Redação

“O combate à corrupção é fundamental, mas deve ser feito dentro dos moldes legais, observando o devido processo legal. Não se combate o crime praticando crime.” Com esse entendimento, o ministro Gilmar Mendes votou, nesta terça-feira (9/3), por declarar o ex-juiz Sergio Moro suspeito para julgar o ex-presidente Lula e anular todo o processo do tríplex no Guarujá (SP).

O ministro Ricardo Lewandowski também votou por reconhecer a parcialidade de Moro. Logo após Gilmar enunciar seu voto, o ministro Nunes Marques, que votaria em seguida, pediu vista. Caberá ao integrante mais novo da corte desempatar o julgamento. Por ora, dois ministros votaram para reconhecer a suspeição de Moro e dois para negar o pedido da defesa de Lula.

Em 4 de dezembro de 2018, os ministros Edson Fachin, relator, e Cármen Lúcia votaram por negar o Habeas Corpus da defesa de Lula, alegando falta de imparcialidade de Moro. O julgamento foi interrompido por pedido de vista de Gilmar. Porém, Cármen afirmou nesta terça que vai votar depois de Nunes Marques; portanto, pode estar sinalizando mudança de entendimento.

Na apresentação de seu voto-vista, Gilmar afirmou que, enquanto esteve à frente da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, Moro interferiu na produção de provas contra acusados, dirigiu as investigações do Ministério Público Federal e juntou documentos de ofício, sem manifestação do órgão.

“O olhar em retrospecto não esconde que o juiz Sergio Moro diversas vezes não se conteve em ‘pular o balcão’. Na ordenação dos atos acusadores, o magistrado gerenciava os efeitos extraprocessuais da exposição midiática dos acusados. A opção por provocar — e não esperar ser provocado — garantia que o juiz estivesse na dianteira de uma narrativa que culminaria, como será discutido, na consagração de um verdadeiro projeto de poder que passava pela deslegitimação política do Partido dos Trabalhadores e, em especial, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a fim de afastá-lo do jogo eleitoral.”

O ministro destacou que não é a primeira vez que a imparcialidade de Moro foi questionada. Em agosto de 2020, a 2ª Turma do Supremo ordenou o desentranhamento da delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci de ação em que Lula é acusado de receber dinheiro da Odebrecht para comprar um terreno para o Instituto Lula. De acordo com os ministros, o então juiz perdeu a imparcialidade ao juntar, de ofício, a delação no processo.

No mesmo mês, a 2ª Turma do STF anulou sentença condenatória de Moro no caso Banestado por entender que o magistrado que homologa acordo de delação premiada não deve participar das negociações feitas entre as partes, muito menos tomar depoimento de um dos envolvidos.

Segundo Gilmar, os atos praticados por Moro não permitem manter a percepção de que o julgamento de Lula foi feito por um juiz destituído de todo e qualquer preconceito quanto à sua culpabilidade.

Atuações parciais
A defesa de Lula apontou sete atuações parciais de Moro em relação a Lula no processo do tríplex: a autorização da condução coercitiva do petista e familiares sem que tivessem sido chamados para depor; a autorização para interceptação de telefones do ex-presidente, familiares e advogados antes que fossem adotadas outras medidas investigativas; a divulgação, em 16 de março de 2016, de conversas captadas nos grampos; a afirmação de Moro, ao levantar este sigilo, que “[a]s principais figuras públicas hostilizadas pelos apoiadores do impedimento eram a ex-presidente Dilma [Rousseff] e o paciente [Lula]”; a sentença condenatória; a suposta oposição à ordem de soltura do petista proferida em 8 de julho de 2018 pelo desembargador federal Rogério Favreto; e a aceitação do cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Jair Bolsonaro, opositor do PT.

“Seja por não ter respeitado as balizas legais, seja por ter propiciado uma exposição atentatória à dignidade e à presunção de inocência do investigado, tenho absoluta clareza de que a decisão de ordenação da condução coercitiva do paciente macula a imparcialidade do ex-juiz Sergio Moro”, declarou Gilmar.

