Redação

A abertura da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das fake news, na quarta-feira, dia 4, abriu um debate sobre até onde vão os limites da liberdade de expressão na internet e nas redes sociais. O objetivo do grupo – composto por 15 senadores e 15 deputados – é investigar a disseminação de informações falsas no debate digital – especialmente nas eleições de 2018.

ORIGENS E PUNIÇÕES – Segundo parlamentares ouvidos pela reportagem, a produção e disseminação de informações falsas, as chamadas fake news, são parte de estratégia ampla e profissional de destruição de reputações que impacta disputas eleitorais mundo afora e o funcionamento de democracias.  A deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA), relatora da comissão, diz que o objetivo é identificar as origens das fake news e prever punições. “E , se for o caso, fazer uma proposição legislativa que busque dar à sociedade brasileira uma segurança maior sobre a formação de sua opinião”.

A parlamentar acredita que boatos mentirosos e informações falsas impactaram nas últimas eleições. “Isso é feito de forma profissionalizada através de uma rede poderosa de contatos, invisíveis, que chegam até o cidadão, martelam a informação ali e moldam uma opinião. É muito grave porque interfere não só na eleição, mas na organização da sociedade.” O próximo passo do grupo, que terá 180 dias para concluir o trabalho, é estabelecer subrelatorias em áreas como política, empresas, pedofilia e cyberbulling. O presidente da CPI, senador Ângelo Coronel (PSD-BA), discorda do argumento de que o trabalho possa ser visto como censura.

COLABORAÇÃO – O senador relatou ter recebido requerimentos convocando as empresas de redes sociais como Facebook e Instagram. Segundo ele, com a colaboração das empresas será possível chegar a resultados efetivos. “Elas podem fornecer informações da máquina de onde partiu o ataque para, com isso, fazer uma ação com a Polícia Federal”, exemplificou. No final de agosto, o Congresso Nacional derrubou o veto do presidente Jair Bolsonaro com penas mais duras para quem divulga fake news em eleições. A lei é válida para as eleições municipais do ano que vem e prevê pena de prisão de dois a oito anos – além de multa – para quem acusar falsamente um candidato para prejudicar sua reputação.

Presidente-executiva do Instituto Palavra Aberta, entidade que advoga a causa da liberdade de expressão, Patricia Blanco vê como temerária a instalação da CPI em um momento de forte polarização na sociedade. Em sua avaliação, a medida cria uma “linha muito tênue” entre as investigações – que considera necessárias para combater os perfis falsos e as redes de destruição de reputação que poluem o ambiente informacional – e eventuais restrições à liberdade de expressão. “É preciso ter uma coordenação do que se está querendo investigar para que não haja caça às bruxas” afirmou ela, cujo instituto lançou este ano o programa EducaMídia, iniciativa de capacitação de professores do ensino básico para preparar crianças e jovens a navegar criticamente pelo ambiente informacional.

DESLEGITIMAÇÃO – A preocupação de Patrícia estende-se a possíveis consequências para a própria imprensa. Segundo a especialista, diversas personalidades políticas trabalham para tentar reduzir a credibilidade dos veículos, em especial se criticam algo contrário às suas vontades. “O termo fake news foi incorporado por aqueles que querem deslegitimar a imprensa. Isso tudo é muito ruim, acaba gerando um exemplo negativo, extremamente perverso para a democracia.” Sobre o aumento do uso das redes sociais por lideranças políticas para se comunicar diretamente com suas audiências, também faz ponderações. “Se, por um lado, a comunicação direta é muito boa, por outro, não tem nenhuma barreira crítica. Você não tem um interlocutor com um senso crítico mais apurado: o político fala o que quiser e aquilo vira uma verdade”, afirma.

A presidente-executiva crê que medidas preventivas são mais eficazes no combate às fake news. É o caso, segundo ela, do Programa de Enfrentamento à Desinformação, lançado na última semana pelo Tribunal Superior Eleitoral, com diferentes pilares que incluem a parceria entre partidos, agências de checagem e outras entidades ligadas à segurança na internet, já com foco nas eleições de 2020. Citando também documento lançado em 2018 pela União Europeia, com orientações de checagem e transparência, Patricia defende que a solução do problema passa por uma “conjunção de ações envolvendo todas as esferas da sociedade”. (fonte: Estadão)