Por José Carlos de Assis

Tenho tido uma função informal de conselheiro dos caminhoneiros. Sua greve marcada para 1º. de fevereiro, de caráter estritamente econômico, vinha sendo preparada gradualmente com ampla adesão da categoria em todas as regiões do Brasil. Então aconteceu o previsível. Alguns picaretas a serviço do Governo começaram a perceber que a greve poderia dar certo. Correram para dizer que fracassaria. Na base da grana, não para caminhoneiros mas para si mesmos, estão tentando manipular as ações e as consciências da categoria.

Para uma greve de caráter econômico, isso traz um embaraço. É possível ao Governo comprar dezenas, talvez centenas de falsos “líderes” caminhoneiros. Mas não dá para comprar todos. São cerca de 700 mil. Só os representantes no Conselho que lidera a greve são mais de 30, e estão unidos em torno do movimento. Quanto aos que funcionam como quinta-colunas e vendilhões da categoria, conheci alguns. E acompanhei a trajetória deles rumo à perda total de caráter e a venda por atacado de seus colegas.

Essa greve não sairia não fossem razões efetivamente econômicas, como disse. Muitos caminhoneiros e suas famílias estão morrendo de fome, sobretudo em tempo de epidemia. Além da absurda carga de custos que a Petrobrás lhes impõe, extrapolando nos preços do diesel, da gasolina e do gás de cozinha, há situações específicas de queda de renda entre os caminhoneiros, que não conseguem, por exemplo, ter carga de volta nos contratos de longa distância.

Sua pauta de reivindicações tem dez itens. Todos justos.

É inacreditável que, diante da situação concreta em que os caminhoneiros estão vivendo, apareçam traidores da categoria para tentar desmoralizar a greve. Há entre eles alguns cínicos que se apresentam como analistas neutros da situação, para concluir que os caminhoneiros não farão greve de jeito nenhum. Entretanto, no nível de informação do Conselho, a conclusão é outra. Os caminhoneiros estão determinados a parar não porque estão contra Bolsonaro – embora alguns estejam -, mas porque precisam comer.

Quanto ao aspecto político, é óbvio que os caminhoneiros votaram majoritariamente em Bolsonaro. Entretanto, as pessoas tem todo o direito de se arrependerem do voto. Sempre se vai lembrar, porém, que a demagogia de Bolsonaro vai lhe cobrar algum preço. Os caminhoneiros acreditaram em suas promessas. Hoje, enredado como está pela política de preços de combustíveis e de venda de refinarias, Bolsonaro só poderá reconciliar-se com os caminhoneiro se desmontar a política neoliberal de Paulo Guedes, que dá cobertura à política de preços da Petrobrás.

Terá coragem para isso?


JOSÉ CARLOS DE ASSIS – Jornalista, economista, escritor e colunista e membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre; Professor de Economia Política e doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 25 livros sobre Economia Política; Foi professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), é pioneiro no jornalismo investigativo brasileiro no período da ditadura militar de 1964; Autor do livro “A Chave do Tesouro, anatomia dos escândalos financeiros no Brasil: 1974/1983”, onde se revela diversos casos de corrupção. Caso Halles, Caso BUC (Banco União Comercial), Caso Econômico, Caso Eletrobrás, Caso UEB/Rio-Sul, Caso Lume, Caso Ipiranga, Caso Aurea, Caso Lutfalla (família de Paulo Maluf, marido de Sylvia Lutfalla Maluf), Caso Abdalla, Caso Atalla, Caso Delfin (Ronald Levinsohn), Caso TAA. Cada caso é um capítulo do livro; Em 1983 o Prêmio Esso de Jornalismo contemplou as reportagens sobre o caso Delfin (BNH favorece a Delfin), do jornalista José Carlos de Assis, na categoria Reportagem, e sobre a Agropecuária Capemi (O Escândalo da Capemi), do jornalista Ayrton Baffa, na categoria Informação Econômica. Em função das boas práticas profissionais recebeu em 2019 o Prêmio em Defesa da Liberdade de Imprensa, Movimento Sindical e Terceiro Setor, parceria do jornal Tribuna da Imprensa Livre com a OAB-RJ.