Ressaltando que as mensagens no Telegram apreendidas na operação spoofing não foram usadas para fundamentar seu voto, o ministro destacou que as conversas demonstram que Moro coordenou a condução coercitiva com os procuradores da “lava jato”. Em 5 de março de 2016, um dia após Lula ter sido conduzido coercitivamente para depor na Polícia Federal, procuradores discutiram em grupo de mensagens a redação de uma nota da força-tarefa da operação em defesa da decisão do então juiz.

Gilmar também citou que Moro autorizou não só a interceptação telefônica de Lula e seus familiares, mas também a quebra do sigilo do telefone central da sede do Teixeira Zanin Martins Advogados, então chamado Teixeira, Martins e Advogados. A banca fica em São Paulo.

Ao todo, 25 advogados com pelo menos 300 clientes foram grampeados. Telefonemas de empregados e estagiários do escritório também foram interceptados pela “lava jato”.

Embora tenha sido avisado por operadores de telefonia que o escritório tinha sido grampeado, Moro não analisou esses ofício, disse Gilmar, citando reportagens da ConJur.

“A conduta do magistrado de interceptar os advogados do paciente para ter acesso antecipado aos seus movimentos processuais — por si só — seria causa suficiente para reconhecer a violação da independência judicial e a contaminação de todo os atos praticados pelo juiz. Se ainda fôssemos avançar para compreender os significados, no mundo real, da violação do sigilo cliente-advogado, tenderíamos a ver que a intercepção dos patronos permitiu de fato que o magistrado e a força-tarefa de Curitiba se antecipassem às ações do paciente, deixando-o sem saída defensiva em diversas oportunidades”, criticou o ministro.

A divulgação das conversas grampeadas de Lula também deixou clara a falta de imparcialidade de Moro, afirmou Gilmar.

“Mesmo sabedor de que a competência sobre tais atos não era mais sua, tendo em vista a menção de autoridade com prerrogativa de foro, no caso, a ex-presidente Dilma Rousseff, o ex-juiz, em decisão bastante singular e desconectada de qualquer precedente conhecido, levantou o sigilo dos autos com o intuito — hoje relevado inconteste — de expor publicamente o ex-presidente Lula, corroborando uma narrativa de incriminação.”

Já a atuação do então juiz federal, em julho de 2018, para manter Lula preso mesmo diante de Habeas Corpus concedido pelo desembargador federal Rogério Favreto, “evidencia a sua inclinação pautada por visões preconcebidas no caso concreto, em face do paciente [Lula]”, avaliou o ministro.

Ele ainda opinou que a condenação do petista a nove anos e seis meses de reclusão no caso do tríplex contém diversas declarações que demonstram sua avaliação negativa de Lula. Além disso, Moro negou a produção de provas e não indicou qual foi o ato de ofício que o ex-presidente praticou, retardou ou deixou de praticar em troca do apartamento — medida essencial para a configuração de corrupção passiva.

O ministro lembrou que o então chefe da força-tarefa da “lava jato”, Deltan Dallagnol, enviou a denúncia ao então juiz antes de apresentá-la.

“A atuação proativa do magistrado fazia com que os inquérito, ações penais e negociações de acordos de colaboração premiada perante a 13ª Vara Federal de Curitiba seguissem um rito e procedimento próprio, fazendo letra morta da legislação penal brasileira… A posição do juiz, referenciado nas mensagens como o Russo era a de um verdadeiro legislador positivo que criava as suas próprias regras e fases processuais.”

Por fim, Gilmar apontou que a divulgação da delação de Palocci durante as eleições e a aceitação do cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública no governo de Jair Bolsonaro, opositor do PT, deixam claro que Sergio Moro “foi diretamente beneficiado pela condenação e pela prisão de Luiz Inácio Lula da Silva”.

Abuso de poder
O ministro Ricardo Lewandowski afirmou que ficou demonstrada a “indisfarçada parcialidade de todos os atores institucionais que atuaram na condenação de Lula”.

