Por José Dirceu –
Verificar e alterar estrutura midiática do país são práticas necessárias para certificar democracia.
Quando se trata de Lula, a mídia corporativa brasileira, a começar pelos tradicionais jornalões, é capaz de esquecer o princípio mais elementar do jornalismo: o de cobrir os fatos que são notícia. A atual visita de Lula à Europa, que iniciou-se no final da semana passada com um encontro entre ele e o provável futuro chanceler da Alemanha, Olaf Sholz, foi solenemente ignorada pela mídia brasileira. Só começou a entrar timidamente no noticiário nacional depois da repercussão na mídia estrangeira de seu discurso no Parlamento europeu, onde foi aplaudido de pé pela plateia dos partidos do bloco de de centro-esquerda, e de seu encontro com o presidente da França, Emmanuel Macron, que o recebeu com protocolos de chefe de Estado.
A mídia que tenta esconder a viagem exitosa do líder do maior partido de oposição do país, ex-presidente da República por 2 mandatos e provável candidato a presidente da República em 2022, é a mesma que dedica horas e páginas ao lançamento da pré candidatura de Sérgio Moro, um fato político que, reconhecemos, é relevante. Qual é o critério? Ambos são pré-candidatos à presidência da República, portanto, o movimento de qualquer um dos 2 –apesar da distância abissal de representatividade entre um e outro– é um fato político que merece ser noticiado.
A questão é mais grave se abordamos a –mais do que noticiada– possível candidatura de Geraldo Alckmin à vice-presidência de Lula. A fábula não para e tem novos capítulos. Já se transformou em “dilema do PT”, risco de o “mercado” (leia-se bancos, rentistas e Faria Lima) impor Alckmin no lugar de Lula. E pouco importa Lula ter declarado: “Eu já tenho 22 vices e 8 ministros da Economia, quando eu ainda nem decidi ser candidato. O vice é uma pessoa que tem que ser levada muito a sério na relação com o presidente, porque ele pode ser presidente. Tem que ser uma pessoa que soma com o presidente e não que diverge do presidente… quando eu decidir ser candidato, aí sim eu vou sair a campo para escolher meu vice”.
A questão que se coloca é: pode legalmente a mídia corporativa agir assim? Haverá da parte da justiça eleitoral e do STF medidas para evitar, para além dos debates e suas regras, igualdade de condições, paridade de armas no tratamento, não editorial, mas noticioso da mídia comercial? Ou seremos imediatamente tachados de totalitários, bolivarianos, chavistas, ao exigir respeito aos fatos?
O que fazer contra a censura? Isso mesmo, censura pura e direta que desconhece os fatos e a realidade, não os noticia ou os joga para o pé da página. Como pudemos ver, o noticiário fala da viagem de Lula a Europa e trata da escolha do vice, de Alckmin; mas não menciona:
- que Lula foi aplaudido no Parlamento europeu;
- que foi recebido pelo designado 1º ministro alemão e sua agenda no dia;
- a pauta de suas reuniões com líderes europeus;
- o que ele propõe ou pensa sobre nossas relações com a União Europeia.
CAPITAL FINANCEIRO
A mídia corporativa é cada vez mais propriedade do capital financeiro seguindo uma tendência geral da economia brasileira e mundial, fato que não é noticiado ou analisado pela própria mídia corporativa. A omissão é proposital porque desvendar quem controla a notícia e a informação, a formação das opiniões, é revelar quais interesses dominam e controlam nossa mídia.
Que a mídia corporativa brasileira seja neoliberal, ortodoxa ou mesmo de direita, ainda que envergonhada, faz parte da realidade e da luta política e de ideais, de visão do mundo e de projetos para o Brasil. Mas temos uma Constituição no Brasil, temos leis a respeitar. A própria mídia se apresenta como defensora da democracia e do estado de direito –daí sua oposição clara e aberta aos arroubos ou mesmo objetivos ditatoriais de Bolsonaro.
No seu capítulo 5, a Constituição diz claramente que os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio. No entanto, o que sempre aconteceu foi o contrário: impôs-se um monopólio, mesmo que às vezes disfarçado, que agora passa a ser controlado pelo capital financeiro.
A Constituição diz ainda: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e, atenção, a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição”.
O que fazer com a restrição diária, constante e permanente, das informações que assistimos? Como enfrentar o crescente monopólio da mídia, em parte contido pelo avanço das redes sociais, pela criação de sites e blogs independentes, agora sob ameaça das big techs?
Só há uma resposta: a denúncia e a luta pela aplicação estrita da nossa Constituição. Nessa luta, temos que usar todos os meios, inclusive apelando às cortes superiores para que façam cumprir a lei, da mesma forma como têm agido em relação à veiculação de fake news.
É preciso organizar uma campanha nacional de checagem do noticiário e das informações não veiculadas pela mídia corporativa, denunciar suas omissões e partidarismo, exercer uma pressão democrática pelo nosso direito constitucional à informação e fortalecer os canais independentes de veiculação de notícias.
JOSÉ DIRCEU DE OLIVEIRA E SILVA, 75 anos, é advogado. Foi deputado estadual e federal pelo PT e ministro da Casa Civil (governo Lula). Foi condenado na Lava Jato a 32 anos e 1 mês de prisão e solto quando o STF proibiu prisões pós-condenação em 2ª Instância. Lançou em 2018 o 1º volume do livro “Zé Dirceu: Memórias”.
Publicado inicialmente em Poder 360. Envie seu texto para mazola@tribunadaimprensalivre.com ou siro.darlan@tribunadaimprensalivre.com
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