Por Lincoln Penna –
(A universidade). Estigmatizada pelo poder, na medida em que se manifestava como vanguarda lúcida dos movimentos sociais, sofreu, nos momentos de arbítrio e repressão à liberdade, um tratamento dos mais duros. O cerco terrorista engendrado para constrangê-la não a intimidou…
Essa citação faz parte de uma monografia que intitulei A Construção da Dignidade Humana, apresentada para a Fundação José Bonifácio da UFRJ em 1991, concorrendo à premiação a respeito do tema sugerido, Propostas para uma universidade no terceiro milênio. Portanto há 30 anos.
Era como disse na oportunidade, uma abordagem prospectiva, isto é, uma antevisão dos desafios a serem enfrentados pela universidade. Continha, por isso, uma avaliação dos que tinha sido os rumos da universidade até aquele momento e também elementos para a elaboração de um projeto de modo a situá-la em meio aos processos de mudanças operadas no âmbito das inovações materiais produzidas por uma revolução tecnológica e científica em curso.
Passado todo esse tempo marcado por esperanças e desatinos. De expectativas de remoção de velhas barreiras que nos impedem de construir uma nação com a dignidade que sonhava e sonho, apesar de tantas derrotas já acumuladas, revejo essa monografia e penso na universidade diante não apenas dos desafios que apontava, mas das ameaças que rondam sua existência hoje em dia.
Os males de outrora, de um passado que resiste porque está preso a estruturas arcaicas e de interesse de quem detém o poder, agora se soma aos mais recentes obstáculos que nos atormentam. De um lado, um fragmento das classes dominantes aferradas às mais contundente práticas de controle social e político redimensionados nos anos da ditadura escancarada pós 1964.
É desse contingente que hoje participa ativamente do governo Bolsonaro que derivam as manifestações mais retrógradas e de implicações mais danosas ao país, pois têm como objetivo reduzir a universidade à mera função de formadora de profissionais dela retirando os investimentos em pesquisa.
Trata-se de cumprir um dos objetivos dos que entenderam que não bastou a vitória das armas contra a ameaça comunista, reiteradamente explicitada por quem sustenta ser a universidade a responsável pela difusão de ideologias contrárias aos interesses nacionais. Esse segmento civil e militar tomou para si a missão de expurgar a cultura e os seus meios de produção, neles incluindo a universidade, razão pela qual até mesmo as verbas de custeio são reduzidas. Uma forma de estrangular e com isso levá-la à inação, com prejuízos incomensuráveis para o país.
A universidade pública, em especial, precisa de recursos do orçamento para sobreviver e cumprir seus propósitos. Num tempo em que a ciência comanda a soberania de um povo, uma vez que fornece os elementos para dotá-lo não apenas de saber, mas de protagonismo na caminhada para sua prosperidade é inaceitável a adoção de uma política que visa na prática sua extinção. Antes combatíamos as ideias conservadoras, hoje enfrentamos o reacionarismo e o revanchismo movido pela paranoia anticomunista. Não se trata mais de teorizar sobre essas diferenças. É preciso que a cidadania brasileira aja objetivamente para impedir mais um retrocesso.
Não basta a progressiva redução das livrarias, o fechamento dos teatros e galerias de arte, e outros equipamentos de difusão do conhecimento e da cultura, para que nos demos conta que não se pode atribuir somente à pandemia tais violações aos direitos dos brasileiros. Existe um interesse em deixar que essas perdas de espaço se mantenham, da mesma forma que pouco importa para os ideólogos da anti-cultura e da negação da ciência que o núcleo de produção do conhecimento científico e da Inteligência brasileira seja afetada duramente pela circulação do vírus que nos agride, pois ao lado dele se propaga o vírus do negacionismo científico.
A repressão agora não se limita aos seus quadros acadêmicos como então, que supostamente eram convertidos em agitadores de ideologias exóticas, como consideravam os zelosos serviçais da ditadura, mas à própria universidade. Aquele estigma permanece e tem sido reiterado pelos que consideram sua presença desnecessária e até contrária ao interesses de quem assim se manifesta. Afinal, ciência e ideologia para esses fomentadores do ódio é a mesma coisa.
Não abramos mão da luta pela universidade pública, gratuita e de qualidade. Ela é e deve ser um patrimônio do povo brasileiro. Defendê-la das agressões de toda ordem é um dever de patriotismo de quem pensa o presente e, sobretudo, o futuro das próximas gerações.
Dignidade, sim. Que os próximos anos e décadas deste terceiro milênio possam materializar esse desejo. Chega de fracassos.
LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.
MAZOLA
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