Por Suellen Rocha

A Lei pode ajudar? E a polícia está interessada?

A lei 11.340-06 é a que dá maior enfoque à assistência à mulher vítima de violência doméstica. Vejamos o que prevê no artigo 02 da Lei 11.340-06, conforme segue:

“Art. 2o Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.”

Importante enfatizar e destacar que é assegurada a oportunidade e facilidades da mulher vítima “viver sem violências”, preservando a sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral. Contudo, no nosso ordenamento jurídico brasileiro, o maior bem tutelado é a vida. O Brasil também da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Com isso, com base na lei serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida. As medidas protetivas são ordens judiciais para fazer “cessar” às violências contra a mulher vítima. Algumas das medidas que podem ser adotadas são :a) afastamento imediato do agressor do lar ou local de convivência com a vítima; b) proibição do agressor de entrar em contato com a vítima para seus familiares e testemunhas, por qualquer meio; c) Fixação de limite mínimo de distância que o agressor fica proibido de ultrapassar.

Dentre outras que podem ser verificadas e conferidas nos artigos 22 e 23 da Lei Maria da Penha número 11.340-2006, vejamos:

“Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas: I – encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento; II – determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor; III – determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos; IV – determinar a separação de corpos.”

A LEI MARIA DA PENHA PODE AJUDAR?

A Lei Maria da Penha pode ajudar para garantia da proteção à vida. Porém é necessário que todas as ações integradas, sejam capazes oferecer e garantir amparo à vítima de violência doméstica. Atingindo com isso, às suas finalidades. E, também não há como pensar apenas e somente no momento do “registro” e da responsabilização. A mulher vítima tem inúmeras demandas que necessitam de acompanhamento médico, psicológico e que sejam capazes de conceder a vítima tratamento humanizado. E não revitimizá-la.

O tema se torna mais complexo porque envolve a temática da família e das relações entre gênero e raça-etnia-cor. Muito delicado. A constituição da família é um espaço de liberdade das pessoas e deve ser respeitado como um direito, porém, devem ser protegidos pela sociedade e pelo Estado.

Vejamos, o que dispõe o artigo 226 da Constituição Federal.

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

A mulher infelizmente não deixou de sofrer abusos.

Ao longo dos anos o gênero feminino foi se fragilizando com a tradição de uma sociedade patriarcal, no qual o homem deve ser o sujeito dominante frente a mulher. As políticas públicas em ações integradas e profissionais capacitados e comprometidos é o caminho para que tenhamos o melhor desenvolvimento do trabalho de amparo à vítima de violência doméstica e familiar.

E A POLÍCIA ESTÁ INTERESSADA?

Muitas mulheres, reclamam de falta de atendimento humanizado nas delegacias DEAM (s), da falta do respeito, das humilhações, ridicularizações e dos julgamentos que ainda passam. Os profissionais supostamente capacitados, para trabalhar com essas demandas, geralmente não oferecem atendimento humanizado e não seguem todos os protocolos existentes para atendimento à vítima de violência doméstica e familiar.

Após a realização do registro às vítimas tem dificuldades para acompanhamento do inquérito e não sabem de forma pontual qual é a atual situação e andamento do inquérito. A falta de informações e orientações sobre direitos e sobre como funciona o inquérito, dificultam a participação e colaboração das vítimas. Muito comum que às vítimas solicitem atendimento com a delegada, o que também não é garantido e em muitos casos não é disponibilizado.

Diante de inúmeras dificuldades e sem orientações específicas às vítimas sentem-se cansadas e desacreditadas do serviço oferecido pela polícia civil nas DEAM (S). A situação é crítica até servidores públicos da delegacia da polícia civil informaram que também recebem denúncias de graves violações de direitos humanos que acontecem nas DEAM (S).

POR QUAL MOTIVO AS VÍTIMAS NÃO DENUNCIAM AS VIOLÊNCIAS INSTITUCIONAIS QUE SOFREM NAS DEAM (S)?

As vítimas possuem medo de sofrer retaliações, perseguições e de sofrer violências físicas por parte da polícia. Elas não denunciam policiais civis e as DEAM (S) por medo. Com isso, temos muitas mulheres insatisfeitas com a péssima prestação de serviço e desacreditadas das políticas públicas existentes de amparo à mulher vítima de violência doméstica. Narram também que saem das delegacias sem conhecimento de seus direitos.