Para o magistrado, Moro não apenas agiu com suspeição e parcialidade como praticou abuso de poder. Segundo Lewandowski, o ex-juiz federal manifestou “completo menosprezo pelo sistema processual por meio da usurpação das atribuições do Ministério Público Federal e mesmo da Polícia Federal, além de ofensa aos princípios do juiz natural e do devido processo legal”.

Conforme o ministro, a interceptação telefônica de escritórios de advocacia é uma prática “absolutamente inaceitável” em um Estado Democrático de Direito.

Lewandowski ainda criticou a condução coercitiva de Lula: “Nem animais para o matadouro são levados da forma como foi levado um ex-presidente da República. E [Lula] só não foi embarcado em um pequeno avião em direção a Curitiba porque outras forças intervieram”.

Meio inadequado
Em dezembro de 2018, Edson Fachin negou o Habeas Corpus alegando, entre outros fundamentos, que o HC não seria o meio adequado para tratar de suspeição de Moro.

“Suspeição é diferente do impedimento. E parcialidade, suspeição, exige que a parte acusada seja ouvida. Não se pode considerar um magistrado suspeito por decidir com base em tese jurídica que considera correta”, defendeu Fachin.

Em seguida, a ministra Cármen Lúcia afirmou que todo mundo tem direito a um processo justo. “Nessa condição, o magistrado tem de estar acima de qualquer irregularidade. O fato de um ex-juiz ter aceito convite formulado para Executivo não pode ser considerado por si sua parcialidade”, disse Cármen.

Idas e vindas
Na segunda (8/3), o ministro Luiz Edson Fachin decidiu que a 13ª Vara Federal de Curitiba, que tinha Moro como titular, é incompetente para processar e julgar os casos do tríplex, da chácara de Atibaia (SP), além de dois processos envolvendo o Instituto Lula. Com isso, as condenações do ex-presidente foram anuladas e ele voltou a ter todos os seus direitos políticos, se tornando novamente elegível. Os autos, que estavam no Paraná, devem agora ser enviados para a Justiça Federal de Brasília.

Depois da decisão, Fachin declarou que a suspeição de Moro perdeu o objeto. Ele tentava esvaziar o julgamento desde a última semana, como mostrou a ConJur. A ideia é preservar o “legado” da “lava jato” e evitar que a discussão sobre a atuação de Moro contamine os demais processos tocados pelo Ministério Público Federal do Paraná.

Contudo, o presidente da 2ª Turma do Supremo, Gilmar Mendes, colocou na pauta desta terça-feira (9/3) o julgamento sobre a suspeição de Sergio Moro. O processo estava suspenso por pedido de vista do próprio ministro.

Fachin, entretanto, apresentou questão de ordem ao presidente da corte, Luiz Fux, argumentando que o HC havia perdido o objeto. Por isso, pediu o adiamento do julgamento.

No início da sessão desta terça, a 2ª Turma, por 4 votos a 1, decidiu dar prosseguimento ao julgamento. Só Fachin ficou vencido; Gilmar, Nunes Marques, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski foram a favor da continuidade.

Prevaleceu o entendimento, firmado pela 2ª Turma em dezembro de 2018, de que o Habeas Corpus que discute a suspeição de Moro não seria afetado ao Plenário. Além disso, os ministros apontaram que há precedente do Supremo estabelecendo que, uma vez iniciado o julgamento pelo colegiado, o relator não alterar sozinho o órgão julgador — turma ou Plenário (AP 618).

Futuro dos processos
Ao anular as condenações do ex-presidente, Fachin declarou “a nulidade apenas dos atos decisórios praticados nas respectivas ações penais, inclusive os recebimentos da denúncia”.  Ou seja, o ministro encontrou uma forma de manter válidas as quebras de sigilo, interceptações e material resultante de buscas e apreensões.

Como os autos serão enviados ao DF, o juiz que se tornar responsável pelos casos do ex-presidente ainda poderia usar os dados colhidos durante as investigações conduzidas por Moro, segundo a decisão de Fachin. No entanto, se Moro for declarado suspeito, isso não será mais possível, já que as provas estariam “contaminadas”.

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HC 164.493


Fonte: ConJur