Por Miranda Sá –
“Bem-aventurados os que tem fome e sede de justiça, porque eles serão fartos” (Sermão da Montanha)
Um dos meus seguidores (que não autorizou a divulgação do nome) estranhou a citação que fiz noutro artigo do “Sermão do Diabo”, uma paródia satânica do belo “Sermão da Montanha” de Jesus Cristo, citado por Mateus. É um divertido gracejo literário do grande Machado de Assis.
Li-o, faz muito tempo, no livro “Páginas Recolhidas”, editado nas obras completas de Machado pela antiga e respeitável Editora Globo S/A. Na época, apenas achei graça; relendo mais tarde, achei uma crítica inteligente ao que o escritor chama “o sal do Money Market”.
Nesses tempos trágicos de uma pandemia letal, a prédica diabólica parece dirigida aos negacionistas, obtusos inimigos dos avanços científicos. Está claro que eles ignoram a História da Medicina, em particular o capítulo da antissepsia – que estabelece a resistência à propagação de bactérias e vírus na pele e nas mucosas.
A antissepsia vem dos começos do século 19, quando ainda se desconhecia a existência dos micro-organismos e pouco se entendia sobre os germes. Deve-se ao médico e cientista austro-húngaro Ignaz Semmelweis, a necessidade de medidas antissépticas para evitar infecções, como o ato de lavar as mãos.
Sobre Semmelweis, corre uma pitoresca história. Quando ele trabalhava no Hospital Geral de Viena e dava aulas na Escola de Medicina, recomendava a assepsia rigorosa; mas os estudantes incultos desdenhavam dele, sujando propositalmente as mãos antes de tocar nos pacientes…
Esta cretinice subsiste em pleno século 21 quando os sobreviventes brucutus da Idade da Pedra se negam a cumprir medidas preventivas contra o novo coronavírus depreciando a higiene, dizendo que usar máscara “não é coisa de macho” e até desconsiderando a aplicação de vacinas…
Estes negacionistas se esfregam com as “testemunhas de Jeová” como asnos na areia, porque esta seita fundamentalista proíbe a transfusão de sangue, impedindo o procedimento até no tratamento essencial da leucemia, que, sem ele, leva à morte. O menosprezo pela Ciência é próprio de considerações religiosas e/ou pseudo filosóficas.
Dos fundamentalistas religiosos pouco se tem a dizer, é explícito no fanatismo; e, quanto à Filosofia, lembro uma anedota contada pelo escritor Pittigrilli; “Passeando pelo Mercado de Atenas um Filósofo distraído chamou a atenção de uma florista que gritou: – “É um filósofo! ”, e logo em seguida ouviu-se vaias, e uma verdureira lhe atirou legumes vencidos.
– “Porquê, perguntou o Filósofo. – “Porque és um filósofo disseram em coro. – “Mas o que é um filósofo”? Perguntou o Filósofo. Ninguém soube dizer, ninguém sabia…
Trocando o Filósofo por um Cientista, e desenvolvendo esta historieta, cairemos na cretinice dos negacionistas que botam no lugar dos cientistas uma meia dúzia auto-assumidos filósofos que por cobiçoso ciúme não reconhecem o valor da Ciência.
Assistindo o médico televisivo Dráuzio Varela, o ex-astrólogo e auto-assumido Olavão soprou no ouvido do presidente Jair Bolsonaro (meio surdo pelo cerúmen da insciência), uma interpretação desprovida de dados que a pesquisa científica ainda não alcançara sobre o novo coronavírus e a covid-19.
Foi assim que o Presidente, convencido, disse que a pandemia não passava de uma “gripezinha”; e, pior do que isto, se obcecou pela cloroquina, remédio que ouviu dizer que era eficaz para os soldados na Amazônia…. De lá para cá não consegue se libertar desses equívocos.
Como os sermões têm o poder de emocionar e conscientizar as pessoas de boa vontade, seria interessante que os pastores evangélicos e padres católicos politiqueiros, que estão achegados ao poder, aconselhassem o presidente Bolsonaro a ler o Sermão da 4ª-feira de Cinzas: “Pulvis es, tu in pulverem reverteris”, que traduzo como a minha mãe ensinou: – “Tu és pó, e ao pó voltarás”.
Quanto aos patriotas resistentes ao besteirol negacionista, que pratiquem o que ensinou Benjamin Franklin: – “Um bom exemplo é o melhor sermão”.
MIRANDA SÁ – Jornalista, blogueiro e colunista do jornal Tribuna da Imprensa Livre. Trabalhou em alguns dos principais veículos de comunicação do país como a Editora Abril, as Organizações Globo e o Jornal Correio da Manhã. Recebeu dezenas de prêmios em função da sua atividade na imprensa, como o Esso e o Profissionais do Ano, da Rede Globo.
MAZOLA
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