Redação –
A possível instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigue o Judiciário tem dividido o Senado desde o início desta legislatura. Mesmo assim, um grupo de senadores segue tentando avançar com a chamada CPI da Lava Toga – proposta que virou pauta de movimentos como o Vem Pra Rua, mas incomoda nomes como Flávio Bolsonaro (PSL-RJ). Esse grupo é encabeçado por um estreante no Congresso, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), que entrou na vida política há apenas dois anos, depois de ser exonerado do comando da Polícia Civil de Sergipe. Veja quem é ele:
Aos 47 anos, Alessandro Vieira é gaúcho, mas mora em Sergipe desde a infância. Foi para o Nordeste porque a família queria trabalhar vendendo churrasco, mas optou por não seguir a vocação familiar e acabou se tornando um dos nomes mais influentes da segurança pública da região. Depois de se formar em direito, advogou por um curto espaço de tempo e logo se tornou delegado – profissão que exerceu por 17 anos e o levou ao comando da Polícia Civil do estado.
Foi neste posto que Alessandro Vieira deflagrou um trabalho de combate à corrupção que incomodou políticos, empreiteiros e financiadores de campanha. Prisões inéditas na história de Sergipe aconteceram na sua gestão, ao mesmo tempo em que a Operação Lava Jato desmontava a imagens de diversos caciques da política nacional.
Em meio a essas operações, em abril de 2017, contudo, Alessandro Vieira foi exonerado pelo então governador de Sergipe, Jakcson Barreto (PMDB), que mandou o ex-chefe da Polícia Civil cuidar da delegacia de uma pequena cidade do interior do estado. A decisão logo fez o então secretário de Segurança Pública, João Batista, se solidarizar com o delegado e também pedir afastamento do governo. Na época, não se falou muito sobre os motivos da mudança de comando da polícia de Sergipe. Hoje, contudo, Alessandro Vieira sugere que foi uma retaliação ao trabalho de combate à corrupção que vinha travando à frente da Polícia Civil.
“Em vários momentos da atuação enquanto técnico da segurança pública e delegado da Polícia Civil você percebe que existe uma elite que não pode ser tocada pelo trabalho da polícia e da justiça. O ápice disso foi quando fui delegado geral de Sergipe e fiz um trabalho muito forte de combate à corrupção”, afirmou Alessandro Vieira, destacando que, apesar do sucesso da Lava Jato, várias outras operações de combate à corrupção “esbarram nos níveis superiores judiciários” no Brasil.
Política
Foi essa percepção que fez Alessandro Vieira trocar a segurança pública pela política depois da exoneração. “Nessa mudança, ficou claro que aquilo que eu acho necessário fazer eu não ia conseguir fazer apenas como técnico. Era preciso ocupar um espaço da política, que é onde está a faixa decisória mais importante do Brasil”, explicou o atual senador, dizendo que seu grande objetivo sempre foi, além do combate à corrupção, a justiça. “Não podemos ter um sistema que atue de uma forma para o pobre e de outra para o rico. Isso em qualquer coisa, na educação, na saúde e muito fortemente na justiça e na segurança”, defende.
Com isso na cabeça, Alessandro Vieira começou a tentar entender, através da internet, os movimentos de renovação política que, já em 2017, vinham tentando aproximar a população da política. Entrou no Renova BR e logo depois no Acredito, onde conheceu os atuais deputados Tabata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES), com quem divide um gabinete compartilhado no Congresso. Depois de um ano de participação nesses movimentos cívicos decidiu concorrer a sua primeira eleição e, para isso, se filiou à Rede, que aceitava candidaturas cidadãs.
Apesar de dizer que antes disso nunca tinha pensado em ser político, Vieira optou logo por uma candidatura ao Senado. Não foi a aposta que o Renova BR defendia. O movimento entendia que era mais provável conseguir uma cadeira na Câmara dos Deputados, mas o então delegado dizia que seria mais fácil ter um debate qualificado e buscar maioria para as suas pautas no Senado. E, assim, foi eleito o senador mais votado de Sergipe no ano passado. “Com R$ 70 mil, tive 474 mil votos. O governador que me exonerou foi o quinto colocado”, orgulha-se Vieira, que credita o resultado da eleição ao desejo social de renovação política e combate à corrupção.
Foram essas pautas, portanto, que exaltou logo na chegada ao Senado. Na eleição do presidente da Casa, por exemplo, foi um dos maiores críticos à candidatura de Renan Calheiros (DEM-AP) e, dessa forma, ajudou a eleger Davi Alcolumbre (DEM-AP). Hoje, Vieira reconhece que Alcolumbre não segue com a pauta de renovação política que o levou ao principal posto do Senado. O presidente já até barrou as tentativas de instalação a CPI da Lava Toga. Mesmo assim, acha que eleger Alcolumbre foi uma conquista importante. “Precisávamos tirar o grupo do Renan porque o nível de articulação, inteligência e periculosidade do Renan é infinitamente superior ao do Davi. É verdade que já tivemos uma fase com mais facilidade para avançar na pauta e agora estamos em uma fase mais difícil. Mas mesmo assim temos espaço para briga. Historicamente isso não acontecia”, argumenta o senador, que depois disso trocou a Rede pelo Cidadania.
