Por Lincoln Penna

Floriano Peixoto, segundo presidente da República (1891-1894), é um personagem da política brasileira dos mais polêmicos e há razões para que assim seja considerado. Ao longo de sua trajetória como militar do exército a percorrer todas as patentes, culminando com a de marechal de campo, Floriano encarnou como poucos militares as virtudes e as práticas austeras e por vezes truculentas de seus camaradas. Como presidente em exercício, como costumava proclamar sua condição ao substituir seu conterrâneo Deodoro da Fonseca, sua conduta não foi diferente. Surgia o fenômeno político do florianismo em meio a inúmeras adversidades.

No governo, Floriano enfrentou uma grave situação em todos os planos: na economia, na política interna e externa. Enfrentou-as com determinação sem, contudo, deixar de lado o aprendizado com as manhas políticas as quais as adotou com a sabedoria do sertanejo sempre desconfiado. Dessa maneira, soube ser austero e firme com base nas suas convicções republicanas, mas ao mesmo tempo capaz de demonstrar algum desembaraço no enfrentamento das crises políticas, a começar com a de sua ascensão à presidência. Por essa razão, provocou o surgimento do que eu defini como os dois anteparos de Floriano, que resultaram no florianismo: o de governo e o de rua.

O florianismo de governo foi o resultado de uma articulação a envolver Floriano e os interesses da política de São Paulo. Morada da oligarquia de maior expressão à época. Esta tinha interesse em estabilizar a recém proclamada República com vistas a pretender ocupar a presidência do regime. Para tanto, a firme posição do governo do marechal Floriano era decisiva. Diante da Revolta da armada (marinha) a situação delicada dos rumos da República reclamava um governante em condições de consolidar suas instituições políticas. Daí, o apoio tático ao marechal pelos próceres paulistas.

Em paralelo surgira com alguma força popular o que designei de florianismo de rua, no qual segmentos de uma classe média urbana nascente e um punhado de trabalhadores de serviço, identificados com o presidente passaram a dar apoio e sustentação ao governo contra os atravessadores do pequeno comércio e, naturalmente, os que se opunham à continuidade do governo do marechal. Ardorosos defensores do marechal esse jacobinismo caboclo, também batizado de radicais cariocas, agitaram as ruas da então capital da República dando ao governo a sustentação política e ao mesmo tempo oferecendo um contraponto à força econômica dos paulistas.

Por que estou a mencionar Floriano, o florianismo e o seu caráter plural? A razão está no uso que se faz do nome e do vocábulo dele derivado para explicar ou definir ou ainda adjetivar argumentos aplicados a situações do tempo presente. Sem uma explicitação razoável, tais menções a Floriano e aos florianismos acabam por simplificar um fenômeno político que encerra contradições que precisam ser entendidas. Porque do contrário há quem associe Floriano e o próprio florianismo de governo a figuras que nada têm de similares com o marechal.

Da mesma forma, não se pode associar o florianismo a toda e qualquer outra figura da República, que mereceu também seguidores, como se fossem similares, tais como Hermes da Fonseca, Getúlio Vargas e muito menos o atual capitão da reserva Jair Bolsonaro.

Não confundir Floriano e a sua obsessão em sustentar um regime que mal instaurado sofreu pressões, a maioria ainda mal conhecida, com as figuras histriônicas de lideranças autoritárias e destituídas de qualquer propósito com relação à República, senão a agenciarem os interesses de grupos legais ou ilegais com vistas a criarem seu próprio feudo particular.

Floriano deve ser lembrado como alguém que se dispôs a salvar o golpe mais progressista que o país conheceu embora frustrante em seus desdobramentos. Mais até do que o golpe de 1930 fruto de uma baita conciliação de forças, não obstante ter sido uma nova tentativa de se proclamar a República.

Por fim, os excessos cometidos por Floriano – e eles existiram – aconteceram em defesa do regime da coisa pública. Jamais como primeiro dos cidadãos – como rezava a cartilha positivista -se apropriou de recursos do povo e em seu testamento firmou o convencimento de que aos jovens estava destinada a tarefa de sustentar a soberania da nação e a defesa da nacionalidade em toda sua extensão. Dá para entender que se referia ao acolhimento de todos os povos do território, especialmente o das comunidades indígenas. Este é o principal legado de Floriano. Os episódios truculentos de que seu governo foi responsável, só podem ser entendido no contexto de uma batalha por um regime político que estamos há tempos buscando fundar.

Floriano continua a ser conjugado no plural. Os que o exaltam pelo uso da força independentemente do motivo para que esse recurso seja usado, e os que o tem na conta da figura que evitou o regresso, a restauração ainda que para muito isso seja um pretexto usado para se firmar na presidência. O fato incontestável é que Floriano exibiu um poder de articulação política ao unir dois movimentos tão distintos em torno de si (os dois florianismos) para salvar a República. Este é o principal legado do marechal.

Não estaríamos na hora de aprendermos que só a unidade de forças diferentes e dispostas enquanto frente política a remover os falsos republicanos é capaz de tal proeza? A unidade dos mesmos reforça afinidades, mas não é suficiente para superarmos o mal que nos impede de construirmos dias melhores para a República.

Nessa frente não cabem os oportunistas de sempre, somente os que zelam pela defesa das liberdades democráticas, cujos riscos não foram eliminados como pode parecer. E essa cautela, no momento, é mais do que necessária.


LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.