o aumento de um contingente social entregue à própria sorte, e de outro uma tendência que tem como objetivo desmontar as instituições e especialmente o estado nacional.
O quadro social e político em que se encontra o Brasil atualmente é, portanto, angustiante às vésperas da assunção do novo governo eleito nas urnas das últimas eleições. Não fosse isso um drama social acresce o drama político representado pela extrema direita, que ao que parece tem sua origem nas nossas próprias entranhas e essa presença veio para ficar. Há explicações históricas que devem ser examinadas.
As seguidas derrotas que temos tido ultimamente no plano político reforçam a necessidade de se pensar numa saída que interrompa esse processo regressista. Diagnósticos sobre essa triste situação que vem se mantendo inalterada não faltam. Como sustá-lo e reverter essa tendência, eis a questão a ser objeto da prioridade em termos de decisão a ser tomada para pelo menos bloquear essa situação.
O histórico das transições negociadas na história do Brasil republicano demonstra que interrompidos os períodos de regresso caracterizados pelo autoritarismo ditatorial, o caráter regressista não foi devidamente removido do cenário político. Não só se manteve como permaneceu influindo nas decisões como uma ameaça aos que buscam superar esse recorrente contencioso.
As hipóteses de consensos com vistas aos arranjos capazes de tornar aceitáveis as diferenças presentemente parecem difíceis de prosperar tendo em vista que estamos diante de grupos que apostam no confronto. Como método e arma contra quem a eles se opõem. É bom separar alhos e bugalhos. Uma coisa são os conflitos nos quais as partes divergem e se reconhecem como partes litigantes em um cenário de coexistência democrática e podem buscar eventualmente produzir consensos. Outra coisa é admitir acordos com forças antidemocráticas avessas a negociações republicanas.
É o caso atual. Não há como argumentar logicamente com quem julga os seus adversários como inimigos. Promover por meios lícitos acordos que conduzam à conciliação é ceder às pressões de quem acena constantemente para a guerra civil entre brasileiros, como em mais de uma vez fez alusão o presidente derrotado nas urnas este ano. Os tempos dos acertos pela via das concessões terminou, se quisermos completar dignamente o processo de democratização da sociedade brasileira.
Amargamos situações que nos constrangem continuadamente e quando descartamos os seus aspectos mais danosos chegamos a considerar que delas nos livramos para sempre. Mas, elas voltam porque as decisões para suprimi-las de nossa realidade são sempre deixadas de lado. É a velha prática da conciliação danosa, isto é, não como resultado de um consenso mínimo possível e com a participação e o respaldo das forças sociais vivas de nosso povo, mas como uma tratativa negociada pelo alto.
Em uma sociedade na qual se torna frequente a sucessão de interrupções da legalidade democrática, e cujas correntes comprometidas com as mudanças e o alargamento da democracia se tornam por vezes cúmplices das atitudes conciliatórias, desponta como decorrência dessas situações as perspectivas revolucionárias. Aqui elas devem ser entendidas como movimentos massivos amparados conscientemente pelas camadas populares desejosas de dar um basta às políticas que os oprimem.
Trata-se de uma esperança, sem dúvida, no balanço de um sonho uma vez que essa capacidade de se insurgir das massas demanda a conquista plena do nível de consciência. Logo, ainda carente de lá se chegar em grande parte pela ausência de processos de socialização com o concurso imprescindível da educação pública em total abandono nesses anos de perversão antidemocrática que se espera tenha um ponto final. Fora essas iniciativas de governo, cabem as organizações populares de todo tipo incentivar esses processos de tomada de consciência coletiva.
Pensar em atitudes corretivas para impedir essas práticas que não interrompem as articulações entre os que se encontram nas esferas do poder de decisão está fora de propósito. Os vícios e as taras das classes dominantes e dirigentes estão de tal maneira enraizadas que o clamor popular não tem modificado seus comportamentos. Resta a revolução como alternativa às injustiças sociais.
São essas condições geradoras dos processos sociais a emergirem em povos que embora amantes da paz e da coexistência com as diferenças acabam conhecendo as soluções radicais.
Mais do que o resultado de uma vontade política, as revoluções autenticamente fundadas em realidades marcadas pelas terríveis contradições a gerar desigualdades sociais que tornam irreconciliáveis os diversos segmentos sociais e a impossibilitar a formação efetiva de uma nação. Assim, as revoluções mais do que políticas, muito embora não deixe de ser um ato político, elas são genuinamente movidas e paridas pelos fatores sociais. Tem, portanto, sentido quando Karl Marx se refere à revolução social.