CPI da Lava Toga
Alessandro Vieira tenta aproveitar esse “espaço para a briga” para investigar o Judiciário desde o início da atual legislatura. Já em fevereiro apresentou um requerimento pedindo a instalação da CPI das Cortes Superiores, que logo ganhou o apelido de CPI da Lava Toga – nome que, por sinal, não agrada Vieira. “Não gosto de coisa que gera muito sensacionalismo, mas pegou”, explica.
O pedido chegou a receber a assinatura de 29 senadores, mas perdeu o apoio de três parlamentares e acabou sendo arquivado, já que uma CPI precisa de 27 assinaturas para ser instalada. Vieira apresentou, então, um segundo pedido de CPI da Lava Toga, novamente com 29 assinaturas. O requerimento, contudo, acabou sendo rejeitado. Senadores que apoiam a investigação do Judiciário até apresentaram recurso contra a decisão, mas até agora não receberam resposta de Alcolumbre.
Vieira não desistiu e preparou mais um pedido de CPI da Lava Toga. Nesta terceira tentativa, a ideia é apurar especificamente o inquérito das fake news, que tem sido tocado pelo ministro Alexandre de Moraes desde que foi criado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. O requerimento, contudo, ainda não foi protocolado, pois nomes como Flávio Bolsonaro têm pressionado alguns senadores a enfraquecer a investigação do Judiciário. Depois desse movimento, dois senadores – Maria do Carmo (DEM-SE) e Elmano Ferrer (Podemos-PI) – já retiraram a assinatura do requerimento, que hoje conta com 26 assinaturas, uma a menos que o necessário.
Há cerca de um mês, Vieira tem tentando recuperar essa última assinatura. Ele conta com o apoio de mais de 20 senadores que se uniram em um grupo independente, chamado de Muda Senado, para defender bandeiras como a CPI da Lava Toga, a análise dos pedidos de impeachment apresentados contra os ministros do STF e a reforma do Judiciário. Vieira é visto como líder natural do grupo, que conta com nomes como Major Olimpio (PSL-SP), Eduardo Girão (Podemos-CE) e Álvaro Dias (Podemos-PR).
Ele acredita que tem sido difícil avançar com esta bandeira porque vê a CPI da Lava Toga como uma pauta “suicida” para a velha política. Mas tem certeza que, mesmo com essas dificuldades, conseguirá emplacar a CPI. “O cidadão brasileiro está cada vez mais esclarecido de que precisamos fazer alguma coisa. Se tem denúncia, tem que investigar. A condenação é outra etapa”, argumenta. “É na cúpula do Judiciário que hoje acontece a garantia dos acordos que travam o Brasil. O STF abandonou o papel de garantidor da democracia para ser garantidor de acordos do mundo da política. O STF está mudando entendimentos, legislando e fazendo coisas imprevistas para atender interesses políticos”, continua o senador, dizendo que os últimos julgamentos relacionados a Lava Jato são um exemplo disso.
Outras pautas
Enquanto não consegue a 27ª assinatura da CPI da Lava Toga, Alessandro Vieira tem trabalhado pautas diversas no Senado. Em meio aos questionamentos sobre os decretos de armas de Bolsonaro, por exemplo, assumiu a relatoria de um projeto mais amplo sobre o tema, que cria um novo marco para o Estatuto do Desarmamento. O texto, segundo ele, regulamenta e simplifica a burocracia do porte e da posse de arma de fogo, mas é menos abrangente que o de Bolsonaro, pois não abranda os requisitos necessários ao porte e fortalece a fiscalização e o controle da posse de armas de fogo. Apesar de ter votado em Bolsonaro no segundo turno e do histórico policial, Vieira também tem críticas ao pacote anticrime. Ele acha que o projeto do ministro Sergio Moro comete alguns excessos “juridicamente desnecessários” e aponta o excludente de ilicitude como o principal deles.
Vieira ainda se revelou um delegado mais “progressista” ao aceitar a relatoria de projetos que vinham sendo negados por outros senadores. Entre eles, o que regulamenta a pesquisa e a produção de remédios à base de cannabis no Brasil e o que define a LFBGTfobia. Pautas ligadas à educação, aos direitos sociais e ao meio ambiente também já receberam o apoio do senador, que prefere fazer as coisas sem muitos holofotes e mantém mecanismos de consulta com os seus eleitores para definir, entre outras coisas, o destino das suas emendas.
“É uma questão de fazer o que é certo. Se a população tem essas demandas, temos que discutir”, argumenta, admitindo que, apesar de ser estreante no Congresso, tem conseguido ocupar um espaço interessante no Senado, sobretudo no grupo independente que tenta levar a bandeira da renovação política para dentro do Congresso. Ele evita, contudo, falar dos próximos planos políticos. “O objetivo agora é garantir o melhor exercício possível do mandato”, diz.
Fonte: Congresso em Foco, por Marina Barbosa
MAZOLA
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