Por Luiz Carlos Prestes Filho –
No ano de 2011, fui o editor da revista Inteligência Empresarial Nº 35 da Crie/Coppe/Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com a seguinte capa: “Porto Maravilha e a Pequena África”. Na apresentação destaquei: “Foi neste chão que nasceu a versão carioca do Samba, na Casa da tia Ciata; nasceu a primeira Escola de Samba, a “Deixa Falar” de Ismael Silva; nasceu o escritor Machado de Assis, no Morro do Livramento; e nasceu o compositor Ernesto Nazareth, no Morro do Pinto, antigo Morro do Nheco. Pelo Porto do Valongo, na antiga Praia da Gamboa, passaram centenas de milhares de africanos escravizados que ali desembarcavam dos navios negreiros”.
Na ocasião pedia que não deixassem de valorizar essa matriz étnica e cultural, pois: “A Pequena África é um polo de desenvolvimento e pesquisa socioeconômico, tecnológico e cultural e, como tal, pode ser tratado pelo poder público e empresarial”.
Nas páginas centrais da revista em pauta, publiquei o primeiro mapa que se tem notícia da Pequena África. Elaborei o mesmo juntamente com a gestora cultural e engenheira de produção, Camila Soares. Foi uma façanha! Conseguimos realizar a demarcação das fronteiras deste espaço sagrado para a nossa identidade nacional. No mesmo ficou evidente que o centro da Pequena África era e é a Praça Onze, cantada por dois grandes brasileiros: Grande Othelo e Erivelto Martins:
“Vão acabar com a Praça Onze,
Não vai haver mais escola de samba, não vai (…)
Guardai os vossos pandeiros, guardai
Porque a escola de samba não sai (…)
E algum dia nova praça nós teremos
E teu passado cantaremos”
Neste samba emblemático o retrato da primeira tentativa de destruição da Pequena África, durante o governo fascista do Estado Novo de Getúlio Vargas, 1937/1945. Momento trágico, quando logradouros, hoje conhecidos como Estácio, Praça da República, Praça Onze, SAARA e Central do Brasil foram arrasados. Como sempre, em nome do processo civilizatório.
A parte da Pequena África original, localizada nos bairros da Saúde Gamboa e Santo Cristo tinha sido salva. Até que chegou, em 2010, o governo Eduardo Paes com o projeto “Porto Maravilha”, que promoveria processos de gentrificação nos morros do Livramento, Providência, Pinto e São Diogo. Despejaria 50 escolas de samba dos grupos de acesso de seus históricos barracões. Também, promoveria a destruição de dezenas de terreiros de umbanda e candomblé na região. Claro, os impactos negativos para a população local trouxeram muitos outros sofrimentos.
Mas o mais cruel de todos foi a imposição de um novo nome para este território: Porto Maravilha. Como puderam administradores temporários, se atrever em arrancar do coração da História a denominação: Pequena África!
Hoje percebo que as marcas da violência e da destruição ficarão para sempre. Não poderemos mais recuperar o ambiente vivido nos bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo até a chegada da segunda onda civilizatória que desejou destruir definitivamente a identidade da Pequena África.
Mas ainda podemos, pelo menos, proteger a sua denominação histórica. Penso que esta nobre tarefa, deve ser realizada, como uma homenagem aos nossos ancestrais africanos que ainda vivem na Pedra do Sal, no Cemitério dos Escravos Novos, no Quilombo da Gamboa e no Cais do Valongo. Tenho certeza que a Comissão da Verdade da Escravidão Negra no Brasil (CVENB) da OAB, tem competência para realizar um encaminhamento formal concreto sobre o tema para a Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro.
Pequena África – sim! Porto Maravilha – nunca!
PDF do primeiro mapa da Pequena África (Camila Soares e Luiz Carlos Prestes Filho)
LUIZ CARLOS PRESTES FILHO – Diretor Executivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Cineasta, formado em Direção de Filmes Documentários para Televisão e Cinema pelo Instituto Estatal de Cinema da União Soviética; Especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local; Coordenou estudos sobre a contribuição da Cultura para o PIB do Estado do Rio de Janeiro (2002) e sobre as cadeias produtivas da Economia da Música (2005) e do Carnaval (2009); É autor do livro “O Maior Espetáculo da Terra – 30 anos do Sambódromo” (2015).
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