No Brasil, a problemática social é de tamanha magnitude em termos de exclusão das massas dos benefícios mínimos de sobrevivência, que os alardeados problemas de natureza política parecem mercadorias de segunda mão. Como, por exemplo, a discussão sobre teto de gastos tomando como referência o ano de 2016. O próprio teto estipulado numa sociedade de tantas carências e deveres para com o seu povo deixado de lado é algo mais do que estúpido, pois é vergonhoso. Mais do que isto. É criminoso.
Nesse panorama de paradoxos a agredirem o bom senso e a ofenderem à dignidade de nossa gente, temos a demanda dos bem situados na sociedade da especulação e do ganho fácil das bolsas, a agirem na contramão das necessidades básicas do povo ao preferir amansar e dar cobertura aos apetites do mercado a quem dirige suas ações políticas preferencialmente. E ai de quem conteste essa lógica perversa para ser imediatamente rotulado como político populista ou analista desqualificado.
Claro que esse contencioso a travar o nosso progresso real vem de longe. Afinal, somos uma sociedade historicamente fundada na desigualdade e no absoluto desprezo em relação aos mais necessitados. Porém, o grau atingido mais recentemente por conta dessa atitude reativa às demandas das classes populares agravou a situação que deixa poucas possibilidades para arranjos que venham a equacionar essa situação.
Enquanto isso acontece são mantidas as velhas tendências à naturalização do quadro em que nos encontramos. O aprofundamento da pobreza vira mera estatística. Prevalece a insensibilidade dos chamados agentes financeiros e seus patrões. São vozes que têm se manifestado nas mais distintas correntes da opinião pública, notadamente na mídia que exerce como sabemos forte influência junto à população na busca diária de informação. Com isso, reforça-se a presença de uma ideologia que atende às conveniências dos grandes investidores sempre à espreita de grossos ganhos de capital.
Às classes submetidas ao rigor da lógica mais agressiva e perversa dos interesses capitalistas só resta a solução radical, aquela que se origina na raiz mesma do problema em questão, a revolução social. Ou seja, a insurgência da parte trabalhadora da sociedade constituída por seu povo, carente de tudo. moradia. E esse contingente é geralmente oriundo da casta dos que representam até hoje os interesses da Casa Grande escravocrata e patrimonialista. Este é o legado sobre o qual se depara a revolução de modo a desfazer os nós que nos impede de tornarmos uma sociedade solidária.
A revolução não é necessariamente em sua origem um projeto, dado que como já que ela decorre de necessidades socialmente construídas a reclamar sua irrupção torna-se irremediável sua irrupção. Nessas situações, ela se alcança a condição de um projeto que atenda as forças sociais identificadas com o estado de mal-estar no qual se encontram ressentidas as classes de soluções radicais para dar sentido as suas vidas.
As lideranças organizadas em partidos ou organizadas sob a forma de movimentos voltados para a ruptura respondem por essa imposição histórica. Contudo, cabem as massas dar conteúdo e atestar a validade da revolução, da mesma maneira que sua existência não pode prescindir da participação permanente das massas populares. Entregar o destino revolucionário a instâncias dirigentes presos à máquinas partidárias não é um caminho seguro para o bom rumo da revolução.
Por outro lado, uma revolução não se encerra em sua tarefa de mudar a realidade e impor novos rumos à sociedade. Prevalece, nesse caso, a ideia da revolução permanente, aquela na qual os deveres a serem acionados devem se manter íntegros em face dos compromissos que o destino a reservou e estar atenta as novas circunstâncias mutantes do tempo histórico.
Finalmente, uma revolução jamais é algo que sugira desespero dos inconformados. Em geral, essa atitude é mais própria daqueles que têm muito a perder. Os desvalidos não experimentam esses sentimentos. O único que expressam é a da justiça social. Por isso, a revolução que pode vir a apontar um norte ao país que hoje vive as agruras e as tensões inimagináveis de um regresso mais acentuado, só terá êxito se estiver estreitamente sintonizado com o povo, que deve ser o principal protagonista dessa solução que está na ordem do dia.
Que a história do futuro venha a registrá-la.
LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (MODECON); Vice-presidente do IBEP (Instituto Brasileiro de Estudos Políticos); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
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