Por Miranda Sá

“Nossa vida é crochetada com um emaranhado de linhas que define uma personalidade” (Autor desconhecido)

Quando eu era menino estranhava que a maioria das mulheres que se sentavam nos bancos da praça praticando o traçado de fios falavam “Croché”, com acento agudo no E; a minha mãe, que estudara francês, falava “Crochê” com acento circunflexo…

Ocorre que a palavra chegou ao Brasil com etimologia francesa, (crochet), vinda do tunisiano (kʁɔʃɛ), que, ao que me parece sem pesquisar, foi criado na Tunísia este processo artesanal na famosa tapeçaria deles.

Tanto faz Croché como Crochê. O verbete dicionarizado em português é um substantivo masculino, designando o processo de criação de tecidos com entrelaçamento de fios de seda ou algodão, uma espécie de renda feita com uma agulha de bico terminado em gancho.

Na minha época, tirando as moças prendadas, o vulgo confundia crochê com tricô, este também um tecido de malhas feito com lã. A palavra tem também origem francesa (tricot) que veio dar em tricô.

A diferença entre os dois na sua confecção é que o tricotar exige duas agulhas sem gancho; e divergem também no seu uso; o crochê tem uma serventia variada para cama, mesa e vestuário (apareceu até num biquíni do Gabeira); e o tricô é mais usado para agasalhos de lã.

Quando rapazola, ganhei muitos suéteres feitos por minhas tias para me proteger no Inverno; e da minha madrinha Nazinha, que era rica e viajada, tive um deles com losangos coloridos trazido da Alemanha.

Escreveu alguém, não me lembro quem, mas acho que foi um daqueles escritores clássicos russos, que “a nossa vida é uma malha de crochê de fios, de pontos e de nós coloridos, traçando com dedos invisíveis e poderosos o nosso destino”.

A malha da nossa vida é especialmente vista ao envelhecer, porque a agitada visão mental dos jovens não consegue alcança-la. A idade provecta traz a vantagem de poder analisá-la e julgá-la, o que é negado aos portadores da síndrome de Peter Pan….

É traiçoeira a deficiência que não permite ver a emaranhada rede da própria vida permitindo a repetição dos erros cometidos e impedindo a confissão unipessoal dos pecados.

Encontramos cotidianamente, infelizmente, tais incapacitados nas redes sociais e principalmente na política. Será um absurdo afirmar que o capitão Bolsonaro é inabilitado para distinguir o traçado da sua vida?

Vê-se que tanto como militar, tanto como político,  a sua dormência intelectual vem de longe e resultou na infeliz posição que assume no cenário da guerra russo-ucraniana.

Para o político profissional o crochê pregresso da sua carreira mostra um jogo de ideias oportunistas e provisórias que, às vezes vencedoras, leva à megalomania. No caso do imoderado Capitão que ocupa a presidência da República pela enganação nas promessas de campanha, vê-se uma exagerada ambição pessoal.

Foi por isto que crochetou a volta do criminoso Lula da Silva, como único adversário capaz de mantê-lo na disputa pela reeleição. Começou combatendo a Lava Jato para salvar os filhos delinquentes, e viu que podia libertar o Pelegão aliando-se aos juízes inclinados a defender o condenado de Justiça em duas instâncias.

Assim, ficou interlaçada na malha da eleição presidencial resultando na imunda polarização entre o ruim e o pior. Que triste destino terá o Brasil se um dos dois, Bolsonaro ou Lula, voltar a sentar-se na cadeira presidencial!

O pior de tudo é que há quem aceite bovinamente a polarização eleitoral, tornando-se bolsopetistas. São incapazes de ver cada linha, cada ponto e cada nó do chochê da sua vida; e pior do que isto, parecem desconhecer o autor desta teia….

MIRANDA SÁ – Jornalista profissional, blogueiro, colunista e diretor executivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Trabalhou em alguns dos principais veículos de comunicação do país como a Editora Abril, as Organizações Globo e o Jornal Correio da Manhã; Recebeu dezenas de prêmios em função da sua atividade na imprensa, como o Esso e o Profissionais do Ano, da Rede Globo. mirandasa@uol.com.br


 

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