Por Jorge Folena –
No julgamento da ação direta de inconstitucionalidade número 6.696, os ministros do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos (com exceção de Ricardo Lewandowski e Rosa Weber), fizeram um esforço de interpretação para afirmar que “o trâmite do projeto de lei de iniciativa parlamentar que originou a norma (a Lei Complementar 179/2021) foi convalidado pelo projeto de lei de origem presidencial de idêntico conteúdo”, que pretendia a autonomia do Banco Central.
É importante esclarecer que o Senado Federal e a Câmara dos Deputados aprovaram projeto de lei complementar que definiu a autonomia do Banco Central, seus objetivos e a exoneração de seu presidente e de seus diretores.
O referido projeto surgiu da iniciativa do Senador Plínio Valério (PSDB/AM), sendo totalmente questionável a sua constitucionalidade formal, na medida em que a Constituição estabelece que “são de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que: (…) disponham sobre: a criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração-direta e autárquica (…)”.
A Lei 4.595, de 31/12/1964 (que dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e creditícias e cria o Conselho Monetário Nacional) prevê que o Banco Central da República Federativa do Brasil é uma autarquia federal (artigo 8º), sendo “administrado por uma diretoria de cinco membros”.
O projeto de lei apresentado pelo Senador Plínio Valério dispõe que a Diretoria Colegiada do Banco Central do Brasil terá nove membros (artigo 3º), sendo uma “autarquia de natureza especial caracterizada pela ausência de vinculação a Ministério, de tutela ou de subordinação hierárquica, pela autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira, pela investidura a termo de seus dirigentes e pela estabilidade durante seus mandatos”.
Ou seja, o projeto de lei acima mencionado, que tratou de cargos em autarquia, na Administração Pública Federal, padeceu de vício de constitucionalidade formal, por invadir a iniciativa do Presidente da República.
Contudo, num esforço interpretativo gigantesco, com a específica finalidade de satisfazer aos interesses de Bolsonaro e do mercado financeiro, descumpriu uma norma clara da Constituição, como acima destacado. Pela norma aprovada, Bolsonaro entregou parte de sua atribuição ao Presidente do Banco Central, que não mais estará submetido às decisões do seu governo, mas aos interesses exclusivos dos bancos.
O ministro Dias Toffoli, por exemplo, entendeu que, “de acordo com o artigo 48 da Constituição Federal, está entre as Competências do Congresso Nacional normatizar acerca de moeda, do câmbio e do sistema financeiro”. Contudo, o questionamento era no sentido de que o projeto de lei que originou a Lei Complementar 179 tratava de cargos em órgão da administração federal, cuja iniciativa é exclusiva do Presidente da República.
Trata-se de uma questão relativa às competências estabelecidas pela Constituição, que não podem ser simplesmente desconsideradas pelos ministros do Supremo Tribunal Federal a fim de contemplar outros objetivos, que não os genuínos interesses do povo brasileiro.
Se hoje o país se encontra mergulhado no caos, inclusive com o Supremo Tribunal Federal sofrendo ameaças de fechamento pelo atual presidente da República, uma das causas que podemos apontar foi o fato de os ministros do Tribunal, na sua maioria, terem desrespeitado seu papel institucional e descumprido as normas constitucionais.
Um dos exemplos foi o que o STF fez no julgamento do habeas corpus do ex-Presidente Luís Inácio Lula da Silva, em abril de 2018, quando a maioria de seus ministros, por pressão e conveniência, decidiram que ele não teria o direito à presunção constitucional de inocência, acarretando com isso sua indevida prisão, por mais de 580 dias, além da perda do direito de disputar a eleição de 2018, manobra que culminou na vitória de Bolsonaro.
Pouco tempo depois, o próprio Supremo Tribunal Federal verificou o seu equívoco, primeiro reconhecendo, em novembro de 2019, o direito de Lula à presunção de inocência e de estar livre. E no primeiro semestre de 2020, reconheceu a nulidade de todos os atos promovidos pelo incompetente e suspeito juiz Sergio Moro, que levaram à condenação de Lula, porém era tarde demais, pois a interpretação casuística feita pelo STF já tinha causado todos os danos possíveis ao país.
Ao decidir pela constitucionalidade do projeto de lei apontado, constatamos, então, que a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal continuam a atuar de modo a favorecer manobras fascistas e que favorecem o mercado financeiro, contra os interesses e necessidades da população brasileira.
Deste modo, colaboram para a destruição do Brasil, pois colocam-se a serviço dos que atentam todos os dias contra a soberania do país, a democracia e as instituições. Mesmo diante dos equívocos recentes apontados, os ministros do STF insistem em fazer interpretações que negam o texto da Constituição, que deveriam defender e da qual foram nomeados guardiães supremos.
JORGE FOLENA – Advogado e Cientista Político; Doutor em Ciência Política, com Pós-Doutorado, Mestre em Direito; Diretor do Instituto dos Advogados Brasileiros e integra a coordenação do Movimento SOS Brasil Soberano/Senge-RJ. É colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre, dedica-se à análise das relações político-institucionais entre os Poderes Legislativo e Judiciário no Brasil.
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