Nessa análise, que é feita pela população acaba culpando de forma indevida a Lei Maria da Penha, que foi idealizada para amparar o mulher vítima. Sem realizar a consideração que é através de profissionais “capacitados” e empenhados que se torna efetiva as políticas públicas existentes. E, que profissionais péssimos e não comprometidos não serão capazes de realizar a entrega de bom trabalho e não conseguirão atingir a finalidade de suas competências. Mesmo que tenhamos as melhores leis e políticas públicas.

“A mobilização da sociedade e a participação é fundamental para exigir o cumprimento das leis por parte de todos.”

Se faz necessário, romper o “silenciamento de mulheres” que colabora para a manutenção da situação que temos atualmente.

Entre as inúmeras denúncias “mulheres vítimas de violência doméstica” narram a falta de informações sobre seu próprio inquérito, a impossibilidade de falar com delegada da DEAM, a impossibilidade de ver o inquérito, a ausência de informações sobre direitos das mulheres durante o atendimento na delegacia especializada, o descaso e a falta de tratamento humanizado.

Merece destaque também que alguns servidores públicos da polícia civil que trabalham nas DEAM (S) são destemidos e indicam que façam reclamações na Corregedoria de Polícia. O que acontece com as reclamações que são enviadas para a Corregedoria de Polícia Civil?

Algumas vítimas narram a ausência de resposta depois da realização de denúncias na Corregedoria da Polícia Civil. Outras entendem que haverá “corporativismo” e as denúncias não seguirão para responsabilização dos policiais.

A pergunta que não quer calar é “existe realmente investigações nos inquéritos das DEAM (S) ?”
As vítimas também narram sobre o “arquivamento de inquéritos” e que não tiveram conhecimento do arquivamento. Com isso, não tiveram tempo oportuno para que fosse realizado a manifestação.

Quantos inquéritos arquivados e não concluídos resultam em mortes?
Quantas mortes de mulheres são precedidas de registros de ocorrência?
Qual é a política do Estado para reparar famílias que tiveram vítima de feminicídio?
Quantas prisões por descumprimento de medidas protetivas são realizadas?
Quantas prisões em flagrante são realizadas?
O que faz o investigador de polícia civil nas DEAM (S) quando o mesmo não investiga? (Perguntas baseadas nos relatos e vivências de vítimas)
Aonde estão os delegados das DEAM (S) do Rio de Janeiro? Deveriam estar em seus postos de trabalho. As vítimas têm dificuldades de falar com os delegados de DEAM(S).
Por qual motivo delegadas das DEAM (S) não atendem a população?
Quem acaba sendo protegido com as falhas e a má prestação de serviços é o agressor. Outros seguem com a manutenção de cargos e privilégios, em defesa de direitos individuais e diversos, trabalhando corretamente ou não. Quem perde é toda a sociedade!

“Os direitos fundamentais são indivisíveis, indissociáveis e interdependentes e devemos sempre lutar para a valorização e fortalecimento da dignidade humana.”

A sociedade precisa realizar mais defesa pelos direitos fundamentais e que estes estejam ao alcance de todos e em proteção ao direito de viver.

O atendimento das DEAM (S) é exemplar?

Está atingindo as finalidades de sua criação?

Assim, o que se vive entre quatro paredes não é uma questão exclusiva de quem vive ali. Devemos sempre respeitar e valorizar a vida e principalmente o direito de viver livre de violências.

Se as DEAM(S) não investigam, não prendem, não realizam atendimento humanizado, se a autoridade policial não está presente no posto de serviço e não atende a população, se não há prisão por descumprimento de medida protetivas, se não há prisão em flagrante. Para quê DEAM (S)? (São as reclamações mais comuns das mulheres que vivenciam essas situações).

Com alta demanda, será mesmo que há empenho na execução de serviços? Qual é o resultado?

Se o mero registro de ocorrências poderá ser realizado pela internet. Ou precisamos de digitadores?

SUELLEN R. ROCHA (Tia da Sophia) – Advogada, mulher preta, carioca; Ativista em defesa dos direitos das mulheres e em combate a violência doméstica e familiar; Defensora de Políticas Públicas que são insubstituíveis, nenhum projeto particular substituirá a política pública acessível para todos; Defensora da Constituição Federal e Defensora da Declaração Universal de Direitos Humanos; Membro da Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra do Brasil; Membro da Comissão Heróis da Infância que combate a violência contra crianças e a violência doméstica e familiar; Membro do Movimento Negro Unificado Nacional; Membro do Movimento Negro Unificado do Estado do Rio de Janeiro. suellenrocha029@gmail.com

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