Redação

O Superior Tribunal de Justiça – STJ negou habeas corpus impetrado pelo Ministério Público – MP em favor de um homem acusado de agredir a própria mãe. O colegiado entende que a incidência da Lei Maria da Penha (11.340/2006) não exige que a violência seja cometida exclusivamente em razão de gênero.

Em sua decisão, a ministra Laurita Vaz avaliou que é desnecessária a “demonstração específica da subjugação feminina para que seja aplicado o sistema protetivo da Lei Maria da Penha, pois a organização social brasileira ainda é fundada em um sistema hierárquico de poder baseado no gênero, situação que o referido diploma legal busca coibir”.

O inquérito policial do caso apurou a agressão do filho contra a mãe e foi distribuído à Segunda Vara Criminal de Araguari, com atribuições de feitos de violência doméstica. No entanto, o juízo acolheu manifestação do promotor André Luis Alves de Melo e encaminhou os autos ao Juizado Especial Criminal – Jecrim da comarca.

De acordo com o representante do MP, os fatos não ocorreram em virtude de relação de violência de gênero. O Jecrim suscitou conflito negativo de competência, assinalando que o artigo 41 da Lei Maria da Penha afasta a incidência da Lei 9.099/1995 nos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independente da pena prevista.

Crime de lesão corporal

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais – TJMG decidiu que o caso deve ser processado pela 2ª Vara Criminal. “Compete à Justiça Comum o processamento e julgamento de ação penal que trate de crime de lesão corporal, quando sua prática está atrelada, possivelmente, ao contexto da Lei Maria da Penha”, pontuou o acórdão.

Sob o argumento de que o acusado sofreria constrangimento ilegal em razão da supressão da competência do Jecrim, “tendo em vista que os fatos ocorreram não em virtude de relação de violência de gênero, mas apenas vias de fato advindas da briga entre mãe e filho”, o promotor impetrou o habeas corpus no STJ.

Na defesa da inaplicabilidade da Lei Maria da Penha para o caso, o promotor disse que a retirada da competência do Jecrim negaria ao paciente a possibilidade de transação penal, entre outros direitos, ameaçando a sua liberdade de locomoção.

A ministra Laurita Vaz manteve a competência da Justiça Comum, adotando como fundamento, além da jurisprudência do STJ, o próprio acórdão do TJMG. Segundo o colegiado mineiro, o argumento de que se trata de violência doméstica motivada por questão de gênero é “demasiadamente frágil e genérico, prestando-se, em última análise, a afastar em quase todas as situações a incidência das regras protetivas contidas na lei especial”.

‘Decisão andou por bom caminho’, afirma especialista

Para a advogada Adélia Moreira Pessoa, presidente da Comissão de Gênero e Violência Doméstica do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, “a decisão andou por bom caminho na melhor hermenêutica da Lei Maria da Penha e de todo o sistema penal e processual penal”.

Ela destaca o artigo 5º da Lei, segundo o qual “configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:  I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas”.

“Assim, a Lei Maria da Penha abrange não apenas as violências contra as mulheres que ocorrem no convívio doméstico, no âmbito familiar ou em relações íntimas de afeto cometidas por maridos, namorados, companheiros, ou ex,  que morem ou não na mesma casa em que a mulher. Aplica-se também a outros membros da família como, por exemplo, mãe, filha, cunhada, sobrinha ou entre pessoas que moram juntas ou frequentam a casa, mesmo sem ser parentes, como empregada doméstica”, afirma a advogada.

Ela acrescenta que o artigo 5º da Lei 11.340/2006 diz respeito a qualquer ação ou omissão baseada no gênero, “expressão que tem sido utilizada por alguns para excluir a incidência da Lei Maria da Penha”.

“Entretanto, é necessário fazer algumas considerações, pois a violência praticada pelo homem contra a mulher, no âmbito doméstico, revela ranços do patriarcado, com uma concepção propiciada por relações culturalmente desiguais entre os sexos, nas quais o masculino é apresentado como superior ao feminino, em uma relação de poder e submissão que chega a naturalizar a agressão.”

Relações familiares patriarcais

Adélia observa que as relações familiares estão imersas em uma cultura que ainda conserva traços patriarcais e cita uma decisão da ministra Nancy Andrighi, de maio de 2022, sobre a qual entende como desnecessária a “demonstração específica da subjugação feminina para que seja aplicado o sistema protetivo da Lei Maria da Penha, pois a organização social brasileira ainda é fundada em um sistema hierárquico de poder baseado no gênero, situação que o referido diploma legal busca coibir”.

“Aliás, já houve decisão anterior do STJ, nesse mesmo sentido, no AgRg no REsp n. 1.931.918/GO, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 28/09/2021, DJe de 30/09/2021, entendendo ‘ser presumida, pela Lei n. 11.340/2006, a hipossuficiência e a vulnerabilidade da mulher em contexto de violência doméstica e familiar. É desnecessária, portanto, a demonstração específica da subjugação feminina para que seja aplicado o sistema protetivo da Lei Maria da Penha”, ela pontua.

“Assim, deve ser reconhecida a competência do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, quando o delito foi cometido dentro do âmbito da família, por filho contra mãe, havendo a presunção da vulnerabilidade em razão de gênero”, afirma.

Fonte: Assessoria de Comunicação do IBDFAM (com informações do ConJur)

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