Por Marcos Fernandes –
Entenda o que envolve o primeiro encontro presencial entre os presidentes de China e EUA.
Xi Jinping ocupou os holofotes da geopolítica global nas últimas semanas. Após sair fortalecido do 20° Congresso do Partido Comunista da China e com a flexibilização de medidas restritivas contra o Covid, o presidente chinês retomou o ritmo de viagens e reuniões bilaterais com chefes de estado que se espera do líder de uma nação da importância da China. Antes de ir à Indonésia para a primeira reunião presencial do G20 desde a pandemia, Xi já havia se reunido com os presidente do Vietnã (que prometeu priorizar as relações com a China) e Tanzânia, e os primeiros-ministros da Alemanha (que recusou a ideia de desacoplamento da China) e Paquistão.
Em Bali (para o G20), o presidente chinês fez nada menos que oito reuniões bilaterais em paralelo à cúpula, com França, África do Sul, Senegal, Coréia do Sul, Argentina, Holanda, Austrália e Espanha. A mais esperada de todas, na véspera da cúpula, a primeira reunião presencial com Joe Biden desde que este se tornou presidente dos EUA. A conversa, que durou mais de três horas, acontece em meio à escalada de tensões entre ambos os países, que se agravaram desde a visita de Nancy Pelosi à Taiwan, o aumento das sanções da Casa Branca que bloqueiam o acesso da China aos chips de última geração com tecnologia estadunidense e discursos mais agressivos do alto escalão diplomático e militar de Washington sobre uma suposta ameaça de “invasão chinesa” a Taiwan.
O que os EUA pretendiam com essa reunião? É cedo para ter certeza de suas intenções. Mas a Casa Branca vem lidando com desafios domésticos e internacionais que enfraquecem sua posição. A popularidade de Biden despencou nos últimos meses, os democratas acabaram de perder o controle da Câmara dos Deputados (mantendo o do Senado) e a economia estadunidense parece consolidar um cenário de baixo crescimento (com previsões abaixo de 2% para 2022 e perto de 0% em 2023), além de alta inflação (entre 7% e 8%).
Sua aposta na tática de liderar a OTAN com o objetivo de enfraquecer a Rússia com apoio militar e financeiro à Ucrânia já começa a dar sinais de desgastes. Alemanha e França enfrentam sérios riscos de crise econômica em virtude da disparada do preço da energia e alimentos, que desagradam da burguesia industrial (que teme uma onda de desindustrialização sem precedentes) às camadas médias e populares (que vêm protestando nas ruas). A recente visita do chanceler alemão, Olaf Scholz, e a promessa de uma visita em breve do presidente francês, Emmanuel Macron, à Pequim – cercadas de rumores de que as negociações sobre a guerra estariam em pauta – demonstram que Berlim e Paris estão em busca de uma alternativa aos objetivos de Washington.
No mesmo dia do encontro entre Biden e Xi, o diretor da CIA Nicholas Burns encontrou seu par russo, Sergei Narishkyn, da SVR, em Ancara, Turquia. O general-chefe do Pentágono Mark Milley acaba de declarar que a Ucrânia tem chances muito pequenas de vencer a guerra e sugere uma solução política. Na grande imprensa do Norte, aumentam as declarações em off sobre a impaciência de líderes e diplomatas da OTAN com as atitudes de Zelensky, entre elas ter mentido sobre a origem do míssil que atingiu a Polônia, disparado pela Ucrânia.
Já dois dos principais aliados estadunidenses fora da OTAN nas últimas décadas, Arábia Saudita e Índia, têm desagradado à Casa Branca por sua aproximação estratégica com a Rússia. Há poucas semanas, Riad e Moscou fecharam posição na OPEP para diminuir a produção de petróleo nos próximos meses, uma afronta direta à exigência de Washington de que a produção aumentasse para baixar os preços. Antes disso, sauditas já haviam declarado sua intenção de aderir aos BRICS. Os chanceleres indiano, Subrahmanyam Jaishankar, e russo, Sergey Lavrov, se reuniram na semana passada e firmaram uma série de acordos, inclusive uma possível parceria na produção de armas, sinal inequívoco de extrema confiança política entre os dois membros do BRICS e da Organização de Cooperação de Xangai. Há décadas, os russos são os maiores provedores de armas dos indianos. Desde o início do conflito na Ucrânia, a Índia se tornou a segunda maior compradora de petróleo russo (depois da China), e mais de uma vez, Jaishankar criticou as sanções ocidentais contra a Rússia.
Como consequência dessa reunião, dois importantes canais de diálogo, que haviam sido suspensos desde a desastrada visita de Pelosi à Taiwan, foram reestabelecidos: sobre a crise climática, o responsável chinês, Xie Zhenhua, se encontrou com seu par estadunidense, John Kerry, já durante a COP27. Impossível avançar nas negociações do Acordo de Paris se os dois maiores responsáveis por emissões de carbono não dialogarem.
Por outro lado, Wei Fenghe e Lloyd Austin, respectivamente ministro e secretário de defesa, já articulam uma reunião que deve reestabelecer o canal de diálogo direto entre as maiores autoridades militares de cada lado. Resta saber o que os EUA farão com Li Shangfu, próximo ministro da defesa chinês, que sofre sanções da Casa Branca (por compra de mísseis e aviões russos), e está tecnicamente impedido de se reunir com autoridades estadunidenses.
Por fim, a secretária do tesouro Janet Yellen – que dias antes do G20 defendeu a “estabilização” das relações EUA-China – se encontrou com o governador do Banco Popular da China, Yi Gang, em Bali, enquanto o secretário de estado Anthony Blinken já anunciou sua ida a Pequim para a continuação do diálogo com os dirigentes chineses. Aguardemos os próximos capítulo. No entanto, Biden precisará lidar com duas bombas-relógio caseiras nos próximos meses, que podem por a perder as boas intenções que ele expressou na reunião dessa semana.
Os republicanos acabam de retomar o controle do Congresso dos EUA e seu novo presidente, Kevin McCarthy, prometeu que levaria uma delegação de congressistas a Taiwan caso fosse eleito. No jogo perverso entre republicanos e democratas sobre quem é mais duro contra a China, não será fácil fazer McCarthy recuar da sua promessa e parecer “soft” diante de um eleitorado cotidianamente adestrado pela mídia a desejar o confronto com Pequim. Mais grave ainda é uma lei atualmente discutida no Congresso, o Taiwan Policy Act (Ato sobre a política para Taiwan), que propõe: 1) convidar Taiwan a se tornar “aliado importante extra-OTAN” – qualquer semelhança com a Ucrânia não é mera coincidência; e 2) mudar o nome do Escritório de Representação Econômica e Cultural de Taipei (cidade) para Escritório de Representação de Taiwan, passando a tratá-lo, de fato, como um país estrangeiro.
Para a China, isso provavelmente seria visto quase como uma declaração de independência de Taiwan, ou seja, inaceitável. Como disse o chanceler chinês Wang Yi, em coletiva de imprensa após a longa conversa entre os dois líderes, vai ser preciso transformar as declarações positivas de Biden em ações concretas.
A essa altura, é difícil saber se a Casa Branca ainda tem alguma intenção de seguir esse sábio conselho.
MARCOS FERNANDES – Pesquisador do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, co-editor do Notícias da China. Historiador, Mestre em História e Doutor em Psicologia Social/USP
Enviado por Marcelo Augusto – Salvador (BA), publicado inicialmente no Brasil de Fato. Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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