Por Jeferson Miola –
Debaixo da toga de juiz de Direito se camuflava um agente político orientado pelos órgãos de inteligência e pelos Departamentos de Estado e de Justiça dos EUA.
Sérgio Moro chefiou a Lava Jato como um gângster mafioso chefia uma gangue. Abusando do falso pretexto de combater a corrupção, ele e seus parceiros do judiciário, da Polícia Federal e do Ministério Público produziram aquilo que ficou mundialmente conhecido como o maior escândalo judicial da história.
O paralelo mundial mais próximo desta atrocidade contra Lula é o caso Dreyfus, que embasou os estudos da historiadora Hannah Arendt sobre as origens do totalitarismo e do nazismo.
Moro e seus parceiros contaram, na sedimentação da farsa jurídica e do herói nacional, com uma narrativa criminalizadora e semiótica da mídia hegemônica. Capitaneada, obviamente, pela Rede Globo.
Nessa empreitada, Moro não agiu sozinho, como ele próprio reconhece. Para se defender, ele argumenta, inclusive, que suas decisões enviesadas e abusivas foram todas endossadas pelas três instâncias do judiciário – 13ª Vara, TRF4, STJ e STF.
Por isso, pode-se depreender da alegação dele, que o conjunto do judiciário esteve implicado na farsa jurídica que impediu a candidatura virtualmente vitoriosa do Lula em 2018 para viabilizar a eleição da extrema-direita fascista.
Afinal, não é nada usual integrantes da gangue de Curitiba celebrarem ministros do STF com exaltações do tipo “Aha, Uhu, o Fachin é nosso”, ou “In Fux we trust”, ou, ainda, “Barroso vale mais que 100 PGR’s”.
Por isso Moro também faz questão de enfatizar, sempre, que a instância que autorizou a prisão do ex-presidente foi a Suprema Corte. Ministros do STF que na época perpetraram barbaridades, mas que hoje se converteram novamente à democracia, sabem o que ele quer dizer.
Além disso, o fato do Comitê de Direitos Humanos da ONU acolher e julgar a denúncia significa, concretamente, que o recurso do Lula a este tribunal internacional derivou do fato de que o judiciário brasileiro, no seu conjunto, não oferecia a ele as garantias do devido processo legal e estava contaminado.
Nisso – o comprometimento do conjunto do judiciário na farsa jurídica contra Lula – o ex-juiz tem razão. Na vigência de um verdadeiro Estado de Direito, Lula jamais teria padecido da brutal violência jurídica que padeceu e o país não seria mergulhado num Estado de Exceção. Em algum grau de jurisdição a farsa seria detectada, e então o processo fatalmente soçobraria.
Mas havia, porém, um jogo com alto nível de condicionamento e de elevada convergência persecutória entre o juiz, procuradores da República, policiais federais, desembargadores do TRF4 e ministros do STJ e STF. Sem esta orquestração estratégica, teria sido impossível à gangue de Curitiba concretizar o plano concebido e detalhado em Washington.
Ainda está por ser decifrada a inteligência estratégica por trás de toda esta orquestração. De igual modo, ainda está por ser detalhadamente apurada a articulação e a coordenação orgânica entre o bando de Moro e as cúpulas partidarizadas das Forças Armadas. Nunca é demais lembrar o agradecimento de Villas Bôas, o general o general traidor que conspirou contra Dilma e emparedou do STU, ao “ministro Sérgio Moro, protagonista da cruzada contra a corrupção ora em curso”.
É apenas uma questão de tempo. Informações já disponíveis e catalogadas permitirão chegar-se brevemente ao esclarecimento desses aspectos fundamentais.
Na reportagem sobre a decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU favorável à reclamação do ex-presidente Lula, Jamil Chade/UOL anota que “a queixa envolvia quatro denúncias feitas pela defesa do petista, todas elas atendidas pelo comitê de forma favorável ao ex-presidente”: [1] a detenção arbitrária de Lula pela PF em 2016 em uma sala do aeroporto de Congonhas; [2] a parcialidade do processo e julgamento; [3] a difusão de mensagens de caráter privado de familiares de Lula; e [4] a impossibilidade de uma candidatura em 2018. Segundo Jamil Chade, “o Comitê concluiu que houve violação dos direitos do ex-presidente em todos os artigos”.
Sérgio Moro, que já foi considerado um juiz suspeito pelo STF – o maior demérito e uma desonra irreparável para qualquer juiz – agora sofre esta dura condenação internacional do Comitê de Direitos Humanos da ONU.
O Estado brasileiro, que será responsabilizado pelos crimes cometidos por um agente público contra o ex-presidente Lula, deverá cobrar legalmente de Moro e seu bando a reparação que terá de pagar a Lula.
A restauração da democracia no Brasil, quando acontecer, necessariamente deverá instituir uma justiça de transição, para que os responsáveis por todos esses crimes sejam exemplarmente julgados, processados, punidos e presos.
Não se trata de sentimento de vingança, de rancor ou de justiçamento, mas de um encontro do país e do povo brasileiro com o direito à verdade, à memória e à justiça – para que nunca se esqueça, e para que nunca mais aconteça.
E, em um contexto de modificação da correlação de forças em favor do campo democrático e popular, será fundamental uma Assembléia Constituinte que possa concretizar um conjunto de reparações profundas, dentre elas a reforma democrática do judiciário, este campo oligárquico e aristocrático que garante a produção e a reprodução da exploração capitalista fascista, racista, misógina, machista e retrógrada.
É preciso, por fim, enaltecer a defesa do ex-presidente Lula, nas pessoas do advogado Cristiano Zanin e da advogada Valeska Teixeira Martins, por esta decisão histórica em defesa da justiça e da democracia.
JEFERSON MIOLA – Jornalista e colunista, Integrante do Instituto de Debates, Estudos e Alternativas de Porto Alegre (Idea), foi coordenador-executivo do 5º Fórum Social Mundial
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