Por Lincoln Penna

“O próprio movimento é uma contradição” (F. Engels)

O título deste artigo é o mesmo do livro de Maosedung ou simplesmente Mao, líder inconteste da Revolução de 1949, que implantou a República Popular da China, livro este editado no Brasil pela Zahar Editores com tradução de José Maurício Gradel. Por que menciono essa questão nos dias que correm? Há duas razões: primeira, a da própria situação política em que vive o Brasil; segunda razão, diz respeito ao ato das forças de esquerda e dos movimentos sociais que se manifestam contra o presidente Bolsonaro, apesar de tornar incoerente a defesa que todos fazem do distanciamento social em plena pandemia.

Em relação à razão primeira, a contradição está presente na figura do próprio presidente, porquanto ele reúne traços evidentes de autoritarismo que se juntou à orientação neoliberal de seu ministro da Economia Paulo Guedes. A única afinidade existente era a rejeição ao PT e ao seu líder maior, Lula. Acresce a isso, o temor de que eventuais avanços progressistas no caso das forças democráticas e populares pudessem manter sua hegemonia no caso de nova vitória eleitoral. Com isso, se construiu no âmbito dessa contradição a candidatura e em seguida o apoio incondicional ao capitão da reserva a desfrutar hoje a presidência da República.

O conluio do atraso como projeto de manutenção das estruturas obsoletas do país com o retorno do que há de mais abjeto da ditadura. E isso resultou na vitória nas últimas eleições. Sem projeto definido durante a campanha eleitoral bastou o emprego do velho discurso do combate à corrupção, articulado pelos que sempre dela tiraram proveito. Velho e sempre recorrente expediente que tem força eleitoral bastante para eleger quem se preste a pôr em prática um projeto com vistas a impedir verdadeiramente a libertação do país da subserviência aos interesses do grande capital.

E essa contradição se faz presente também em ambos os parceiros que se aglutinaram para dar vida a esse projeto de desmonte do Estado nacional.

De um lado, o discurso autoritário que sempre desprezou os liberalismos existentes, uma vez e que se amparou no fortalecimento do aparato estatal, contrário à ideia de um mercado transformar-se em gestor da coisa pública. E de outro lado, esse neoliberalismo que se encontra submetido às determinações de um governo que precisa fortalecer seu papel de centralização das decisões à revelia de consultas a quem quer que seja, salvo, naturalmente, ao seu exclusivo gabinete familiar.

No que se refere a outra contradição, a da incoerência entre os que acusam de negacionismo Bolsonaro e os que ignoram a importância da vacinação e dos protocolos adjacentes, dentre os quais às aglomerações, eis que de repente enfrentaram a contradição quando da convocação do ato realizado em várias capitais e cidades do interior contra esse negacionismo e pelo impeachment de Bolsonaro.

Como agir diante dessa situação a impor uma decisão que pudesse reafirmar a defesa dos procedimentos necessários a conter a disseminação do vírus, mas ao mesmo tempo dar um basta à permanência de um projeto que tem deixado clara sua intenção por ser antipatriótico e de cunho fascista de novo tipo.

Os atos se realizaram e apesar das restrições impostas a várias pessoas que sem a pandemia certamente estariam presentes, ele foi exitoso. Manteve Bolsonaro acuado e acuado torna-se sempre furioso como fera ferida, muito embora a força de seu discurso esteja mais na produção de bravatas do que de ações voltadas para a superação desse quadro que lhe é adverso. Apenas anima o seu reduto movido pelo ódio.

De qualquer maneira, das duas contradições ressaltadas prefiro correr o risco de dizer que a primeira, a que se encontra no poder político atualmente corre o risco de ser incapaz de resultar senão na sua implosão, em face da difícil convivência de forças tão antagonizadas, porquanto o mercado não suporta o mau humor de um aspirante a ditador, sobretudo quando não tem credenciais para tanto.

Já as forças que deram início aos movimentos (lembrem-se do que disse Engels acima), todas elas sabem que na ação política o que mais se vê é a presença de elementos de contradição, pois eles refletem o que se passa na vida, estimula os confrontos legítimos das ideias, e é nessa permanente contradição que se chega a resultados, que podem não ser inteiramente satisfatórios, mas são sempre legítimos.


LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.