Por José Carlos de Assis –
A democracia moderna impõe às nações que todas as pessoas aptas e dispostas a trabalhar encontrem ocupação remunerada no mundo do trabalho.
Por isso altas taxas de desemprego são intoleráveis nos países democráticos. Essa condição está nos fundamentos da democracia moderna, da forma como foi imaginada pelos seus formuladores nos séculos XVIII. Foi o filósofo alemão Johann Fichte que pôs isso em evidência, porém, apontando contradições de filósofos anteriores.
Fichte observou que antecessores seus como Locke e Hume sustentaram que a Democracia se alicerçava no “Direito Natural” à Vida, à Liberdade e à Propriedade. Mas quanto aos que não têm propriedade?, argumentou o filósofo. Acaso não são levados em conta como cidadãos num regime democrático? Sabemos hoje que as dificuldades de os países responderem a essa questão foi a base de muitas explosões sociais e revoluções desde então. A principal delas, a Revolução Russa de 1917!
No pós-guerra, em função dos enormes sacrifícios impostos às camadas mais baixas da população ao longo do conflito, surgiram, inclusive como forma de compensá-las por eles, movimentos sociais que colocaram na agenda a promoção do pleno emprego. Entretanto, esses movimentos foram progressivamente superados, na prática e no plano ideológico, por doutrinas econômicas que colocaram a produtividade e a eficiência do trabalho por cima dos direitos dos trabalhadores.
Essa visão economicista prevalece ainda hoje entre os neoliberais. São prisioneiros da chamada “curva de Phillips”, pela qual o desemprego aparece como uma consequência inevitável da estabilidade econômica. Nesse contexto, não há como promover-se o pleno emprego, isto é, não há como assegurar aos trabalhadores o Direito Natural ao trabalho remunerado, em pé de igualdade com o Direito à Vida, à Liberdade e à Propriedade, que Fichte entendia ser assegurada à cidadania.
A presunção dos neoliberais é que, havendo pleno emprego, os trabalhadores exigirão cada vez maiores salários, e isso pressionaria os custos e os preços dos produtos, e a inflação. Esse argumento não passa de uma balela. Em teoria e também na prática de países desenvolvidos, salários mais elevados significam demanda maior, e uma demanda maior do conjunto da economia induz maior produção e maior oferta. Com isso, oferta e demanda se equilibram no mercado real, num nível superior.
Somente nos anos recentes um grupo de vanguarda de economistas norte-americanos retomou a agenda da promoção do pleno emprego, em confronto direto com o neoliberalismo.
São os economistas da teoria de Finanças Funcionais, proposta originalmente por Abba Lerner nos anos 40, e retomada agora, com o nome de Teoria Monetária Moderna. No Brasil, está sendo defendida por economistas que se reuniram no recém-criado Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento, IFFD.
Tive uma modesta participação na iniciativa de trazer Finanças Funcionais para o Brasil. Traduzi para o português o livro de um dos principais divulgadores dela nos Estados Unidos e no mundo, o economista L. Randall Wray, “Understanding Modern Money”. Dei à versão brasileira, editada pela Contraponto/UFRJ, o título “Trabalho e Dinheiro Hoje”, com a finalidade de acentuar a relação entre a política de pleno emprego, que é o objetivo do livro, e a teoria fiscal-monetária.
A política de pleno emprego, traduzida em miúdos, afirma que o Estado nacional não tem limites para emitir sua própria moeda soberana, a não ser sua capacidade produtiva interna em recursos humanos e insumos produtivos. Dessa forma, ele pode realizar o pleno emprego de seus cidadãos sem provocar inflação. Ou seja, na medida em que a força de trabalho e os salários aumentem, a produção financiada pelo Estado e induzida por ele no setor privado também aumentam, sem gerar inflação.
Wray defende a tese de que o Estado nacional deveria desempenhar, no mercado de trabalho, papel equivalente ao que o Banco Central desempenha na esfera monetária: seria o financiador em último recurso do emprego, assim como o BC é o financiador em último recurso dos bancos. Com isso, os objetivos fundamentais de uma democracia capitalista seriam conciliados. Haveria, por um lado, respeito à propriedade, e, por outro, direito ao trabalho remunerado, garantido pelo Estado.
No Brasil, poderíamos fazer mais. Se rompermos com as cadeias ideológicas do neoliberalismo, seria possível usar Finanças Funcionais como um instrumento de ataque às nossas principais mazelas sociais, provocadas em grande parte pelo alto desemprego e subemprego, principalmente nas periferias metropolitanas. Na verdade, se quisermos que haja paz social no Brasil, teremos que tomar isso como objetivo básico.
Teremos que exigir do governo nada menos que o pleno emprego!
JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor, colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política; Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964; Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro; Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica. Autor de “A Era da Certeza”, que acaba de ser lançado pela Amazon. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.
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